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Exame de ordem, autonomia universitária e liberdade de exercício profissional

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09/06/2006 às 00:00
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7. CONCURSO PÚBLICO?

Há quem diga, assim, que o curso jurídico não habilita o formado para nenhuma profissão, o que é um enorme absurdo.

Pelo simples fato de que o bacharel precisa fazer os concursos públicos para juiz, promotor, etc., até mesmo o Exame de Ordem já está sendo confundido com um concurso público, tendo em vista que o advogado exerce "função pública", sendo indispensável à administração da Justiça, nos termos da Constituição.

O Jus Navigandi publicou, recentemente, um artigo que defende essa tese, de autoria do Dr. Vitorino Francisco Antunes Neto, Procurador do Estado de São Paulo (disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/8364).

Na minha opinião, nada mais falso, evidentemente. O curso jurídico habilita, sim, para o exercício da profissão liberal de advogado, assim como o curso médico habilita para o exercício da profissão liberal, na área da medicina, etc.

A exigência de concursos públicos somente ocorrerá, certamente, quando se tratar do provimento de cargos ou empregos públicos de advogados, médicos, engenheiros, etc.

O advogado exerce uma profissão liberal. Se o exame de ordem fosse um concurso público, o bacharel em Direito, uma vez aprovado pela OAB, nesse exame, passaria a exercer um cargo público, ou um emprego público, remunerado pelos cofres públicos. Afinal, é para isso que servem os concursos públicos.

Além disso, o número de vagas, para esses cargos ou empregos de advogado, a serem providos através do exame de ordem, deveriam ser fixados por lei. Ou seja: através de um ato dos representantes do povo, no Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da República. Nunca, evidentemente, através de um Provimento, ou seja, de um ato administrativo, de um conselho da OAB. Nada mais absurdo, evidentemente.

Não se deve esquecer, porém, que alguns dirigentes da OAB, por questões práticas e eleitorais, considerando também a saturação do mercado da advocacia, podem pretender que os advogados sejam remunerados pelo Estado. Para essa finalidade, alegando sempre a necessidade de ampliar a assistência judiciária aos necessitados, existem até hoje, por pressão da OAB, em São Paulo e em Santa Catarina, por exemplo, os convênios, que dão emprego a milhares de advogados. Em São Paulo, existe um convênio com o Estado, que emprega mais de 40 mil advogados, e outros com diversos Municípios.

Portanto, os cursos jurídicos formam bacharéis em direito, ou seja, profissionais liberais, portadores de um título profissional, obtido através de um currículo escolar regularmente desenvolvido, aprovado e fiscalizado, em uma instituição de ensino superior, pública ou privada, título esse que os habilita a exercer a advocacia, após regularmente inscritos na OAB, a quem cabe, apenas, a fiscalização do exercício profissional e não a avaliação dos bacharéis ou dos cursos jurídicos, através do Exame de Ordem. Evidentemente, os cursos jurídicos, como todos os demais, devem ser rigorosamente fiscalizados pelo MEC.


8. A INCOMPETÊNCIA DA OAB

Assim, o Exame de Ordem está errado, em primeiro lugar, porque não cabe à OAB aferir os conhecimentos jurídicos dos bacharéis. Isso é função exclusiva das universidades, que deveriam ser fiscalizadas, com todo o rigor, pelo MEC, para que não se pudesse dizer, depois de concluído o curso, que a formação dos bacharéis é deficiente. Esse é um sistema perverso. O correto seria que o MEC fiscalizasse o ensino em todos os níveis, para que os advogados – e também os médicos, os engenheiros e todos os outros profissionais -, tivessem plenas condições para o exercício de sua profissão.

Quem deve reprovar os alunos é a escola, é a Universidade. O que está errado é o sistema que se criou, por outros interesses, que permite a mercantilização do ensino e a venda dos diplomas, que permite a proliferação dos cursinhos e a venda de obras especializadas, do tipo "Mil Perguntas e Respostas", para que, depois, a OAB, com toda a sua autoridade, se encarregue de "selecionar" os absolutamente incapazes, que ficarão impedidos de exercer a profissão, através de um exame no mínimo questionável, e que não é fiscalizado por ninguém, embora a OAB tenha atribuições para fiscalizar todo e qualquer concurso jurídico.

A proliferação de cursinhos é tão grande que até mesmo as ESA (Escolas Superiores de Advocacia) da OAB costumam anunciar a abertura das inscrições para os Cursos Preparatórios que costumam realizar. Em uma rápida pesquisa na Internet, foi possível encontrar diversos anúncios de cursos patrocinados pela própria OAB e, entre eles, esta "pérola":

"A Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/AL informa que estão abertas as inscrições para o Curso Preparatório para o Exame de Ordem que será iniciado no dia 20 de março. As inscrições podem ser realizadas na ESA, no horário comercial, na Praça Bráulio Cavalcante, n.º 60, Centro. Informações através do telefone 223-4845. Vale destacar que das 50 pessoas que participaram do curso preparatório anterior, 45 obtiveram êxito e lograram aprovação nas provas do Exame de Ordem, exigido para o ingresso nos quadros da OAB".

