A lógica do razoável e o Judiciário contemporâneo

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09/09/2020 às 06:51
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REFERÊNCIAS:

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Obs.: Desejo homenagear expressamente alguns advogados brilhantes e importantes para mim nesse mês da advocacia: Arthur Riboo da Costa, Nehemias Domingues, Antonio Gama Junior, José Messias Sales, Denise Heuseler, Ramiro Luiz Pereira da Cruz, José Eduardo Carreira Alvim, William Rocha, Alípio Neto, Veruska Diab, Valdineia Tessaro, Adalton Pereira e Sidney Barroso. Através de vocês e de seus trabalhos a cidadania brasileira é mais respeitada e conseguimos construir uma sociedade melhor. Meu sincero muito obrigada!!!


Notas

[1] A lógica do razoável é uma forma de interpretação que procura evitar a quebra dos valores defendidos pelo Direito, isso porque objetiva o justo e o razoável, levando em consideração as características sociais, econômicas e legais do problema posto em discussão. Nessa perspectiva a aplicação do direito, deve ser consistente e afastar o resultado injusto sob pena de extrapolar o campo da lógica formal.

A lógica formal teria o poder de manter a interpretação jurídica dentro das suas possibilidades exegéticas, mas sustenta a substituição da lógica formal por outra que seria mais justa ou adequada ao caso concreto. Por isso, sustentou a "lógica do razoável", que seria outra forma de pensar a lei que não através da lógica dedutiva formal. Na defesa da lógica do razoável, demonstrou o fracasso do racional e a necessidade do razoável na interpretação do Direito. Isso porque, como a lógica tradicional não possui elementos valorativos, seria insuficiente para a aplicação do Direito, portanto, a lógica do razoável, consideraria razões diferentes a da racionalidade de tipo matemático. Esse doutrinador sustentou que há implicações generalizantes dentro da lógica da lei que não existem dentro da lógica tradicional. Nesse diapasão, o Direito, enquanto Ciência, e a Filosofia do Direito deveriam funcionar com valores universais, de modo que o magistrado buscasse mais a justiça do que a interpretação hermenêutica, de modo que a prestação jurisdicional do juiz se coadunaria com a própria intenção do legislador.

Segundo esse filósofo do direito, a razão não se exaure dentro da racionalidade, pois há outras formas de compreensão (logos); e a razoabilidade é uma delas. Portanto, a lógica do razoável está impregnada por valorações (critérios axiológicos), sendo tal propriedade valorativa totalmente estranha à lógica formal ou qualquer teoria da inferência, consistindo em uma das particularidades que diferenciam a lógica do razoável da lógica matemática. Desse modo, a lógica do razoável possibilita justificar a decisão com critérios de valor, pautas axiológicas e estimativa do alcance da sentença. Segundo Recaséns Siches, não há sentido em tratar as normas de Direito positivo desconectadas das circunstâncias em que se originaram e das situações para as quais foram destinadas.

[2] A insuficiência do positivismo jurídico, como doutrina que reduz todo Direito ao Direito Positivo, atribuindo-lhe valor intrínseco e absoluto, sem admitir nenhuma espécie de Direito Natural (ou mesmo que admita, como o faz Rousseau), ou que fundamenta o Direito Positivo em uma lei superior fora do sistema do ordenamento, culminou, com o advento dos Campos de Concentração na Segunda Guerra Mundial, na negação da humanidade a certos homens, mulheres, crianças e idosos. Acerca da introdução das vítimas nas câmaras de gás, escreve Primo Levi:1 “Alguns trilhos atravessavam toda a extensão da câmara até os fornos. Quando todos entravam na câmara de gás, as portas eram fechadas (e vedadas contra a entrada de ar) e, pelas válvulas do teto, soltava-se um preparado químico em forma de pó grosseiro, de cor cinza-azulada, contido em latas, cujo rótulo especificava ‘Zyklon B – Para a destruição de todos os parasitas animais’ e apresentava a marca de um fabricante de Hamburgo [...].

