Da Jurisprudência brasileira atual
A despeito de sua teoria ter sido formulada e desenvolvida em meados do século XX, é inegável que continua sendo adotada até os dias de hoje. Não só no Brasil, como em diversos países, adota-se a razoabilidade como premissa das decisões proferidas, seja tácita ou expressamente apud Barletta.
Nesse sentido, vide, por exemplo, algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FUNGIBILIDADERECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL. POSSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO AOCUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CADERNETA DE POUPANÇA.CORREÇÃO DE DEPÓSITOS. PERÍODO DE INCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO GENÉRICA DEVIOLAÇÃO DE LEI. SÚMULA N. 284/STJ. COISA JULGADA.INTERPRETAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA. 1. Não há ofensa ao art.535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado por julgado, proferido em embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais.2. Incide o óbice previsto na Súmula n. 284/STF na hipótese em que a deficiência da fundamentação do recurso não permite a exata compreensão da controvérsia. 3. A interpretação lógica e razoável do julgador acerca do comando jurisdicional expedido no processo de conhecimento não constitui ofensa à coisa julgada. 4. Embargos de declaração acolhidos como agravo regimental, ao qual se provê para, conhecendo-se do agravo, conhecer parcialmente do recurso especial e negar-lhe provimento.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO. 1. Recurso especial tirado de acórdão que, na origem, fixou a competência do Juízo Civil para apreciação de ação de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, em detrimento da competência da Vara de Família existente. 2. A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas trouxe, como corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional. 3. Apesar da organização judiciária de cada Estado ser afeta ao Judiciário local, a outorga de competências privativas a determinadas Varas, impõe a submissão dessas varas às respectivas vinculações legais construídas em nível federal, sob pena de ofensa à lógica do razoável e, in casu, também agressão ao princípio da igualdade. 4.Se a prerrogativa de vara privativa é outorgada ao extratoheterossexual da população brasileira, para a solução de determinadas lides, também o será à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que tenham similar demanda. 5. Havendo vara privativa para julgamento de processos de família, esta é competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, independentemente das limitações inseridas no Código de Organização e Divisão Judiciária local 6. Recurso especial provido.
Outro exemplo - sem, contudo, trazer expressamente em sua fundamentação a menção à lógica do razoável - foi a permissão, pelo Supremo Tribunal Federal, da união estável homoafetiva, embasada no valor sócio-político-cultural do pluralismo, como o texto da própria ementa da decisão traz:
2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA.
Como se constata, nesse caso, para se fazer a justiça que a sociedade clamava, o próprio STF, para fundamentar sua decisão, se utilizou de valores presentes na sociedade e arguidos pelos indivíduos afetados pela desregulamentação da união homoafetiva. Além disso, pautou-se em princípios gerais do ordenamento jurídico brasileiro, como a liberdade de escolha, a igualdade, a intimidade e a vida privada e a preservação da dignidade humana.
O caso da desaposentação segundo Siches em face da Resolução 75 do Conselho Nacional de Justiça. Para Hans Kelsen, o autor da famosa “Teoria pura do direito”, a aplicação do direito é marcada pela indeterminação das normas. O julgador dispõe de uma margem, ora maior ora menor, para sua livre apreciação.
Tanto é assim que, no famoso capítulo oitavo de sua obra, a questão de saber qual é, dentre as possibilidades que se apresentam nos quadros do direito a aplicar, a correta não é sequer – segundo o próprio pressuposto de que se parte — uma questão de conhecimento dirigido ao direito positivo, não é um problema de teoria do direito, mas um problema de política do direito.
Saliente-se, oportunamente, que Kelsen criticou as teses que se inspiraram na doutrina de Montesquieu e defendeu a atividade interpretativa do juiz como um ato complexo em que se conjugam conhecimento e vontade, criação e aplicação da lei, isto é, pensou a norma como um marco aberto de possibilidades: o juiz conhece a multiplicidade de opções que ela lhe oferece para, então, dar conteúdo à sua sentença e cria uma solução ad hoc, na medida em que escolhe uma de tais opções.
De outro lado, Luis Recaséns Siches entendeu que, no reino da vida humana, não se pode aplicar a lógica do racional (matemática), mas outra bem diversa: a lógica do razoável. Esta não seria mais um método de interpretação a ser somado aos demais. Para o jusfilósofo, a lógica do razoável seria o único método de interpretação jurídica, eis que superaria uma multiplicidade de procedimentos hermenêuticos equivocados e confusos.
Em verdade, a lógica do razoável seria a única capaz de levar em conta critérios valorativos - axiológicos e que, portanto, se mostraria válida quando se deve compreender e interpretar, de maneira justa, o conteúdo dos dispositivos jurídicos. A fim de ilustrar sua teoria, Recaséns Siches invoca a disputa judicial entre Ida White e os herdeiros de Wesley Moore[10].
A lógica do razoável, portanto, continua permeando as decisões contemporâneas, sendo base de diversos raciocínios jurídicos, exatamente por permitir ao julgador realizar o valor da justiça, sem esquecer-se do ordenamento jurídico vigente.
