Em decisão assinada no dia 27 de junho do corrente ano, o ministro Gilmar Mendes suspendeu o julgamento de todos os processos em tramitação na Justiça trabalhista que discutem qual é o índice de correção a ser aplicado nos débitos trabalhistas, se é a Taxa Referencial (TR) ou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
A decisão atendeu a pedido de liminar apresentado pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), que busca declarar no Supremo a constitucionalidade da aplicação da TR para esses casos – regra definida pela reforma trabalhista de 2017.
Até que o STF possa analisar essa solicitação, o ministro resolveu interromper temporariamente os processos que discutem a controvérsia. A Consif alegou que juízes e tribunais estariam resistindo a aplicar a TR para atualização dos débitos, e optado pelo IPCA, que costuma resultar em valores maiores a serem pagos.
Enquanto a TR está hoje em zero, o IPCA-E (acumulado trimestral do IPCA-15) fechou em 1,92% no acumulado de 12 meses, segundo dados de junho do IBGE. Além do índice de correção, os débitos trabalhistas são atualizados com juros de mora de 1% ao mês.
Assim, posicionou-se o TST no sentido de que era “inevitável reconhecer que a expressão ‘equivalentes à TRD’, contida no artigo 39 da lei 8.177/91, também é inconstitucional, pois impede que se restabeleça o direito à recomposição integral do crédito reconhecido pela sentença transitada em julgado”, motivo pelo qual o Plenário, estabeleceu a utilização do IPCA-E como critério de correção monetária dos créditos trabalhistas. Ao julgar Embargos de Declaração nos mesmos autos, o TST fixou que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade prevaleceriam, para adoção do novo fator de correção IPCA-E, a partir de 25 de março de 2015, tal como determinado pelo STF. Merece ser realçado que não houve o trânsito em julgado da decisão proferida nos autos do processo TST – ArgInc – 479-60.2011.5.04.0231 -, considerando que pende de julgamento agravo em recurso extraordinário. De outro lado, e depois da declaração de inconstitucionalidade acima apontada, com a edição da reforma trabalhista, foi acrescentado o § 7º, ao artigo 879, da CLT.
Em 2015, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em sua composição plenária, declarou a inconstitucionalidade da expressão “equivalente à TRD” contida no artigo 39 da Lei 8177/1991 e, assim, definiu o IPCA-E como fator de atualização monetária dos débitos trabalhistas.
Em 20 de março de 2017, o Pleno do TST atribuiu efeito modificativo aos efeitos produzidos pela decisão que acolheu a inconstitucionalidade da TR, e passou a fixar a aplicação do IPCA-E a partir de 25 de março de 2015. Segundo o entendimento do TST, a TR deveria ser utilizada como índice de correção monetária até 24 de março de 2015 e, a partir de 25 de março de 2015, deveria ser substituída pelo IPCA-E.
.Posteriormente, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, esclareceu a liminar concedida sobre as ações relacionadas ao índice de correção monetária de dívidas trabalhistas no país. Segundo o ministro, a liminar "não impede o regular andamento de processos judiciais, tampouco a produção de atos de execução, adjudicação e transferência patrimonial no que diz respeito à parcela do valor das condenações que se afigura incontroversa pela aplicação de qualquer dos dois índices de correção".
O esclarecimento foi feito em resposta à medida cautelar ajuizada pela Procuradoria-Geral da República.
A matéria em discussão envolve as ADCs 58 e 59.
Esclareceu o ministro Gilmar Mendes que as decisões da justiça do trabalho que afastam a aplicação dos arts. 879 e 899 da CLT, com a redação dada pela Reforma Trabalhista de 2017, além de não se amoldarem às decisões proferidas pelo STF nas ADIs 4425 e 4357, tampouco se adequam ao Tema 810 da sistemática de Repercussão Geral, no âmbito do qual se reconheceu a existência de questão constitucional quanto à aplicação da Lei 11.960/09 para correção monetária das condenações contra a Fazenda Pública antes da expedição de precatório. Isso porque a especificidade dos débitos trabalhistas, em que pese a existência de princípios como hipossuficiência do trabalhador, a meu sentir, teria o condão de estabelecer uma distinção que aparta o caso concreto da controvérsia tratada no Tema 810, tornando inviável apenas se considerar débito trabalhista como “relação jurídica não tributária.”
