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Processo administrativo como instrumento de cidadania.

Participação dos administrados na administração pública

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            "(...) o prestígio da Administração é assegurado sempre que há possibilidade de resolver-se o litígio entre o administrado e o Estado na própria esfera administrativa, dada a mínima repercussão dos procedimentos internos." (CRETELLA JÚNIOR, José. Controle Jurisdicional do Ato Administrativo, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 332)


1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS. BUSCA DA LEGITIMIDADE NA ATUAÇÃO ESTATAL. CONCEPÇÃO DE CIDADANIA.

            No ordenamento jurídico brasileiro, ainda se opera o desprestígio de direitos fundamentais e remanescem pontos críticos no tocante à legitimidade política - onde residem os grandes óbices à plena concretização de um Estado Democrático de Direito.

            No Preâmbulo do Texto Constitucional, encontra-se consignado o firme propósito de instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício de direitos coletivos e individuais. O Título I da Constituição Federal enuncia os princípios que servem de fundamento a todas as demais disposições constitucionais subseqüentes. Trata-se, portanto, da fórmula política, a qual, no dizer de PABLO LUCAS VERDÚ é a expressão ideológica que organiza a convivência política em uma estrutura social (1). Constitui-se em eleição política de valores, vetor de interpretação das normas constitucionais e de construção infraconstitucional compatibilizada com tais núcleos essenciais diretivos.Na lição de WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, in verbis:

            Também é importante a percepção de que a realização efetiva da organização política idealizada na Constituição depende de um engajamento maciço dos que dela fazem parte nesse processo, e um Estado Democrático de Direito seria, em primeiro lugar, aquele em que se abre canais para essa participação.

(2)

            Como conceito de cidadania, para fins do presente estudo, consideremos a elaboração de VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLLIO, textualmente:

            A cidadania, assim considerada, consiste na consciência de participação dos indivíduos na vida da sociedade e nos negócios que envolvem o âmbito de seu Estado, alcançados, em igualdade de direitos e dignidade, através da construção da convivência coletiva, com base num sentimento ético comum capaz de torná-los partícipes no processo do poder e garantir-lhes o acesso ao espaço público, pois democracia pressupõe uma sociedade civil forte,consciente e participativa.

(3)

            J. J. CALMON DE PASSOS tece interessante reflexão, aludindo à cidadania, conforme agora transcrevemos:

            (...) a cidadania, em sua plena abrangência, engloba direitos políticos (participação), direitos civis (autodeterminação) e direitos sociais (pretensão a prestações públicas). Ser cidadão, portanto, importa na titularidade de direitos nas três esferas apontadas, vale dizer, de um poder de vontade não subjetivo a limitações e controles que o anulem ou inviabilizem. E mais, a exclusão de qualquer das esferas apontadas, ou a limitação em qualquer delas, e fragilização da cidadania. Ser cidadão plenamente significa poder de participação efetiva na vida política e participação com preservação do poder de autodeterminação pessoal, seja em termos de impor abstenções ao Estado, seja em termos de lhe exigir prestações

. (4)

            O processo administrativo há de ser sedimentado como um canal de participação e instrumento chancelador da legitimidade das decisões levadas a efeito pela administração pública, em todos os seus âmbitos de atuação - exemplo in concretu de exercício da cidadania.


2 – PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONCEITUAÇÃO. DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS.

            Para efeitos didáticos, não podemos renunciar à conceituação de processo administrativo – núcleo da temática debatida, fazendo o tradicional cotejo entre processo e procedimento. Socorremo-nos dos tradicionais doutrinadores do direito administrativo nacional. No dizer de ODETE MEDAUAR, literalmente:

            No aspecto substancial, procedimento distingue-se de processo porque, basicamente, significa a sucessão encadeada de atos. Processo, por seu lado, implica, além do vínculo entre atos, vínculos jurídicos entre os sujeitos, englobando direitos, deveres, poderes, faculdades na relação processual. Processo implica, sobretudo, atuação dos sujeitos sob o prima contraditório.

