O Código de Proteção e Defesa do Consumidor completa 30 anos de sua elaboração, quando de determinação feita pela Constituição Federal de 1988, conforme se verifica no art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Assim, em resposta ao clamor da sociedade por respeito aos direitos dos consumidores de produtos e serviços, o legislador constituinte cuidou de consolidar o tema na própria Carta Magna, constitucionalizando a defesa do consumidor nos artigos 5º, XXXII e 170, V, dentre outros.
Ao analisar os trabalhos realizados para a elaboração do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, pode-se afirmar que nenhum outro processo legislativo foi tão socializado como este, como se pode ver na obra escrita, detalhadamente, pelos autores do anteprojeto, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Júnior e Zelmo Denari[1].
O trabalho foi iniciado antes da Constituição de 1988 pelo então Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, que deu ao anteprojeto do CDC ampla divulgação nacional, enviando-o às várias entidades civis para provocar debates, críticas e sugestões que auxiliaram na sua reformulação, para somente após publicá-lo novamente, em janeiro de 1989, com parecer e justificativas necessárias.
Assim que o anteprojeto foi divulgado, foi apresentado como projeto de lei pelos deputados Geraldo Alckmin, depois, Raquel Cândido, seguida de José Yunes.
Apesar da republicação do anteprojeto também ter provocado a apresentação de Projetos legislativos no Senado Federal - um pelo senador Jutahy Magalhães e outro pelo senador Ronan Tito - os trabalhos da comissão prosseguiram com vários eventos, com contribuição, inclusive, de estrangeiros, que fizeram novas revisões no anteprojeto, o qual foi entregue ao deputado Michel Temer e apresentado como projeto de lei.
Como havia muitos projetos de CDC tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado, o Congresso Nacional resolveu constituir uma comissão mista para elaborar o Projeto do Código de Defesa do Consumidor, consolidando assim os projetos legislativos já existentes.
O deputado Joaci Góes, assessorado por alguns dos autores do anteprojeto, foi o relator da citada comissão que assegurou a plena participação social.
Com algumas emendas, o projeto do CDC elaborado pela Comissão Mista foi publicado em dezembro de 1989, e aprovado pela própria comissão. Em julho de 1990, foi enviado para votação em Plenário do Congresso, convocado extraordinariamente para este fim.
Apesar de todo o empenho, antes de ser sancionado, o projeto sofreu 42 vetos presidenciais, tornando-se, posteriormente, a Lei Federal 8.078, de 11 de setembro de 1990, publicada em 12 de setembro do mesmo ano, e tendo entrado em vigor em 11 de março de 1991.
O CDC veio sanar muitos problemas que existiam e dificultavam, ou impossibilitavam, a tutela preconizada pela Constituição Federal acerca dos direitos do consumidor, pois inaugurou uma nova forma de legislar, consagrando direitos como a boa-fé objetiva, inversão do ônus da prova e responsabilidade objetiva, bem como os instrumentos processuais para propiciar a tutela coletiva, dentre outras garantias.
A apresentação dos princípios (artigo 4°) evidenciou que a proteção prevista no CDC se manifesta antes, durante e após a consecução da relação jurídica de consumo.
O caráter desta lei principiológica é de comando multidisciplinar, pois os legisladores do CDC trouxeram, de forma inovadora, não somente as previsões de âmbito civil, mas também, criminal, administrativa e processual.
Apesar da amplitude aqui destacada, esta lei de ordem social não é fechada. É o que se verifica da leitura do artigo 7°:
Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costume e equidade.
O avanço da Lei Federal 8.078/90 é notável, pois chega a admitir que outra norma prevaleça sobre ela, caso mais favorável ao consumidor.
É relevante também registrar que a Lei 8.078/90 foi concebida para permitir a proteção de inúmeros consumidores ao mesmo tempo, ampliando a proteção proporcionada pela Lei de Ação Civil Pública.
É lei principiológica de ordem pública e de interesse social (artigo 1°, do CDC), por estes motivos prevalece sobre outras leis e atos que venham a contrariá-la.
As conquistas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor são imensuráveis, principalmente quanto à estruturação da defesa do consumidor enquanto política pública, que tem como referência a criação de instrumentos (art. 5º, do CDC) que integram um sistema de defesa do consumidor institucionalizados em consonância com o pacto federativo.
Outra conquista que não pode deixar de ser mencionada é o direito à informação, que é o ponto de partida para prevenir lesões e exercer plenamente outros direitos.
Finalmente, quanto ao combate às cláusulas abusivas em contratos de consumo e regulação dos contratos de adesão, a Lei 8.078/90 representou uma revolução mundial.
Dessa forma, comemoramos o 30º aniversário do CDC, com bom ânimo, mas com os olhos voltados para o futuro, já que, apesar do caráter inovador desta norma, que comunica-se, de forma muito eficiente, com outros institutos, graças à sua metodologia que permite o diálogo de fontes, as relações entre consumidor e fornecedor sofreram e estão sofrendo profundas modificações que colocaram os atores da defesa do consumidor em um momento bastante desafiador.
Assim, atualmente, temos que, com muita cautela, é muito bem-vinda a promoção de debates políticos para a ampliação da proteção prevista no CDC, de modo a tentar acrescentar direitos tais como prevenção e combate ao superendividamento (projeto de lei 3515/15), acréscimo de dispositivos que contemplem os novos serviços e regulação do comércio eletrônico, dentre outros, para que o Código de Defesa do Consumidor continue apresentando respostas eficientes na garantia dos direitos dos consumidores brasileiros.
Referências:
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2018.
GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 11a ed., Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2017.
SILVA, Patricia Mara da. Recriação do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor; orientador José Geraldo Brito Filomeno, 2009. Monografia (Especialização em Direitos Difusos e Coletivos ) - Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Biblioteca de Direito do Consumidor v.32. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007.
[1] GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto, 11a ed., Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2017.