[3] Tal lógica, também chamada de lógica formal, com base racional matemática, é ultrapassada, pois não possui elementos suficientes para ser utilizada na aplicação do direito, podendo levar a absurdos. Observando-se a seguinte proposta de Gustav Radbruch, o clássico exemplo do urso na Estação Ferroviária. Em uma estação ferroviária havia um cartaz que dizia: ‘é proibida a entrada de cães’. Um homem cego não pode entrar com seu cão guia, então outro homem tentou entrar com um urso e também foi impedido. Iniciou-se um conflito, pois o homem que vinha com o urso afirmava que a restrição não se aplicava a ele, já o cego dizia que era um absurdo não poder entrar com seu cão. Caso aplicássemos a lógica tradicional para o exemplo exposto, o homem com o urso teria sua entrada franqueada, ao passo que o senhor cego seria impedido de ingressar na estação. Notem que esse disparate nos convida a uma superação, em alguns casos, da lógica formal para uma lógica do razoável, justamente a proposta do referido filósofo.

[4] José Ortega y Gasset (1883-1955) foi ensaística, jornalista e ativista política, fundador da Escola de Madrid. É considerado o maior filósofo espanhol do século XX. E, foi um dos primeiros a tratar do problema da historicidade fora dos padrões do evolucionismo, do marxismo ou do positivismo. Foi igualmente um dos pioneiros em valorizar a importância de conceitos em matérias de história e a estender à filosofia as conclusões de Einstein, além de afirmar a necessidade de uma historicidade como modo de suplantar o esgotamento da metafísica e do idealismo.  De acordo com Ortega, a realidade está em nossa vivência histórica. Autor da frase, ”eu sou eu e minha circunstância”, para ele viver não se trata de termos uma consciência intencional, aos moldes fenomenológico, mas sim a maneira como lidamos com a circunstância da qual não nos separamos: “A vida não é recepção do que se passa fora, antes pelo contrário, consiste em pura atuação, viver é interior, portanto, um processo de dentro para fora, em que invadimos o contorno com atos, obras, costumes, maneiras, produções segundo estilo originário que está previsto em nossa sensibilidade.

[5] Giorgio Del Vecchio (1878-1970) foi importante filósofo jurídico italiano do início do século XX e, influenciou as teorias de Norberto Bobbio. Professor da Universidade de Roma de 1920 a 1953, foi reitor da mesma Universidade de 1925 a 1927. Inicialmente, ingressou no fascismo, mas isso não o impediu de perder sua cadeira na universidade em 1938, seguindo as leis raciais fascistas; em 1944, ele perderia a cadeira novamente devido a sua participação no regime. Restabelecido no ensino, no segundo período do pós-guerra, o filósofo colaborou com o Secolo d'Italia e com a revista Pagine Libere (a publicação dirigida por Vito Panunzio). Junto com Nino Tripodi, Gioacchino Volpe, Alberto Asquini, Roberto Cantalupo, Ernesto De Marzio e Emilio Betti fez parte do promotor do 'Comité Inspe, a instituição educacional que, em cinquenta anos e sessenta, opôs-se à cultura de inspiração marxista, promover conferências e publicações internacionais. Entre os maiores intérpretes do neokantantismo italiano, Giorgio Del Vecchio, como seus colegas alemães, criticou o positivismo filosófico, afirmando que o conceito de direito não poderia ser derivado da observação de fenômenos jurídicos. Nesse sentido, ele entrou na disputa entre filosofia, teoria geral e a sociologia do direito que estava em fúria na Alemanha, redefinindo a filosofia do direito. Em particular, ele atribuiu a ela três tarefas: uma tarefa lógica que consistiria na elaboração do conceito de direito; uma tarefa fenomenológica, consistindo no estudo do direito como um fenômeno social; uma tarefa deontológica, que consiste em "buscar e avaliar a justiça, isto é, o direito como deveria ser".

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[6] A teoria pura do direito é o ápice do desenvolvimento do positivismo jurídico. Para essa doutrina, o conhecimento é restrito aos fatos e às leis que os regem, isto é, nada de apelar para a metafísica, a razão ou à religião. Em sua vida dedicada à ciência, Hans Kelsen compôs uma obra gigantesca que até hoje inspira estudiosos do Direito. Consagrado como o maior jurista do século XX, Hans Kelsen desenvolveu trabalhos sobre diversos temas jurídicos, tais como justiça, assunto abordado nas obras O que é justiça e O problema da justiça; o fenômeno democrático, que é tratado em A democracia[5]; teoria do Direito e do Estado, que é objeto das obras Teoria geral do Direito e do Estado[6] e Teoria pura do direito.

