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Os crimes hediondos e a individualização da pena à luz de uma nova proposta de atuação

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23/05/2006 às 00:00
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se disse anteriormente, não há dúvida de que a decisão do Supremo Tribunal Federal, ao afastar o óbice da progressão de regime aos crimes hediondos e a estes equiparados, inaugurou uma nova realidade no cenário político criminal brasileiro.

Se, por um lado, representa o reconhecimento da fragilidade e ineficiência do sistema de ressocialização da pena no Brasil, admitindo na progressão a última esperança na consecução de sua finalidade, por outro demonstra preocupação com a dignidade da pessoa humana e assenta definitivamente o princípio da individualização da pena como postulado regulador da execução penal.

Apesar disso, uma quantificação igualitária entre os crimes comuns e os denominados hediondos, mediante a aplicação de idênticos critérios objetivos para a progressão de regime, relega a plano secundário o tratamento diferenciado concebido pela Constituição a tal categoria criminosa e desvia-se da meta da proporcionalidade, desnaturando por completo o especial sistema encetado pela Lei nº 8.072/90, fazendo tábula rasa de seus preceitos.

Nesse contexto é que a aplicação do interstício diferenciador mínimo desponta como alternativa razoável à contenção do esvaziamento da ratio da rotulagem da hediondez, equacionando com equilíbrio a individualização da pena e os anseios sociais decorrentes de tais práticas.

Contudo, forçosa é a conclusão de que, até diploma legal específico ser editado, poderá o juiz da execução adotar qualquer fração que seja superior a 1/6 e inferior a 2/3 para a progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados (1/5, 1/4, 1/3 e 1/2, por exemplo), inspirado na natureza da infração penal e, particularmente, nas condições subjetivas da pessoa do condenado, sendo-lhe facultado, sempre que conveniente, lançar mão do exame criminológico para a aferição do mérito do reeducando, instrumento balizador do próprio critério objetivo a ser adotado, caso a caso, em homenagem à garantia da individualização da pena.


8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. "Revista de Informação Legislativa". Brasília: Senado, nº 48/265, ano 12, 1975.

______. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

______. Código Penal. São Paulo: RT, 2006, 11ª edição.

______. Código de Processo Penal. São Paulo: RT, 2006, 11ª edição.

______. Lei nº 7.210/84.

______. Lei nº 8.072/90.

______. Lei nº 9.455/97.

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. "Direito Constitucional". Coimbra, 1992, 5ª edição.

DIDIER JR., Fredie. "Transformações do recurso extraordinário". Disponível em: www.lfg.com.br, acesso em dezembro/05.

DOTTI, René Ariel. "Curso de Direito Penal – parte geral". Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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FILHO, Antônio Carlos Santoro. "Fundamentos de Direito Penal". São Paulo: Malheiros, 2003.

FRANCO, Alberto Silva. "Crimes Hediondos". São Paulo: RT, 2000, 4ª edição.

GOMES, Luiz Flávio. "STF admite a progressão de regime nos crimes hediondos", disponível em https://jus.com.br/artigos/8181, acesso em maio/06.

MENDES, Gilmar Ferreira. "Jurisdição Constitucional". São Paulo: Saraiva, 2005, 5ª edição.

MIOTTO, Armida Bergamini. "Curso de Direito Penitenciário". São Paulo: Saraiva. 1975.

MORAES, Alexandre de. "Direito Constitucional". São Paulo: Atlas, 2006, 19ª edição.

OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni (coordenação). "Jurisdição e hermenêutica constitucional no Estado Democrático de Direito". Alexandre de Castro Coura, Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia, Cássius Guimarães Chai, Cíntia Garabini Lages, Francisco de Castilho Prates, Heloisa Helena Nascimento Rocha, José Emílio Medauar Ommati, Lúcio Antônio Chamon Junior, Menelick de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

NUCCI, Guilherme de Souza. "Manual de Processo Penal e Execução Penal". São Paulo: RT, 2006, 2ª edição.

SILVA, Marcelo Gomes. "Fim do exame criminológico?". Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Florianópolis: PGJ/ACMP, jan-abr/2004, nº 2.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl, e PIERANGELLI, José Enrique. "Manual de Direito Penal Brasileiro". São Paulo: RT, 1999, 2ª edição.


NOTAS

01 Caso Martinez, caso Salles, caso Diniz, caso Medina, etc.

02 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 140.617/GO, Sexta Turma, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU 15.12.1997, pág. 66580.

03 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 86.948/MG, publicado no DJU de 06.04.06, pág. 050.

04 Vide, por exemplo: HC nº 35.654/RO, DJU 20.03.06, pág. 357; HC nº 46.391/SP, DJU 10.04.06, pág. 244; REsp. 798.955/SP, DJU 03.04.06, pág. 410; RHC nº 18.394/PI, DJU 03.04.06, pág. 417.

05 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 83 STJ: "Não se conhece do recurso especial pela divergência quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".

06 BRASIL. Supremo Tribunal Federal: http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp?PROCESSO=82959&CLASSE=HC&ORIGEM=AP&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M – com acesso em 04.05.06.

07 "Demonstrada a inconstitucionalidade da proibição da progressão de regime em crime hediondo, passo a adotar as razões esposadas na RCL 2.391, pois, também agora entendo que o Tribunal, ante a sua reiterada jurisprudência anteriormente firmada, haverá de fixar a eficácia restrita dos efeitos da presente declaração".