Fonte: http://www.ipm.al.org.br/colunaadv-2.htm

Ressalte-se, ainda, que a Emenda Constitucional nº 45, ao exigir os três anos de prévia atividade jurídica, para os candidatos à magistratura, pode ter atribuído maiores poderes, ainda, à OAB, porque não se sabe, exatamente, o que deverá ser considerado como atividade jurídica. De qualquer maneira, quem não for aprovado no exame de ordem, ficará impedido de advogar, e, se não conseguir comprovar outro tipo de atividade jurídica, ficará impedido de fazer, também, um simples concurso para um cargo de juiz.

O que não é possível, portanto, é que o aluno estude a sua vida toda, faça um vestibular para um curso jurídico, e que depois de ser aprovado em todas as disciplinas do curso, depois de fazer um estágio jurídico, e depois de elaborar e defender, perante uma Banca, um trabalho de conclusão do curso, ou TCC, o que não é possível, repito, é que esse bacharel seja impedido de advogar, por um exame, que nem é, ao menos, elaborado por uma instituição séria e independente, e nem é, também, fiscalizado, como poderia e deveria ser, pelas universidades, pelo Judiciário e pelo Ministério Público. O que não é possível, também, é que, além de tudo isso, os bacharéis ainda sejam chamados de "porcaria", indiscriminadamente, em cadeia nacional de televisão, por um professor "doutor" da PUC de São Paulo, escalado pela OAB para defender o seu ponto de vista institucional, no Fantástico, da Globo.

Para completar o absurdo, talvez falte, apenas, que seja aprovada a sugestão da Dra Ivete Senise Pereira, conselheira da OAB/SP, ou seja, a de impedir, para sempre, de exercer a advocacia, o bacharel que for reprovado cinco vezes no exame de ordem. Ao que se saiba, ainda não existe restrição semelhante em nenhum concurso jurídico. Os candidatos reprovados, se assim o desejarem, poderão passar a vida toda fazendo o mesmo concurso, até alcançarem, evidentemente, a idade limite.


9. A AVALIAÇÃO DOS BACHARÉIS

Em segundo lugar, o Exame de Ordem está errado porque não é capaz de avaliar se os candidatos têm, realmente, condições de exercer a advocacia, conforme confessou o professor Scaff, acima citado, o que envolve uma série de fatores, e não, apenas, o conhecimento da legislação, que é cobrado, preferencialmente, em provas mal elaboradas, que costumam privilegiar a capacidade de memorização, em vez do entendimento, da crítica e da síntese. Observa-se, também, que, na segunda etapa, costumam ser cobradas questões práticas, tão específicas e raras, que inúmeros advogados militantes, com largo tirocínio, seriam incapazes de resolver, no período da prova e sem o acesso a qualquer material de consulta.

Além disso, a correção das provas - que não admite qualquer fiscalização externa, como também não existe a fiscalização, em sua elaboração -, deixa margem a um alto grau de subjetividade, o que permite a prática de inúmeras injustiças, reprovando os mais competentes e aprovando os incapazes, ou aqueles que se presume que seriam incapazes, para o exercício da advocacia. Esse resultado, no entanto, essa injustiça, terá sido, talvez, apenas involuntária, porque a OAB afirma que as provas não são identificadas, o que afastaria, completamente, a possibilidade da prática de qualquer fraude, ou de qualquer favorecimento.

De acordo com o Dr. Félix Balaniuc, advogado filiado à OAB/MS, militante na área trabalhista há mais de três décadas, o Exame de Ordem tem alto grau de especificidade e é incapaz de avaliar o conhecimento jurídico geral do bacharel:

"O exame obrigatório da Ordem, escudando-se em diploma legal de boa intenção, na realidade cria uma reserva de mercado e premia os poucos felizardos já aprovados em concursos anteriores, mas elimina os demais através de um exame de conhecimento de alto grau de dificuldade e especificidade, o qual com certeza reprovaria muitos dos nossos luminares do direito, incluindo advogados da velha guarda (anteriores à instituição do exame da ordem), ministros, desembargadores, juízes, promotores e defensores públicos, em exercício ou aposentados. Entendo que os elevados índices de reprovação não representam, na realidade, a falta de conhecimentos jurídicos gerais, que se deve esperar de um recém formado e nem refletem o zelo pela admissão de bons profissionais, mas sim o resultado de um terror semeado entre os acadêmicos, com o surgimento de um novo "vestibular", que por si só fere princípios da dignidade, da igualdade e do respeito que merece o bacharel, que com muito sacrifício alcançou sua graduação, num Brasil já tão injusto e desigual."


10. O DESAFIO

Realmente, se o Exame de Ordem fosse necessário e suficiente, para garantir a qualificação profissional, por que não se exige, também, que os advogados antigos façam esse exame? Eu mesmo já fiz essa proposta, em trabalho anterior, e obtive, somente, o mais sepulcral dos silêncios. No entanto, seria muito interessante que todos fizessem o Exame de Ordem, para que se pudesse saber se é justo submeter os novos bacharéis a essa prova, e se esse exame é capaz de avaliar os requisitos necessários ao desempenho profissional, como quer a OAB.