[7] Lógica tradicional ou aristotélica é caracterizada pelo estudo de conceitos, juízos e raciocínios baseando-se na existência de conclusões que obedecem a princípios, atestando a validade de premissas que devem ser verdadeiras. As investigações de Aristóteles acerca da lógica fizeram-no descobrir que todo o conhecimento válido emitido por enunciados deve respeitar três princípios básicos. São eles: Princípio da identidade: é o que enuncia as identidades dos seres e das coisas. Por meio do verbo ser, o princípio diz o que certa coisa é. Como exemplo, podemos dizer “A é A”. O verbo ser conjugado na primeira pessoa do singular, destacado em vermelho, é o elemento que denota a identidade do objeto. Para pegar um exemplo mais palpável, podemos dizer “isto é um texto”, indicando que a identidade desse objeto a que nos referimos é a categoria “texto”. Princípio da não-contradição: este princípio elementar diz que a identidade de algo não pode ser ela mesma e não ser ela ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. A sua formulação pode ser pensada da seguinte maneira: não é possível que algo seja e não seja aquilo que é, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. É impossível que isto seja um texto e não seja um texto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Princípio do terceiro excluído: algo é ou não é e não há terceira possibilidade. Pensando com base na identidade e na não contradição, podemos afirmar que isto é um texto ou não é um texto, não havendo outra possibilidade. Se isto for um automóvel, por exemplo, deixa de ser um texto, encaixando-se na segunda possibilidade.

[8] A doutrina tem dito que equidade pode menosprezar o direito positivo, sendo possível decidir contra legem. Parte da doutrina remete o conceito a Recaséns Siches: a equidade seria superior ao justo legal porque expressão do justo natural, ou seja, seria o justo, mas não o justo legal tal e como se desprenderia das palavras da lei, senão o autenticamente justo em relação ao caso concreto. O juiz então poderia decidir segundo seu prudente arbítrio quando ele próprio entendesse inaceitável a aplicação do texto legal, isto é, quando considerar que o resultado daí advindo seja disparatado. Haja paciência para esses conceitos em pleno Estado Democrático de Direito.

Existem outras posições “mais avançadas”, que dizem que a equidade seria um recurso às insuficiências da legislação, utilizável no suprimento de lacunas normativas, ou mesmo para aclarar enunciados abertos. Outras posições dizem respeito à equidade como a propriedade dos enunciados legais abstratos de se adaptarem, segundo certos critérios, às circunstâncias ou exigências fáticas do caso concreto. Algo inerente ao mecanismo de interpretação jurídica, que sempre impeliria o intérprete a adotar exegeses razoáveis, afinadas com o bom senso e toleradas, sem repugnância, pela razão humana. Nessa ótica, não se tem propriamente decisão por equidade e sim decisão proferida segundo a equidade. O julgador estaria obstado de arredar-se do direito positivo, tampouco poderia corrigir ou retificar a lei, pois seus propósitos, ainda que nobres, não seriam suficientes para autorizá-lo, a partir de seu próprio voluntarismo, a amoldar o resultado de suas decisões a sua própria ideia de justiça. Esta última posição parece um pouco melhor, embora não se saiba o que seriam as tais exegeses razoáveis.

 In: STRECK, L.L.; DELFINO, Lúcio. Novo CPC e decisão por equidade a canibalização do Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-dez-29/cpc-decisao-equidade-canabalizacao-direito   Acesso 21.08.2020).

[9] As legislações brasileiras em algum momento já albergaram (e algumas ainda albergam) exemplos de todos esses significados, fazendo a equidade variar de sentido a depender do contexto em que está inserida. Alguns exemplos: i) tanto o CPC-1973 (artigos 127 e 1.109), como a Lei de Arbitragem (artigo 2º), são legislações que autorizam decisões proferidas contra legem; ii) o uso do equitativo como forma de clarificar enunciados legais elásticos está bem representado pelo artigo 1.694, § 1º, do Código Civil; iii) o artigo 113, inciso 37, da Constituição de 1934 foi um permissivo legal elaborado para a superação de lacunas legislativas via equidade; e iv) elucida a equidade, como mecanismo de interpretação jurídica, aquilo que preceitua o Decreto Federal 24.150/1934 (Lei de Luvas), em seu artigo 73.