            Assim processo administrativo caracteriza-se pela atuação dos interessados, em contraditório, seja ante a própria Administração, seja ante outro sujeito (administrado em geral, licitante, contribuinte, por exemplo), todos, neste caso, confrontando seus direitos ante a Administração.

(5)

            Ora, segundo DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, o processo administrativo de uma espécie do gênero processual, que engloba, também, os processos legislativo e judiciário (6).

            Encontra-se cada vez mais difundida a moderna distinção das normas jurídicas entre regras e princípios. Os princípios são marcados por sua maior abstração; enquanto as regras atingem maior grau de concreção através de previsão de condutas valoradas.

            Na hipótese do conflito de regras, ficamos diante de uma antinomia, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias. O conflito de princípios não se resolve pela exclusão de um deles, outrossim, pela ponderação e harmonização, em virtude de sua relevância valorativa. Contrariamente ao que se observa com a regras, o conflito de princípios não se encerra com o afastamento absoluto de um deles.

            Para solucionar tais aparentes confrontos, os operadores do direito devem lançar mão de poderoso recurso: a hermenêutica constitucional. A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos exigem que a hermenêutica constitucional seja aplicada na interpretação do sistema normativo e na solução de eventuais conflitos, buscando moldá-lo em conformidade com a Constituição.

            Por vezes, os impasses surgem no exercício das competências constitucionais, as quais parecerão se debater no bojo do Texto Fundamental. Neste momento, a aplicação de princípios intentará a harmonização dos conteúdos arregimentados pela Carta Magna, com suas finalidades precípuas, adequando-a à realidade político-histórico-social e pleiteando maior aplicabilidade para os direitos e garantias fundamentais.

            Requisito da boa aplicação das disposições constantes do Texto Fundamental é a adoção de uma interpretação de índole constitucional, rumando para um Estado de princípios. É mais um triunfo da teoria material da constituição, em que se pretende enaltecer e operacionalizar a concretude dos valores proclamados pelo Texto Político. A interpretação é a sombra que segue o corpo. Da mesma maneira que nenhum corpo pode livrar-se da sua sombra, o Direito tampouco pode livrar-se da interpretação. (7)

            A construção constitucional é uma unidade, onde os valores ali consagrados hão de conviver harmoniosamente para sua possível consecução prática. Nesse esteio, emerge com importância ímpar a aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade, bem como do princípio da razoabilidade.

            O princípio da proporcionalidade, originário do direito público alemão, tem uma função positiva, na medida que pretende demarcar aqueles limites, indicando como nos mantermos dentro deles – mesmo quando não parece ‘irrazoável’ ir além. A proporcionalidade nasceu no direito penal, processual penal, consagrando-se sua aplicação no direito administrativo, atingindo status constitucional mais recentemente.

            É forçoso reconhecer um princípio regulativo para ponderar as questões de confrontos entre princípios ou entre direitos fundamentais, sem olvidar um limite mínimo com vistas a não subverter a noção de dignidade humana. Ressalva JORGE MIRANDA:

            Mas a proporcionalidade não concerne apenas a declaração em abstrato ou em concreto, de direitos e deveres.

Ela está sobretudo ao serviço da limitação do poder político, enquanto instrumento de funcionalização de todas as actuações susceptíveis de contenderem com o exercício de direitos ou com a adstrição a deveres.
(8) (Grifamos)

            A Constituição Federal de 1988 afirma constituir-se o Brasil em um Estado Democrático de Direito, com fundamentos na soberania, no pluralismo político, na "separação dos poderes", na legalidade (e seus consectários) e na consagração do princípio maior da democracia e segurança jurídica. O Texto Político, na busca da legitimidade do exercício dos poderes estatais, enuncia os princípios fundamentais do Estado, seguidos dos direitos e garantias fundamentais assegurados aos cidadãos, antes mesmo de dispor acerca da organização político-institucional do país.