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08 "No ponto questionado, portanto, tenho por bem decidir pela superação do óbice instituído pelo §1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, por se tratar de cláusula com flagrante vício de inconstitucionalidade"

09 "Destarte, tenho como inconstitucional o preceito do §1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, no que dispõe que a pena imposta pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados será cumprida, integralmente, no regime fechado"

10 MORAES, Alexandre de. "Direito Constitucional". São Paulo : Atlas, 2006. 19ª edição, pág. 651.

11 "No caso em tela, observa-se que eventual declaração de inconstitucionalidade com efeito ex tunc ocasionaria repercussões em todo o sistema vigente" – voto do Ministro Gilmar Mendes.

12 Apesar da decisão plenária, ainda não foi editada, com fundamento no art. 103-A da CF, súmula vinculante sobre a matéria.

13 DIDIER JR., Fredie. "Transformações do recurso extraordinário". Disponível em: www.lfg.com.br, acesso em dezembro/05.

14 Nesse sentido: "STF admite a progressão de regime nos crimes hediondos", disponível em https://jus.com.br/artigos/8181, acesso em maio/06.

15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção nº 460-9/RJ, Rel. Ministro Celso de Mello, DJU 16.06.94, pág. 15.509.

16 Conforme pareceres da "Revista de Informação Legislativa" nº 48/265, ano 12, 1975.

17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RISTF, artigos 176 e 177.

18 BRASIL. CF, art. 5º, inciso XLIII.

19 BRASIL. Lei nº 8.072/90: "Art. 5º. Ao art. 83 do Código Penal é acrescido o seguinte inciso:".

20 "Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: [...] V – cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apelado não for reincidente específico em crimes dessa natureza".

21 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 82.959-7SP.

22 Conforme assinalou Marcelo Gomes Silva: "Fundamental, pois, é que se avalie não apenas se o apenado praticou ou não faltas disciplinares, mas sim, suas condições psicológicas para regresso ao convívio social, típico do sistema de progressão adotado pelo Brasil.

A análise da personalidade do sentenciado, seu grau de periculosidade, entendimento dos fins da reprimenda, probabilidade de voltar a delinqüir e sugestão de formas de medidas necessárias ressocialização são fundamentais para a colocação do apenado em um regime prisional mais brando" ("Fim do exame criminológico?". Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Jan-abr/2004 – nº 2 – Florianópolis, pág. 185).

23 "CRIME HEDIONDO OU DELITO A ESTE EQUIPARADO - IMPOSIÇÃO DE REGIME INTEGRALMENTE FECHADO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90 - PROGRESSÃO DE REGIME - ADMISSIBILIDADE - EXIGÊNCIA, CONTUDO, DE PRÉVIO CONTROLE DOS DEMAIS REQUISITOS, OBJETIVOS E SUBJETIVOS, A SER EXERCIDO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO (LEP, ART. 66, III, "B"), EXCLUÍDA, DESSE MODO, EM REGRA, NA LINHA DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE (RTJ 119/668 - RTJ 125/578 - RTJ 158/866 - RT 721/550), A POSSIBILIDADE DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EXAMINANDO PRESSUPOSTOS DE ÍNDOLE SUBJETIVA NA VIA SUMARÍSSIMA DO "HABEAS CORPUS", DETERMINAR O INGRESSO IMEDIATO DO SENTENCIADO EM REGIME PENAL MENOS GRAVOSO - RECONHECIMENTO, AINDA, DA POSSIBILIDADE DE O JUIZ DA EXECUÇÃO ORDENAR, MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA, A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO - IMPORTÂNCIA DO MENCIONADO EXAME NA AFERIÇÃO DA PERSONALIDADE E DO GRAU DE PERICULOSIDADE DO SENTENCIADO (RT 613/278) - EDIÇÃO DA LEI Nº 10.792/2003, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 112 DA LEP - DIPLOMA LEGISLATIVO QUE, EMBORA OMITINDO QUALQUER REFERÊNCIA AO EXAME CRIMINOLÓGICO, NÃO LHE VEDA A REALIZAÇÃO, SEMPRE QUE JULGADA NECESSÁRIA PELO MAGISTRADO COMPETENTE - CONSEQÜENTE LEGITIMIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO, PELO PODER JUDICIÁRIO, DO EXAME CRIMINOLÓGICO (RT 832/676 - RT 836/535 - RT 837/568) - PRECEDENTES - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO, EM PARTE".

24 "CRIME HEDIONDO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROGRESSÃO NO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE EM FACE DO PRECEDENTE DO PLENÁRIO (HC 82.959) JULGADO EM 23.02.2006, QUE RECONHECEU, INCIDENTALMENTE, A INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI 8.072/90. O provimento do recurso, todavia, é parcial, cabendo ao juiz da execução examinar os demais requisitos para a progressão no regime menos rigoroso, procedendo, se entender necessário, o exame criminológico. RHC provido parcialmente".

25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 38.719/SP, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa; HC 39.364/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz; HC 40.278/PR, Rel. Ministro Felix Fischer e HC 42.513/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz.

26 Nesse sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. "Manual de Processo Penal e Execução Penal". São Paulo: RT, 2006. 2ª edição, pág. 957.

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Sobre o autor
Fernando da Silva Comin

promotor de Justiça de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COMIN, Fernando Silva. Os crimes hediondos e a individualização da pena à luz de uma nova proposta de atuação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1056, 23 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8454. Acesso em: 18 nov. 2024.

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