[10] Havia na cidade de Nova York, um próspero empresário Wesley Moore, que empregava como estenógrafa a seu serviço uma jovem chamada Ida White, sobrinha de sua esposa. O trabalho de Ida White se mostrou tão eficiente que esta fora imediatamente promovida a secretária particular do Sr. Moore; e, pouco tempo depois, Sra. White, de fato passou a dividir as principais responsabilidades não só na gestão das empresas de seu patrão, mas também, na administração de seu patrimônio privado, conquistando a administração, o respeito e a estima de todos, dentro e fora do círculo familiar e da esfera de negócios em que atuava. A sra. White conhecia todos os meandros dos negócios do Sr. Moore, com exceção de um: o conteúdo das disposições do testamento que seu chefe havia feito. Assim, ela desconhecia que o Sr. Moore em seu testamento havia instituído em seu favor um legado de todas as ações que possuía na Cia. da Luz, que dirigia e na qual tinha uma parte principal. Como resultado da profunda tristeza de Wesley Moore pelo misterioso desaparecimento de sua esposa, ele começou a mostrar sinais de séria doença mental. Pouco depois, a doença mental do Sr. Moore tornou-se severamente tão grave que foi necessário interná-lo em um manicômio e proceder à sua incapacitação pelos devidos procedimentos judiciais e, consequentemente à nomeação de um tutor. O conselho de família decidiu por unanimidade que a nomeação deveria ser feita à sra. White que era competente em alto grau perfeitamente conhecedora de todos os assuntos do Sr. Moore, e uma pessoa que inspirava plena confiança em todos os envolvidos em tais assuntos.

Depois de algum tempo, ocorrera a tremenda crise econômica de 1929 com a depressão que se espalhou por todo os EUA. A maior parte dos investimentos de Moore parou de pagar dividendos, e como resultado deu-se desemprego geral, e a falência de inúmeros grandes propriedades. Moore tinha hipotecas que deixaram de ser pagas, e as leis de emergência garantiram uma moratória. Assim, a rende de Moore fora diminuindo rapidamente. A sra. White atuou como guardiã e desejando cortas despesas como a manutenção da suntuosa residência dos Moores, o que encontrou resistência e oposição por parte dos familiares de Moore, que temiam qualquer sinal externo de fraqueza econômica, além de ferir seu próprio orgulho. Então Ida White, em acordo com a família Moore, decidiu que era necessário vender algumas ações para continuar com o mesmo estilo de vida. As únicas ações que puderam ser vendidas sem prejuízo foram as da Company of Light. Essas ações poderiam ser vendidas não apenas sem prejuízo, mas com uma vantagem, porque outro grupo financeiro estava ansioso para adquiri-las. Ida White administrou esta venda com habilidade superlativa, que foi feita em condições muito favoráveis, justamente pelo preço mais alto que ela havia estabelecido: $ 220.000. Em pouco tempo, após a crise os negócios de Moore estavam prosperando novamente. eis meses depois, Wesley Moore morreu. Foi então aberto seu testamento, o qual continha uma cláusula pela qual o testador instituía um legado de todas as suas ações da Company of Light em favor de Ida White. A riqueza remanescente era muito grande, justamente como resultado da administração inteligente de Ida White, que havia conseguido compensar com o excesso nos últimos meses os prejuízos sofridos anteriormente. O saldo ativo da propriedade relíquia atingiu a soma limpa de 1.000.000,00 dólares, grande parte em dinheiro. Deve-se notar que dos $ 220.000, que haviam sido obtidos com a venda das ações da Electricity Company, Ida White, em sua função de tutora, havia gasto apenas $ 20.000 para o cuidado da residência da família, e havia depositado o resto em um banco. Ida White, pensando razoavelmente, presumiu, quando soube do legado instituído em seu favor, que da propriedade remanescente ela receberia o preço pelo qual as ações que haviam sido legadas a ela haviam sido vendidas, ou seja, a soma de $ 220.000. Mas o executor do espólio de Moore o deixou saber que o legado instituído em seu favor era o que por lei é chamado de legado de “coisa determinada”; e que de acordo com a Lei do Estado de NY, seguindo nesta tradição do Direito Romano - o legado de uma determinada coisa era considerado nulo, quando em sua individualidade singular havia desaparecido do patrimônio relict, antes da morte do testador. O legado em favor de Ida White não foi um legado de uma certa quantia de dinheiro, mas foi um legado precisamente de certas ações, que não apareceu mais no patrimônio do falecido quando este morreu.