            Ressalte-se que o princípio da segurança jurídica é apontado pelo ilustre constitucionalista J.J. GOMES CANOTILHO como um dos princípios concretizadores do Estado Democrático de Direito:

            Os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticadas ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nestas mesmas regras. (9)

            A crença em um Estado de Direito passa pela noção de que, aos cidadãos, é dado conhecer os seus direitos, gerando uma orientação do bem-agir social e criando-se uma expectativa, embora potencial e limitada, de prever as ações alheias. Em outros termos: no campo da juridicidade, considera-se de suma importância a segurança e a certeza, não somente no âmbito das previsões normativas estatais, mas também no tocante aos diversos processos decisórios (procedimentalização) e de produção normativa.

            ARTUR STAMFORD redigiu excelente artigo sobre a temática, do qual extraímos o seguinte excerto:

            Segurança e certeza, portanto, não se opõem, antes são interdependentes. Essa correlação conduz à idéia de que, por existirem as normas jurídicas estatais, pode-se guiar o como-agir, bem como prever e exigir comportamentos sociais alheios, ou seja, objetivam-se expectativas de comportamentos, forma-se uma padronização social e edifica-se um ideal mínimo de ética. Diz-se, então, assegurados os direitos porque positivados pelo Estado. Daí constroem-se inúmeras teorias, se não explicativas, "legitimadoras do discurso dogmático."

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(10)

            A segurança jurídica se demonstra como a base da justiça social. Um ordenamento jurídico onde não esteja consagrada a potencial estabilidade, prescinde da própria denominação de "ordenamento". A finalidade do direito é, sem dúvida, mitigar o grau de insegurança das relações sociais, reduzindo ao máximo o viés de arbitrariedade, incerteza e instabilidade. A segurança jurídica se expressa na previsibilidade da atuação dos poderes do Estado, dentro dos liames constitucionais, assegurando a governantes e governados o respeito das esferas de competência, aos primeiros; e das esferas de direitos e garantias, dos segundos. Fácil, portanto, vislumbrar a importância do princípio da legalidade, considerado dentro de suas matizes constitucionais e demais desdobramentos de conteúdo material.

            Em seu sentido geral e precípuo, o princípio da legalidade visa tutelar os valores da vida, liberdade e propriedade, com seus consectários substantive due process of law e procedural process of law, onde são evocados aspectos material e procedimental.

            A expressão "devido processo legal" ou "devido processo de lei" é derivada do termo inglês "due process of law". De efeito, o devido processo legal surgiu na Idade Média, por meio da Charta Magna, a qual concedia o direito de que somente seria possível alguém ser processado per legem terrae, isto é, de acordo com a lei de sua região ou de sua condição pessoal. Contudo, reconheça-se: foi no direito norte-americano que a expressão assumiu a importância conceitual de que goza em nossos dias.

            A essência do devido processo legal, em seu viés substantivo, repousa na imperiosa necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de normatização ou procedimentalização que se demonstre restritiva ou usurpativa de direitos fundamentais, bem como que se encontre destituída de proporcionalidade e razoabilidade.

            O devido processo legal demanda que a lei (aqui compreendida em sua acepção lata), esteja em conformidade, não somente com o conteúdo material do Texto Político, mas também com os princípios que formam a base do ordenamento positivo e determinam os ritos procedimentais normativos. Em seu aspecto material, o princípio da legalidade se irradia a todos os campos do direito, decorrendo daí o direito a um devido processo (judicial ou administrativo), em conformidade com o princípio democrático e com o princípio da "Separação dos Poderes".

            Sobre o real alcance do princípio democrático, aproveita-nos o magistério de J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA. São suas palavras:

            A articulação das duas dimensões do princípio democrático justifica a sua compreensão como um princípio normativo multiforme. (...) Primeiramente, a democracia surge como um processo de democratização, entendido como processo de aprofundamento democrático da ordem política, econômica, social e cultural. Depois, o princípio democrático recolhe as duas dimensões historicamente consideradas como antitéticas: por um lado, acolhe os mais importantes elementos da teoria democrática-representativa (órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes); por outro lado, dá guarida a algumas das exigências fundamentais da teoria participativa (alargamento do princípio democrático a diferentes aspectos da vida econômica, social e cultural, incorporação de participação popular directa, reconhecimento de partidos e associações como relevantes agentes de dinamização democrática etc.)