Seria muito interessante que se soubesse quantos advogados antigos seriam capazes de obter aprovação no Exame de Ordem. Seria muito interessante, especialmente, que se soubesse quantos conselheiros da OAB seriam aprovados, justamente eles que defendem, com tanta convicção, a necessidade do exame. O desafio está lançado, mais uma vez. Afinal de contas, se o exame é bom, e se ele é indispensável, para afastar os maus profissionais e para defender o interesse público, não seria possível que os advogados antigos continuassem exercendo a profissão, se não fossem aprovados no Exame de Ordem.

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Ou será que eles possuem alguma coisa semelhante a direitos adquiridos? Mesmo contra o interesse público? Mesmo contra a advocacia, que é essencial à administração da justiça, de acordo com a Constituição Federal?

Na verdade, observa-se que o Exame de Ordem não é capaz de garantir, absolutamente, que o bacharel em direito poderá ser um bom advogado, porque existem outros requisitos essenciais, que não podem ser medidos através desse exame, e nem mesmo pelas avaliações dos cursos universitários. Sabe-se, pela experiência e pela observação, que muitos dos melhores alunos dos cursos jurídicos não têm o talento e a vocação necessários para a advocacia militante, embora possam ser promotores, juízes, professores, etc. Dessa forma, podem existir, também, inúmeros advogados que, embora tenham sido aprovados no Exame de Ordem, não conseguem exercer a advocacia, assim como existem inúmeros outros que, sem nunca terem feito esse exame, são extremamente competentes e honestos. O que é, talvez, a honestidade, ainda mais importante do que a simples competência profissional, a simples acumulação de conhecimentos jurídicos. E, evidentemente, o exame de ordem é incapaz, também, de medir a honestidade, ou o coeficiente de honestidade, se é que isso existe, dos candidatos à advocacia.

Mas fica lançado, aqui, o desafio: submetam-se, nobres conselheiros da OAB, em todo o Brasil, ao Exame de Ordem, na primeira oportunidade. Esse exame deverá ser realizado, contudo, por uma instituição séria e independente, dessas que são especializadas na realização de concursos públicos. Se vocês forem aprovados, prometo que mudo de opinião, a respeito desse exame, e que nunca mais escreverei nenhum artigo jurídico. No entanto, se forem reprovados, ficarão impedidos de exercer a advocacia e deverão, também, logicamente, renunciar aos seus cargos, nos Conselhos da OAB. E, de quebra, pedirão desculpas a todos os candidatos reprovados nos exames de ordem.


11. O EXAME DOS MÉDICOS

Muitos outros Conselhos Profissionais, também preocupados com a precariedade dos cursos universitários, ou com a saturação do mercado de trabalho, pretendem seguir o exemplo da OAB, e instituir, também, um exame de acesso, como condição para a inscrição dos bacharéis, em seus quadros, e para o exercício profissional. Recentemente, por decisão judicial, os Conselhos de Contadores foram impedidos de continuar a aplicar o seu Exame de Suficiência, que havia sido criado através de uma Resolução interna, do seu Conselho Federal (CFC). Existem outros projetos, criando esses exames, para os administradores e para os médicos, por exemplo. A justificativa é sempre a mesma, a de que é preciso defender a sociedade contra os maus profissionais, contra os incompetentes.

Em recente artigo, o jornalista Gilberto Dimenstein, da Folha de São Paulo, abordou a questão da precariedade de muitos dos cursos de medicina, que têm sido abertos nos últimos anos, e relatou a opinião do professor José Aristodemo Pinotti, favorável à criação de um exame, semelhante ao da OAB, porque ele "considera uma leviandade deixar pessoas despreparadas cuidarem da saúde dos indivíduos", e relatou, também a opinião do Dr. Giovanni Guido Cerri, contrário a esse exame, porque isso seria o mesmo que "quebrar o termômetro para combater a febre", ou seja, não eliminaria o problema, mas apenas as conseqüências. Exatamente como pretende a OAB.

O certo, para o Dr. Cerri, seria coibir o funcionamento das faculdades, ou seja, fiscalizar, efetivamente, para que os profissionais tivessem, na verdade, uma boa formação acadêmica. O que é competência exclusiva do MEC, como já foi dito.

Assim, permitir a abertura e o funcionamento de cursos médicos – e em qualquer outra área, evidentemente -, desprovidos das condições mínimas necessárias para a boa formação profissional, não se coaduna, evidentemente, com o interesse público. E, depois, os diplomas irão para o lixo, como afirma o jornalista, porque os alunos dessas instituições de ensino ficarão impedidos de exercer a sua profissão.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Exame de ordem, autonomia universitária e liberdade de exercício profissional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1073, 9 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8489. Acesso em: 22 dez. 2024.

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