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Responsabilidade civil do médico-cirurgião plástico de cirurgia embelezadora.

Obrigação de meio ou obrigação de resultado?

09/06/2006 às 00:00
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A cirurgia plástica é tida como gênero a encapar duas espécies diferenciadas pela sua finalidade: a reparadora e a estética ou embelezadora. A primeira tenciona a correção de defeitos, congênitos ou adquiridos; a embelezadora, melhorar aquilo que "[...] é motivo de insatisfação para o paciente (o chamado hipocondríaco estético) [...]". [01]

Numa análise do tratamento jurídico dispensado à cirurgia plástica embelezadora, reportando-se a Caio Mário da Silva Pereira, Ricardo Pereira Lira [02] expõe três estágios evolutivos. Num primeiro momento, vê-se a sua completa rejeição, pois nada justificava o risco de uma cirurgia não direcionada à cura de qualquer mal. Mais tarde, com a análise parcimoniosa do caso, passou-se a admiti-la. Atualmente, o procedimento conta com ampla aceitação e esta terceira etapa parece ser a mais condizente com a definição de saúde colocada, inclusive, no âmbito internacional.

Em acertada lembrança, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, quando proferia palestra no VII Radesp – Reunião Anual dos Dermatologistas do Estado de São Paulo, no dia 30 de novembro de 2002, consignou que o conceito de saúde, segundo a Organização Mundial de Saúde, encampa não só o aspecto físico, mas o psíquico, o material e o moral. [03]

Se não justificável quanto ao estado físico, como se pretendia nos primórdios de seu desenvolvimento, a cirurgia embelezadora encontra respaldo seguro nos outros três, remediando, no mínimo, um estado de descontentamento.

O grande problema colocado na doutrina e na jurisprudência é, justamente, o referente ao conteúdo da obrigação do médico responsável pelo ato cirúrgico, isto é, utilizando-se da classificação proposta pelo francês René Demogue, se se trata de obrigação de meio ou de resultado. [04] O profissional se obriga, simplesmente a prestar um serviço ou, através da prestação de um serviço, atingir um resultado previamente determinado?

A doutrina e a jurisprudência majoritárias do Brasil, ortodoxamente, sempre se pautaram interpretando a obrigação do cirurgião plástico embelezador como sendo de resultado, pois o paciente só se submeteria à intervenção se fosse para alcançar o resultado pretendido e, muitas vezes, prometido.

Todavia, o posicionamento, aparentemente assentado, vem sofrendo críticas severas, de maneira especial, no campo da doutrina.

Hildegard Taggesel Giostri, ao definir a obrigação de resultado, coloca-a como aquela que se desenvolve em áreas onde não exista o fator álea. [05] Com efeito, diante do risco de não ser possível atingir o resultado pretendido, mesmo diante dos melhores esforços do profissional, a obrigação será de meio e nunca de resultado, ainda que este seja prometido.

A plástica embelezadora está afeita aos riscos inerentes a qualquer outra forma de intervenção cirúrgica. Também nela, previamente, não se pode determinar todas as possíveis reações fisiológicas do paciente ao ato a ser realizado. O médico, como pondera o mesmo autor, não pode se ver impingido ao alcance do resultado para ver cumprida a obrigação assumida perante o paciente.

Do mesmo posicionamento compartilha o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Carlos Alberto Menezes Direito cujos argumentos são dignos de nota:

Pela própria natureza de ato cirúrgico, cientificamente igual, pouco importando a subespecialidade, a relação entre cirurgião e o paciente está subordinada a uma expectativa do melhor resultado possível, tal como em qualquer atuação terapêutica, muito embora haja possibilidade de bons ou não muito bons resultados; mesmo na ausência de imperícia, imprudência ou negligência, dependente de fatores alheios, assim, por exemplo, o próprio comportamento do paciente, a reação metabólica, ainda que cercado o ato cirúrgico de todas as cautelas possíveis, a saúde prévia do paciente, a sua vida pregressa, a sua atitude somatopsíquica em relação ao ato cirúrgico. Toda intervenção cirúrgica, qualquer que ela seja, pode apresentar resultados não esperados, mesmo na ausência de erro médico. E, ainda, há em certas técnicas conseqüências que podem ocorrer, independentemente da qualificação do profissional e da diligência, perícia e prudência com que realize o ato cirúrgico.