(11)

            O entendimento mais atual é aquele que vê no devido processo legal um conteúdo substancial de legalidade, proporcionalidade e razoabilidade, de modo a permitir o controle da produção e procedimentalização dos diversos atos editados por quaisquer dos órgãos das funções estatais.

            Desta forma, a tradicional aplicação do devido processo legal enquanto garantia processual, chancelador da regularidade do processo, comporta modernamente outros, e (diga-se) mais desafiadores, desdobramentos, dentre os quais o devido processo legal no âmbito administrativo. A atividade administrativa, manto que cobre a atuação do Estado em suas relações com os cidadãos e interfere nas relações sociais de modo concreto, há de se pautar pela razoabilidade, com repúdio a gestão arbitrárias.

            O direito ao devido processo legal demonstra-se emoldurado pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, com o mister supremo de rechaçar o arbítrio na discricionariedade administrativa. Os controles de proporcionalidade e de razoabilidade assomam como matizes do controle de constitucionalidade, um reforço aos direitos e garantias fundamentais.

            O princípio da legalidade é próprio da segurança jurídica, levando-se em conta que, em nosso ordenamento, a lei é materialização da vontade popular. Devido processo legal é parido da legalidade, é idéia ordenada, de conteúdo material e formal, desdobrando-se nos frutos da ampla defesa e do contraditório. Ampla defesa ressoa como afirmação de acesso à justiça, como presunção de eficácia, isto é, participação dos interessados em toda extensão procedimental que a lei permite. Contraditório, por sua feita, emerge como tentativa de equilíbrio interno das relações do iter procedimental – a verdade mediante teses contrapostas, o resultado mediante sacrossanta participatividade e legitimação. Some-se a isso o objetivo da consecução da verdade material, visto que no processo administrativo vigora o informalismo (no sentido de formalismo moderado), evitando-se excesso de rigores com o escopo de mais se aproximar da segurança jurídica. Ora, inexiste no processo administrativo o tradicional princípio da inércia judicial.

            O processo administrativo é processo eminentemente interdisciplinar. Tal acontece em virtude da vasta gama de atuação da vida administrativa. Referida particularidade intensifica de importância o contraditório e a participação dos interessados, a par do dever de motivar as decisões tomadas no bojo do processo, o que confirma a sua transparência e milita em favor de decisões com razoabilidade.

            A revisibilidade surge, também, como possibilidade, respaldada na previsibilidade legal do próprio sistema, de realizar revisões e reconsiderações, as quais efetivam o controle esperado da atuação administrativa.


3 – PROCESSO ADMINISTRATIVO. POSITIVAÇÃO. PARTICIPAÇÃO DO ADMINISTRADO. LEGITIMIDADE E CIDADANIA.

            Não se pode olvidar a necessidade de encontrar mecanismos de solução de conflitos fora da função jurisdicional, consoante o direito fundamental de ação, bem como o direito fundamental de obter efetividade na solução dos conflitos em razão da obtenção de uma tutela efetiva.

            Desta feita, o processo administrativo atua como instrumento célere e mais simplificado para atender a todos os princípios da ordem jurídica constitucional, franqueando ao administrado precioso campo de defesa de seus interesses, viabilizando, em planos conseqüentes, maior participatividade e cidadania. Ora, a opção pela via administrativa é desejável, devendo ser objeto de maiores estudos e investimentos por parte da Administração Pública, enfatizando-se a efetividade e confiabilidade do procedimento administrativo, elevando-se seus atrativos da gratuidade, do informalismo, com a certeza de zelo de todas as garantias constitucionais.

            A unidade jurisidicional do sistema jurisdicional brasileiro (cf.: art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal), não gera antagonismo com o fortalecimento do processo administrativo enquanto canal de deslinde de conflitos entre Administração e Administrados.

            Na lição de AURÉLIO PITANGA SEIXAS FILHO: Num Estado democrático a função de evitar conflitos de interesses deve ser repartida por alguns órgão ou poderes do Estado, evitando-se a sua aglutinação em um único, que acumularia um poder absoluto sobre a sociedade. (12)

            A positivação de normas gerais do processo administrativo aconteceu com a Lei do Processo Administrativo, aplicável no âmbito da administração pública federal – a Lei nº 9.784/99.

