Durante alguns anos vivenciando os problemas que não se cauterizam na Consultoria da Câmara Municipal de Fortaleza, somos, a todo tempo, admoestados a participar processualmente de ações que, por sua natureza, existem devido a polêmica do tema aqui abordado: A CAPACIDADE PROCESSUAL DAS CÂMARAS MUNICIPAIS.
Daí advêm ações trabalhistas em que participa, indevidamente, no polo passivo o Órgão Legislativo Municipal e, até mesmo ação de indenização por Danos Materiais proposta pela Câmara que, inadvertidamente, nós outros Consultores intentam.
Antes de mais nada, devemos, peremptoriamente, discorrer sobre que se entende universalmente sobre a "divisão" e harmonia dos "poderes" que perfazem a vontade política do "Poder Civil", visto aqui como o complexo morfológico do Estado político federativo.
"Por "Poder Civil" designamos um complexo de atividades e fins articulados em diferentes órgãos, cada qual com suas próprias funções. Para Locke, esse poder civil articula-se em dois distintos poderes, o Legislativo e o Executivo, ...Diz-se habitualmente que o Estado tem três poderes: Legislativo, Judiciário, Executivo. Todavia, para Locke, considerando muitas vezes, erroneamente, como o pai da teoria da separação dos três poderes, os poderes são apenas dois."(cf., in Bobbio, Noberto, e o Direito Natural, Locke, ed. UnB, Brasília, p. 231, 1997).
O termo separação de poderes, portanto, é posterior a Locke e não designa uma esfacelação do Estado mas, uma longa manus do ente político federado.
O Parlamento, para ele, embora separado do Legislativo, deve trabalhar em harmonia com este e, subordinado um ao outro.
O Executivo, para Locke, responde perante o Legislativo e este, por sua vez, além de seu mister de elaborador de leis, fiscaliza as atividades daquele, representando o "poder originário da comunidade".
A teoria que envolve o Estado moderno têm suas raízes nas idéias de Locke e de tantos outros. Na atualidade o Estado, servido daquela teoria, distribui funções próprias, correlatas, aos seus órgãos que integram-se e têm preceitos intrínsecos, reservados à eles mesmos e, apesar de interdependentes entre si, trabalhando para a consolidação de sua harmonia enquanto Estado político federado, em um sistema de peso e contrapeso.
Chegando ao Legislativo municipal hodierno - à Câmara Municipal – vemos que é assente a aplicação do princípio de ser o Legislativo, o "poder originário da comunidade" definido por Locke. Ali se exercita, evidentemente, a representação popular sendo a longa manus do Estado poder político federado na fiscalização do Executivo.
A prerrogativa inerente da Câmara Municipal, portanto, é a feitura de leis municipais e o desenvolvimento de sua ação de fiscalização da Administração Pública como um todo e, do Estado Poder Executivo mais precisamente.
Dissume-se então, que a Câmara Municipal é Poder autônomo e independente, ou seja, função individuada do Estado, que desenvolve, prima facie, duas funções basilares que carrega sobre seus ombros, quais sejam: fazer leis municipais e fiscalizar.
Exemplo de sua interdependência, é o prevê o art. 43 da Lei nº. 4.320/64(Normas de Direito Financeiro), no qual, modernamente, não se utiliza mais o conceito aplicado ao duodécimo, como forma de repasse de recursos do Executivo do Legislativo.
Exerce, no entanto, atividades atípicas à estas, decorrente de seu poder de auto-organização. Isto dá-se quando dispõe, interna corporis, sobre os seus serviços administrativos e sobre seus servidores.
Sua legitimidade processual para configurar no pólo passivo ou ativo, quando se discute em juízo matéria referente às suas prerrogativas institucionais, é clara e provém de sua interdependência funcional e de ser este Poder onde se exercita o "poder originário da comunidade", a representatividade.
No entanto, é o Órgão sede da Edilidade, carente de personalidade judiciária própria no que tange as atividades atípicas de suas prerrogativas. A jurisprudência é remansosa nesse sentido.
O Prof. Hely Lopes Meirelles escreve que: "A capacidade processual da Câmara para a defesa de suas prerrogativas funcionais é hoje pacificamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência. Certo é que a Câmara não tem personalidade jurídica, mas tem personalidade judiciária. Pessoa jurídica é o Município. Mas nem por isso se há de negar capacidade processual, ativa e passiva, á Edilidade, para ingressar em juízo quando tenha prerrogativas ou direitos a defender." (cf. in Direito Municipal Brasileiro, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 1993, pp. 444 e 445).
Sendo, pois, despersonalizada juridicamente para atuar na defesa de suas prerrogativas afins, ou não naturais, não poderá, por força do art. 14, inciso III do CPC brasileiro, integrar lides em que o interesse defendido seja destas prerrogativas, sob pena de nulidade de todos os atos processuais.
A Câmara Municipal também, nesse mesmo pensamento, é despatrimonializada, ou seja, os seus bens são, na realidade, bens da municipalidade, devendo a defesa destes, ser do Prefeito Municipal, no uso de seu múnus à frente do Executivo.
Exsurge desse pequeno esforço para revelar a capacidade processual das Câmaras Municipais: sua autonomia, que é advinda de uma longa jornada histórica que vem desde a concentração exasperadora de poder nas mãos do Rei ou, mais tarde, Executivo, para a descentralização e harmonização das tarefas do Estado democrático e seu poder fiscalizador, que é imperativo na limitação da discricionariedade do Executivo. Porém, não se pode olvidar sua incapacidade em pugnar por interesses que não são naturais às suas prerrogativas funcionais, verbi gratia, não poderia a Câmara Municipal entrar com ação de Danos Materiais por depredação de suas instalações por alhures pois, estaria se imiscuindo nas atividades próprias do Prefeito Municipal, tanto quanto, não poderia ser parte passiva em questões trabalhistas, pois, haveria que ser chamado à lide também, o Poder Executivo, na pessoa representativa do Prefeito Municipal.