Os herdeiros do Sr. Moore, assessorados por seus advogados, consideravam que Ida White não tinha direito ao legado, visto que se tratava de uma coisa específica, e essa coisa não existia mais quando o testador morria, era automaticamente nula, ou em vez disso, inexistente. E, portanto, ele entrou com um processo.

[11] Siches escreveu a “Nova Filosofia da Interpretação do Direito” sob o impacto da crise vivida pelo direito nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, e que deu origem ao que podemos chamar agora de pós-positivismo. Entendemos como pós-positivismo o pensamento jusfilosófico que enfrenta mais de perto as insuficiências do modelo lógico-formal para o tratamento das questões jurídicas. Recaséns Siches cogita sobre crise, baseando-se no fato de que os valores da sociedade de sua época não correspondiam mais aos valores consagrados anteriormente. A certeza e a objetividade trazidas pelo cientificismo e pelo formalismo não se adequavam mais ao clamor da verdadeira justiça, encontrada na sociedade. Caem os sistemas formais e a filosofia do direito tem que dar conta de uma nova fundamentação e método que então se impunham”.

[12] Por sua vez a teoria específica, entende que o Direito só pode ser visto pelos três fatores em conjunto, sem divisões. Segundo esta posição, “o Direito é sempre tridimensional, quer o estudo seja sociológico, filosófico ou científico positivo”. Ocorre que a Teoria Tridimensional Específica pode ser ainda estática ou dinâmica (concreta). A primeira percepção, chamada de estática por Reale, é representada principalmente pelo pensador W. Sauel. Este, “[…] apresenta um caráter mais estático ou descritivo” do que é o direito. “Não nos explica, com efeito, como é que os três elementos se integram em unidade, nem qual o sentido de sua interdependência no todo. Falta a seu trialismo, talvez em virtude de uma referibilidade fragmentada ao mundo infinito das ‘mônadas de valor’, falta-lhe o senso de desenvolvimento integrante que a experiência jurídica reclama”. A segunda corrente, chamada por vezes de dinâmica, concreta ou dialética, “resulta de uma apreciação inicial da correlação existente entre fato, valor e norma no interior de um processo de integração, de modo a abranger, em unidade viva, os problemas do fundamento, da vigência e da eficácia do Direito.” .

[13] Interessante anotar que, ao determinar a realidade específica do Direito, Recaséns Siches chegou a conclusões coincidentes com as da Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale. Em síntese, o pensamento de Recaséns Siches, que tem como ponto de partida a vida humana, conduz à caracterização do Estado e do Direito como meros instrumentos a serviço do indivíduo, ao tempo em que a consciência humana passa a se apresentar como o ponto central de todas as outras realidades. Nesse contexto, o papel da Ciência do Direito passa a ser o de “estudar a norma jurídica considerada em sua historicidade, como um momento da vida coletiva, ligado às circunstâncias e dentro da perspectiva por elas formada”. (In: DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do Direito. 19.ed. São Paulo: Saraiva,2008).

[14] Tomás definiu a prudência como razão reta do agir (recta ratio agibilium), ela é própria da razão prática (S.theol. IIª-IIª, q.47, a.2). É próprio do homem prudente a capacidade de deliberar bem em vista de certo fim. Na questão 47 da IIª-IIª, Tomás fala da prudência em si ao longo de dezesseis artigos. Todavia, por ora, vamos pôr em relevo apenas alguns artigos para compreendermos em que consiste essa virtude. (In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2001-2006.)

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Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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