            O referenciado normativo representou muitas conquistas em termos de procedimentalização do direito administrativo, esmerando-se nos propagados ensinamentos de grandes estudiosos, os quais, desde outros tempos, discutiam doutrinariamente os conteúdos positivados na lei, tais como LAFAYETTE PONDÉ, CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, ODETE MEDAUAR, ADA GRINOVER, ROMEU FELIPE BACELAR, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, JOSÉ CRETELLA JR., ADILSON DALLARI, SERGIO FERRAZ, e tantos outros.

            Por seu turno, a citada Lei 9.784/99 assumiu a feição de uma lei geral, ressalvando a aplicação de leis específicas disciplinadoras de procedimentos próprios, tal ocorre com a lei de licitações e contratos administrativos, e com a lei do processo fiscal – apenas para exemplificar.

            A redação da lei é, em todo, importante. Contudo, dentre as providências mais dignas de menção, poderíamos destacar:

            a)a positivação explícita dos princípios que regem o processo administrativo (art. 2º, Lei nº 9.784/99);

            b)a legitimação, como interessados no processo administrativo, dos titulares de direitos subjetivos, dos interesses legítimos de terceiros, de direitos coletivos e de direitos difusos (art. 9º, Lei nº 9.784/99);

            c)possibilidade da abertura da consulta pública, em processo que envolver matérias de interesse geral (art.31, Lei nº 9.784/99);

            d)possibilidade de realização de audiências públicas para debates relativos a assuntos do processo (art.32, Lei nº 9.784/99);

            e)possibilidade de participação dos administrados, através de organizações e associações legalmente reconhecida na defesa dos interesses dos administrados perante a Administração (art. 33, Lei nº 9.784/99);

            f)obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos (art. 50, Lei nº 9.784/99);

            g)anulação, revogação e convalidação dos atos administrativos (arts. 54 e 55, Lei nº 9.784/99).

            Observa-se, como fenômeno global, o desenvolvimento de mecanismos de solução de conflitos que margeiem a monopolização da função jurisdicional insitucionalizada. Os estudiosos do Direito reconhecem a necessidade do desenvolvimento de alternativas, de caráter preventivo inclusive, com o escopo de desafogar o atolamento processual experimentado pelos órgão jurisdicionais. Exemplos recentes têm sido o desenvolvimento dos estudos sobre arbitragem, mediação e processo administrativo (ressalte-se aqui o processo administrativo tributário, o qual tradicionalmente vem experimentando o melhor desenvolvimento na ótica do processo administrativo no Estado Brasileiro).

            Pode-se, portanto, afirmar que a procedimentalização administrativa, enquanto meio de solução de conflitos, não se constitui, nem por de leve, limitação ao sagrado direito de ação. O exame dessas questões afeitas ao processo administrativo por parte da função jurisdicional deveria ser uma exceção, não uma regra, funcionando tal qual um prudente filtro. Afinal, o aparato judicial se encontra abarrotado de lides esperando por solução definitiva. O alívio do Poder Judiciário é fato que conduz ao refinamento da produção da Justiça, justificando sobremaneira os investimentos no desenvolvimento e na credibilidade efetiva da sistemática do processo administrativo em toda a administração pública. Reconheça-se: o processo administrativa é meio idôneo de gerar justiça positivada, assegurando os direitos fundamentais, homenageando o interesse público e os princípios do Estado Democrático de Direito. (13)

            Nesse contexto, sobra a importância do processo administrativo, na medida em que moderniza a Administração Pública, confere proteção necessária para que se leve adiante a tutela dos direitos que estão presentes nos requerimentos administrativos, e, ainda, pode-se prevenir, mediante a participação e conseqüente controle da legalidade, moralidade e razoabilidade administrativas, a execução de medidas arbitrárias e ilegais – tão comuns em nossa realidade presente. Sem dúvida, este contexto é responsável visceralmente pelo generalizado descrédito acalentado pelos administrados em relação ao procedimento administrativo, como meio de solução de conflitos.