Anote-se, nesse passo, que a literatura médica, no âmbito da cirurgia plástica, indica, com claridade, que não é possível alcançar 100% de êxito. [06]

Como se não bastasse o comportamento fisiológico, também o psíquico pode vir a influenciar o paciente a dar por não cumprida a obrigação assumida. Como ressaltam Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Gustavo F. de Campos Mônaco [07], o ser humano é um grande descontente com seu perfil estético querendo, quando não mais, mudar a cor dos cabelos ou dos olhos, por exemplo.

A observação não passou desapercebida por Hildegard Taggesel Giostri, sendo de importância consignar suas palavras, in verbis:

[...] o trabalho daquele profissional se realiza sem seara onde o resultado final (buscado e avençado) pode ser alterado pelo fisiologismo orgânico, pelo psiquismo do próprio paciente e pela resposta individualista de cada ser, frente a um mesmo tratamento, seja clínico, seja cirúrgico, já que, tanto um quanto outro, se desenvolvem em seara povoada pelo fator álea. [08]

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Ademais, conjecturar pela imposição de uma obrigação de resultado àqueles que realizam a cirurgia embelezadora seria violar o próprio fim social da aplicação da norma previsto no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, pois o adimplemento da obrigação ficaria condicionado ao subjetivismo do paciente em aceitar como melhorada a sua aparência.

Por todos os argumentos expendidos e discordando do posicionamento defendido por Ricardo Pereira Lira, que tem na cirurgia estética um exemplo de obrigação de resultado, comungamos da orientação daqueles que a consideram um exemplo de obrigação de meio, haja vista a álea na qual se insere.


BIBLIOGRAFIA

  • DIREITO, Carlos Alberto Meneses. A responsabilidade civil em cirurgia plástica. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, v. 7, p.11-19, jan./abr. 1997.

  • GIOSTRI, Hildegard Taggesel. Algumas reflexões sobre as obrigações de meio e de resultado na avaliação da responsabilidade médica. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 5, p. 101-116, jan./mar. 2000.

  • LIRA, Ricardo Pereira. Obrigação de meios e obrigação de resultado a pretexto da responsabilidade médica. Análise dogmática. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, v. 6, p. 75-82, set./dez. 1996.

  • HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Cirurgia plástica e responsabilidade civil do médico: para uma análise jurídica da culpa do cirurgião plástico. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos: Divisão Jurídica – Instituição Toledo de Ensino de Bauru, São Paulo, n. 39, p. 506, jan./abr. 2004.

  • ______. MÔNACO, Gustavo F. de Campos. Cadernos de Direito Civil – Direito das Obrigações, São Paulo: Revista dos Tribunais, no prelo.


Notas

  1. GIOSTRI, Hildegard Taggesel. Algumas reflexões sobre as obrigações de meio e de resultado na avaliação da responsabilidade médica. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 5, p. 106, jan./mar. 2000.

  2. Obrigação de meios e obrigação de resultado a pretexto da responsabilidade médica. Análise dogmática. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, v. 6, p. 81, set./dez. 1996.

  3. Cirurgia plástica e responsabilidade civil do médico: para uma análise jurídica da culpa do cirurgião plástico. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos: Divisão Jurídica – Instituição Toledo de Ensino de Bauru, São Paulo, n. 39, p. 506, jan./abr. 2004.

  4. GIOSTRI, ibid., p. 102.

  5. Ibid., p. 107.

  6. A responsabilidade civil em cirurgia plástica. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, v. 7, p.16, jan./abr. 1997.

  7. Cadernos de Direito Civil – Direito das Obrigações, São Paulo: Revista dos Tribunais, no prelo.

  8. Algumas reflexões sobre as obrigações de meio e de resultado na avaliação da responsabilidade médica. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 5, p. 104, jan./mar. 2000.

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Sobre o autor
Elvis Donizeti Voltolin

advogado, pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) em Bauru (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VOLTOLIN, Elvis Donizeti. Responsabilidade civil do médico-cirurgião plástico de cirurgia embelezadora.: Obrigação de meio ou obrigação de resultado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1073, 9 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8493. Acesso em: 28 mar. 2024.

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