Historicamente, a diferença entre TR e IPCA-E é significativa. Foi menor em 2017 por causa da queda na selic. Em 2017, a TR foi zero em muitos meses. No acumulado do ano, chegou a 0,59%, enquanto o IPCA-e foi de 2,94%. Em 2016, a TR acumulou 2%, enquanto o IPCA-E ficou em 6,58%. Na época de alta inflação, já foi mais de dez pontos percentuais.
Lembro que, ao concluir, na sessão do dia 20 de setembro de 2017, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 870947, em que se discutiam os índices de correção monetária e os juros de mora que seriam aplicados nos casos de condenações impostas contra a Fazenda Pública, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu duas teses sobre a matéria. De acordo com a então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, havia quase 90 mil casos sobrestados no Poder Judiciário aguardando a decisão do STF nesse processo, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual.
A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, ministro Luiz Fux, segundo o qual foi afastado o uso da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, mesmo no período da dívida anterior à expedição do precatório. O entendimento acompanha o já definido pelo STF quanto à correção no período posterior à expedição do precatório. Em seu lugar, o índice de correção monetária adotado foi o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), considerado mais adequado para recompor a perda de poder de compra.
O conceito de correção monetária é diverso do de dívida de valor e de juros de mora.
De algum tempo, como se lê de Paulo B. de Araújo Lima(A correção monetária sob a perspectiva jurídica, 1972, pág. 40), na vigência da Emenda Constitucional n. 1/69, já se entendia que o princípio da correção monetária parte da ideia de que nada escapa ao poder político do Estado no manipular o instrumental monetário. No impor o curso forçado do dinheiro, o Estado teria a mais absoluta discrição(ato político), de forma que o Estado poderia ou não corrigir a expressão monetária das relações jurídicas.
Por sua vez, a dívida de valor é conceituada como um direito subjetivo. O direito do respectivo credor de assegurar-se um poder de compra determinado ou uma situação patrimonial certa e imutável, incapaz de ser alterada por flutuações econômicas.
Segundo ensinou Arnold Wald (Aplicação da teoria das dívidas de valor), “reconhece-se que ao lado das dívidas em dinheiro, existem outros débitos que não devem ser alcançados pela depreciação monetária, pois a moeda neles não é levada em conta como objeto da dívida, mas como medida de valor. São débitos que visam a assegurar ao credor um quid, ou seja, determinada situação patrimonial e não um quantum, um certo numero de unidades monetárias."
Tulio Ascarelli (Teoria sulla la moneta, páginas 65 e seguintes), depois de repassar o conceito de moeda através dos tempos e de asseverar que, a partir do Código de Napoleão, o princípio nominalista triunfou, até por imposição do capitalismo então florescente, esclarece que, não obstante o princípio geral, existem certas dívidas, cujo objeto, excepcionalmente, não é o dinheiro, mas um valor patrimonial. Essas seriam as dívidas de valor em contraposição às pecuniárias.
Por outro lado, há os juros moratórios.
Juro pode ser conceituado como sendo a importância paga por unidade de tempo pelo uso do capital de terceiro. É a remuneração ou rendimento do capital investido. Os juros são ditos compensatórios quando devidos como remuneração pela utilização de capital pertencente a outrem, a exemplo daqueles pagos nas operações de mútuo (ex. empréstimo de dinheiro). Já os juros moratórios decorrem do inadimplemento ou retardamento no cumprimento de determinadas obrigações ou contratos e são calculados a partir da constituição em mora.
De toda sorte, o tratamento a ser dado pelos índices de correção monetária e ainda para os juros, na relação entre o Estado e o contribuinte, deve levar em conta dois princípios: igualdade e proporcionalidade.
Nas relações jurídicas não tributárias, a discussão sobre a constitucionalidade da TR como índice de correção monetária é de alta relevância.
Relembre-se que a correção monetária nada mais é do que a proteção do valor original da moeda dos efeitos corrosivos da inflação (não se confundindo com a remuneração do capital = juros). Ela é devida em respeito ao direito de propriedade (artigo 5º, inciso XXII, CF) tutelado pelo judiciário em cada ação judicial apreciada.
Ocorre que a TR não mede a inflação, razão porque não pode ser utilizada como índice de correção monetária. De fato, há muito o STF reconhece que “a taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda” (ADI 493, Relator Min. Moreira Alves, DJ 04-09-1992). Esse entendimento foi reiterado no julgamento da ADI nº. 4.357 e encampado pelo voto proferido pelo Ministro Luiz Fux, no processo em análise, devendo prevalecer.