            O objetivo substancial do processo administrativo é o cumprimento maior da ordem jurídica, especificamente, no tocante à função administrativa – o que leva, como finalidade última e súpera, a consecução da justiça material, em outras palavras, in concretu. Tal conseqüência não há que ser desprezada, afinal, pacificação de conflitos, distribuição de justiça e asseguramento dos primados contitucionais do Estado Democrático de Direito configuram-se em pilatras pacificadoras que permitem a qualquer gestão administrativa a possibilidade de implementar, com êxito, participatividade e legitimidade, suas decisões oriundas das políticas públicas. O processo administrativo funcional e eficaz, repise-se, sob pena de redundância, milita em favor da implementação de uma verdadeira democracia. Na medida em que o cidadão participa, o grau de legitimidade se acentua e o Estado Democrático de Direito sai da condição de sombra mal delineada. Eis o ensinamento de ODETE MEDAUAR, in verbis:

            A processualidade está associada ao exercício do poder. O poder é, por si próprio, autoritário. No âmbito estatal, a imperatividade característica do poder, para não ser unilateral e opressiva, deve encontrar expressão em termos de paridade e imparcialidade no processo preordenado. Daí a importância dos momentos de formação da decisão como legitimação do poder em concreto, pois os dados do problema que emergem no processo permitem saber se a solução é correta ou aceitável e se o poder foi exercido de acordo com as finalidades para as quais foi atribuído.

(14)

            Por óbvio, a edição de uma lei e a positivação de princípios – os quais já latejavam inquietos na doutrina – não significará, em si, a participatividade e a legitimidade que ora se propugna. Mas, é começo. É bom começo. É início indispensável. Tal reconhece DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, textualmente:

            Por certo, ainda, mesmo que adequadamente instituída, a participação não venha a ser panacéia; parece contudo inegável que, sabiamente aplicada, onde e quando se demande aquele tipo de decisões que digam mais ao bom senso que à técnica e seja desnecessária ou desrecomendada a partidarização de alternativas, pode-se vislumbrar sua crescente importância na homogeneização do continuum sociedade-Estado, preparando um futuro de maior legitimidade e até de maior eficiência para a ação estatal, pois as decisões públicas compartilhadas com seus destinatários são cumpridas com mais empenho e menos resistências.

(15)

            Em outras palavras: no processo administrativo destaca-se o espaço conferido à cidadania. Processo administrativo é instrumento de inegável materialidade, onde se busca alcançar as finalidades administrativas e os fins súperos do Estado de Direito: segurança jurídica e legitimidade na relação entre Administração e Administrado. Extrapolou-se o perfil do processo administrativo ligado somente à dimensão do ato administrativo em si, para chegar a legitimação do poder. (16)

            Cabe aqui reconhecer a dificuldade de destruir as barreiras que separam Administrado e Administração Pública. A tradição de arbítrio e ineficiência, somada à dificuldade de entendimento da normatização administratica, a qual se configura em verdadeiro festival de leis marginais, dificultam sobremaneira a aproximação e a confiabilidade do cidadão-administrado. Enfatize-se, inexistir ainda a disciplina do art. 37, §3º, da Constituição Federal, que procura coibir a má prestação de serviços públicos. Sobram lacunas de regulamentação, portanto.

            Ressalte-se, ainda, que a Lei do Processo Administrativo é uma lei de aplicabilidade no âmbito da Administração Pública Federal, fazendo-se necessária uma conscientização das administrações das outras esferas políticas para efeito de edição de normativos com finalidades similares. Seria propícia a edição de uma lei nacional – aplicável à Administração Pública em seu largo âmbito.(17)

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Sobre a autora
Luziânia Carla Pinheiro Braga

advogada da União, professora de Direito Administrativo da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), mestre em Direito (Ordem Jurídica Constitucional) pela UFC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Luziânia Carla Pinheiro. Processo administrativo como instrumento de cidadania.: Participação dos administrados na administração pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1070, 6 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8476. Acesso em: 23 dez. 2024.

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