Antes de tecer qualquer consideração acerca dos efeitos da oposição dos embargos de declaração, torna-se imperiosa a análise da sua natureza jurídica.
Neste sentido, pode-se afirmar que os embargos de declaração, para efeitos da legislação processual pátria, assumem natureza essencialmente recursal, nos exatos termos do que preconiza o artigo 496, inciso IV do Código de Processo Civil brasileiro, in verbis:
"Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos:
(...)
IV – embargos de declaração;"
Passando ao largo de intermináveis discussões doutrinárias acerca da sua natureza jurídica, certo é que, para a legislação processual civil em vigor, os embargos de declaração possuem natureza jurídica de recurso.
Compartilhando de tal posicionamento, encontra-se o ilustre OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA [01], ao afirmar que "(...) embora, às vezes se procure negar o caráter recursal dos embargos de declaração, parece indiscutível sua natureza de recurso, pois são freqüentes os embargos cujo provimento importa modificação do julgado mostrando-se os embargos de declaração com efeitos nitidamente infringentes. (...)"
E ,sendo recurso, a conclusão óbvia é a de que também os embargos de declaração estão sujeitos aos princípios gerais e norteadores do sistema recursal pátrio.
A partir daí, indaga-se: possuem os embargos de declaração o condão de suspender os efeitos da decisão contra a qual foram opostos? Ou, ainda, possuem os embargos de declaração o denominado efeito suspensivo, isto é, o efeito de impedir que a decisão atacada produza seus efeitos somente após sua apreciação e julgamento?
Este denominado "efeito suspensivo" dos recursos foi brilhantemente abordado pelo mestre JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA [02], afirmando que tal efeito consiste em "(...) fazer subsistir o óbice à manifestação da eficácia da decisão. A interposição não faz cessar efeitos que já se estivessem produzindo, apenas prolonga o estado de ineficácia em que se encontrava a decisão, pelo simples fato de estar sujeita à impugnação através do recurso".
A regra consagrada por nosso Código de Processo Civil é a de que todos os recursos são dotados de efeito suspensivo pois, enquanto sujeita a recurso, a decisão, em princípio, não produzirá efeitos. Em alguns casos excepcionais a lei retira expressamente o efeito suspensivo do recurso, conferindo-lhe apenas o denominado efeito devolutivo [03], permitindo que a decisão se torne eficaz antes de transitar em julgado.
O Código de Processo Civil Brasileiro deve ser interpretado de forma sistemática, rechaçando-se desde já qualquer idéia rasa de que "vale somente o que está expressamente regulado no Código", pois se assim efetivamente fosse, consagrados institutos processuais utilizados cotidianamente por todos os advogados (v. g. a réplica e a exceção de pré-executividade) restariam eivados, de uma hora para outra, de fulminante nulidade.
Nesta toada, traz-se à baila ensinamento do ilustre processualista NELSON NERY JUNIOR [04] para quem "(...) No sistema recursal do Código de Processo Civil brasileiro, a regra é o recebimento dos recursos nos efeitos suspensivo e devolutivo."
Ora, se a regra é a de que os recursos serão recebidos no efeito suspensivo e, somente em casos excepcionais o Código expressamente lhe retira tal prerrogativa, pode-se concluir que, no silêncio da lei, isto é, nos casos em que o Código de Processo Civil expressamente não determinar quais os efeitos da interposição do recurso, deve-se entender que o recurso possui efeito suspensivo.
Novamente, o mestre JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA [05] nos traz valioso ensinamento, ao afirmar que "No silêncio da lei, deve-se normalmente entender que o recurso tem efeito suspensivo (...)"
E, no caso específico dos embargos de declaração, inegavelmente a lei processual foi silente, posto que em momento algum indicou quais os efeitos da oposição de embargos de declaração.
Se o julgado foi atacado pelos declaratórios significa que ainda não está inteiramente aperfeiçoada a prestação jurisdicional, isto é, não foi proferida uma sentença ou um acórdão capaz de produzir todos os efeitos jurídicos a que se propunham, pois padecem de omissão, obscuridade, contradição ou erro material.
E, se está incompleta ou imperfeita a prestação jurisdicional, não se pode pretender que esta produza, desde sua publicação, todos os seus regulares efeitos jurídicos.
Tais afirmações tornam-se ainda mais robustas se cogitarmos a hipótese de que, em alguns casos, podem os embargos declaratórios modificar substancialmente o julgado, pois que excepcionalmente tal recurso assume caráter infringente.
Imagine-se um acórdão proferido por um Tribunal que, ao examinar o apelo da parte vencida em primeira instância, passa ao largo das argumentações expendidas acerca de suposta ocorrência de prescrição. A omissão enseja a oposição dos embargos e, neste caso, sua apreciação poderá conferir novo rumo ao deslinde processual.
Seria razoável, na hipótese acima construída, admitir-se que o acórdão proferido, mesmo omisso quanto a ponto crucial da relação jurídica processual, produza todos os seus efeitos legais, mesmo após a oposição dos competentes embargos de declaração?
Não parece ser essa a posição mais técnica, ainda mais quando se raciocina sob o ponto de vista da segurança jurídica, princípio este fundamental e norteador de nosso ordenamento jurídico.
Há de se registrar, por fim, que a jurisprudência pátria já decidiu que os embargos de declaração possuem efeito suspensivo, como se depreende da análise dos seguintes julgados:
"PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CPC-73, ART-538.
É precipitada, e por isso nula, a lavratura de auto de infração com multa fiscal à empresa que, vencida em decisão judicial de segunda instância, interpõe embargos de declaração, com efeito suspensivo, pois a execução do julgado depende de decisão definitiva, até então inexistente." [06]
* * *
"(...) Interpostos os embargos declaratórios tempestivamente não há decisão definitiva de segunda instância, porque pendente de exame o recurso.
(...) A sentença que concedeu a segurança no primeiro grau ainda estava em vigor, pois o acórdão que a reformou não havia gerado efeitos justamente porque submetido a embargos de declaração." [07]
Em síntese, pode-se concluir que a oposição de embargos de declaração impede que a decisão por ele atacada produza de imediato seus regulares efeitos jurídicos.
Tem-se, portanto, a configuração do denominado efeito suspensivo, decorrente do caráter eminentemente recursal dos embargos declaratórios e das disposições contidas no Código de Processo Civil Brasileiro acerca do tema.
Rio de Janeiro, 06 de janeiro de 2006.
LUIZ CARLOS AMÉRICO DOS REIS NETO
OAB/RJ nº 114.900
Notas
01IN, "Curso de Processo Civil" – 5ª Edição, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2000, pg. 447. Sem grifos no original.
02IN, "O Novo Processo Civil Brasileiro" – 22ª Edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002, pág. 122/123.
03 Como é o caso dos recursos especial e extraordinário que, por expressa determinação legal (§2º, do artigo 541 do Código de Processo Civil Brasileiro) serão necessariamente recebidos no efeito meramente devolutivo.
04IN, "Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos", Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000, pág. 385.
05 Ob. Cit., pág. 123
06 AMS nº 98.04.03702-5/RS, 1ª Turma do TRF/4ª Região, Relator Des. Fed. Vladimir Freitas, unânime.
07 AI nº 1998.04.01.034397-3/PR, 1ª Turma do TRF/4ª Região, Relator Des. Fed. Vladimir Freitas, unânime.