Em suma, a atualização do valor da dívida do Poder Público por índice que não reflita a efetiva inflação, ocorrida no período, terá o condão de depreciar, desnaturar, corroer aquele direito que fora judicialmente garantido à parte após longos anos de batalha judicial, contrariando o direito de propriedade constitucionalmente garantido. Significará admitir o enriquecimento ilícito do Estado, o que também não se revela adequado e proporcional à Constituição.
Quanto aos juros, cuja função é a de remunerar o capital ao longo do tempo, em princípio não há inconstitucionalidade na adoção do valor de 0,5% ao mês (6% ao ano) nas relações jurídicas não tributárias conforme prevê a regra da poupança. Nestes casos deverá prevalecer o montante de juros fixado no título exequendo. Sendo este omisso no ponto, serão aplicados os juros legais de 0,5% a.m.
Com o devido, respeito a Taxa Referencial (TR) não é indexador capaz de restabelecer o justo valor da indenização trabalhista.
Em muitos julgados foi estabelecido que a correção monetária devesse observar a taxa referencial (TR), prevista na lei 13.467/17, e em outros, que fosse adotada a correção indicada no Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), ao argumento, nesta hipótese, que a disposição inserta no aludido § 7º, do artigo 879, da CLT, é inconstitucional.
Pelo menos seis das oito turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiram pela aplicação do IPCA-E para a correção monetária de condenações trabalhistas, contrariando determinação da reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017) -que adotou a Taxa Referencial (TR), com menor variação. As recentes decisões se baseiam em precedente do TST, anterior às mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e em julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre precatórios.
Em decisão proferida em dezembro, a 6ª Turma considera inviável a aplicação da reforma. A relatora, desembargadora Convocada Cilene Ferreira Amaro Santos, afirma em seu voto que o STF já declarou que a TR não reflete a desvalorização da moeda brasileira. Portanto, acrescenta, não poderia ser utilizada para atualização de débitos judiciais.
Em 2015, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em sua composição plenária, declarou a inconstitucionalidade da expressão “equivalente à TRD” contida no artigo 39 da Lei 8177/1991 e, assim, definiu o IPCA-E como fator de atualização monetária dos débitos trabalhistas.
Em 20 de março de 2017, o Pleno do TST atribuiu efeito modificativo aos efeitos produzidos pela decisão que acolheu a inconstitucionalidade da TR, e passou a fixar a aplicação do IPCA-E a partir de 25 de março de 2015. Segundo o entendimento do TST, a TR deveria ser utilizada como índice de correção monetária até 24 de março de 2015 e, a partir de 25 de março de 2015, deveria ser substituída pelo IPCA-E.
A aplicação da Taxa Referencial (TR) na correção de dívidas trabalhistas viola o direto à propriedade privada. Isso porque não atualiza com justiça os valores. Esse é o entendimento firmado nesta segunda-feira (15/6) pela maioria do Pleno do Tribunal Superior do Trabalho para declarar inconstitucional o uso da TR na atualização de débitos trabalhistas, informou o jornal Folha de S.Paulo.
É evidente que a TR não repõe os prejuízos sofridos pelo trabalhador de modo que é inconstitucional. Aliás, são evidentes as disparidades entre a TR e o IPCA-E.
O TRT – 9ª Região, no processo nº 0001208-18.2018.5.09.0000 (ArgInc), em sede de arguição de inconstitucionalidade, já decidira, em controle de constitucionalidade difusa, assim se expressou:
“As significativas diferenças entre os índices importam, para a Justiça do Trabalho, em diferenças de créditos de natureza alimentar, em desfavor da parte hipossuficiente, o trabalhador. Mais do que isso, a correção pelo índice que não recompõe sequer a inflação do período, conduz a situação absurda em que a estratégia de postergação da data de quitação da obrigação de pagar pecúnia representa um bom negócio para o credor, que, neste período, tem a possibilidade de amortizar a dívida ao utilizar de índices do mercado mais vantajosos. Em abstrato, tal conduta reforça a postura condescendente de desrespeito ao direito do trabalho, além de figurar como flagrante ofensa ao direito de propriedade (art.5º, inciso XXII, da Constituição) e ao princípio da isonomia (art. 5º, caput) uma vez que não restabelece ao seu credor o valor devido e proporcional à época da pactuação da obrigação, o art. 879, §7º, da CLT, ao estabelecer a Taxa Referencial para a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial, desrespeita também o direito social ao salário mínimo com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo (art. 7º, IV, da Constituição), já que o crédito decorre da prestação de serviços e possui natureza alimentar.”
Há flagrante inconstitucionalidade, pois, no §7º do art. 879 da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017, que estabelece que "A atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial".(TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991”.