Siches, por meio da lógica do razoável, propôs uma dinâmica contrária àquela então predominante, da utilização da lógica-matemática para a aplicação das normas jurídicas. No entanto, não excluiu essa lógica formal, mas a empregou para desenvolver o enquadramento da razoabilidade, tanto pelo legislador, quanto pelo julgador, na ocasião da interpretação da norma.
Sua contribuição para a Ciência do Direito foi justamente aproximá-la mais da Filosofia Jurídica, na medida em que trouxe os valores inerentes ao ser humano, especialmente aqueles relacionados à justiça, para serem aplicados pelo julgador. A necessidade de respeito ao Direito posto em conjunto a uma maior eficiência na sua aplicação exigia essa junção não apenas no plano teórico, mas também no plano prático.
Observa-se, nesse sentido, que Siches[11] partiu da premissa de que o Direito é um sistema dinâmico e que, portanto, está em constante contato com aspectos sociológicos, econômicos, psicológicos, dentre outros, da sociedade na qual se insere, para, então, concluir que a prudência e a razoabilidade devem pautar as decisões do julgador, de forma a possibilitar o alcance da justiça.
É exatamente diante desse contexto que a finalidade da norma, considerando a realidade concreta do caso e todas as suas demais peculiaridades, será, de fato, obtida. Ao julgador, será facultada a realização da justiça almejada pelo legislador quando da elaboração da regra em questão, já que, a este, não cabe abarcar todas as minúcias das situações fáticas.
Com fundamento no pensamento de Miguel Reale, em sua Teoria Tridimensional do Direito que somente se aperfeiçoa quando, de forma exata, entende-se a interdependência e correlação necessária de fato, valor e norma que compõem o fenômeno do Direito como uma estrutura social necessariamente axiológico-normativa.
Tal aperfeiçoamento denomina-se de Teoria Tridimensional Específica[12]. E, nesse sentido, Reale comenta sobre a posição de Recaséns-Siches, em sua obra Tratado General de Filosofia Del Derecho, onde resta evidente que, quando se observa a lógica do razoável, nota-se a existência da integração de fato, valor e norma, de forma que a tridimensionalidade é um aspecto mais do que característico - mas necessário - ainda mais considerando a metodologia hermenêutica que a aplica, da experiência do Direito.
A eficácia do Direito, que se observa da lei à sentença de mérito ou até ao acórdão, dotado da qualidade de coisa julgada, é, conforme ensina Miguel Reale[13] e, consequentemente, Recaséns Siches, um problema de correspondência com a própria vida, pois dará rumos a ela e importa que esses rumos sejam prudentes.
Sobre a prudência que deve observar uma decisão jurisdicional, desde sua construção interpretativa à normatização, afirmou-se, com base em Santo Tomás de Aquino[14], que ser prudente significa ver ao longe; pois o prudente é perspicaz e prevê os acontecimentos futuros.
Em verdade, a lógica do razoável propicia a aplicação de normas jurídicas de acordo com os princípios de razoabilidade, isto é, elegendo a solução mais razoável para o problema jurídico concreto, dentro de circunstâncias sociais, econômicas, culturais e políticas que envolvem a questão, sem se afastar de parâmetros legais.
Trata-se de método de interpretação das leis mais modernos e atuais, e tem repercussão em todos os sistemas jurídicos do mundo, inclusive no brasileiro.
Siches, segundo seu pensamento, entende que ao legislador cabe emitir mandamentos, proibições, permissões, mas não lhe compete o pronunciamento sobre matéria estranha à legislação e referente apenas à função jurisdicional. Quando o legislador ordena um método de interpretação, quando invade o campo hermenêutico, esses ensaios científicos colocam-se no mesmo plano das opiniões de qualquer teórico e não têm força de mando. No intuito de concluir, Siches salientou que a lógica do razoável está sempre impregnada por valorações, ou seja, critérios.
Afinal, conforme Ruy Rosado de Aguiar aduziu in litteris:
“O Juiz não só aplica a lei, pois nenhuma é completa, só a sentença o é. Julgando, o Juiz tem função criadora, vez que reconstrói o fato, pondera as circunstâncias às quais atribui relevo, escolhe a norma a aplicar e lhe estabelece a extensão. Durante esse trabalho, necessariamente faz valorações, que não são as suas valorações pessoais, mas as do ordenamento jurídico. Sendo um criador, o juiz, no entanto, está submetido à ordem jurídica, recomendando-se- lhe a renúncia no caso de desconformidade irreconciliável entre a sua consciência e a lei”.
Torna-se necessário recorrer aos princípios ou critérios que, embora não formulados explicitamente, são sim necessários, na medida em que o texto legal deva ser interpretado em função do propósito para o qual fora emitido, sempre com relação ao sentido e o alcance dos fatos particulares em relação à norma.
Algumas vezes, a decisão será estritamente legal, porém, não tão justa. Portanto, a busca pela justiça é viável e possível, sendo mesmo um dos acalantados e antigos sonhos da humanidade que jamais perecerá.
Quem decide de forma prudente, fazendo uso do poder jurisdicional, deve considerar tanto as coisas afastadas, quanto as próximas, para ajudar ou prejudicar, o que se deve fazer no presente. É evidente que o objeto considerado é um meio para um fim: a decisão deve querer harmonizar justiça e segurança, que são o fim do Direito e, só pode fazê-lo por meio do método interpretativo da lógica do razoável.