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O direito dos servidores públicos à indenização pelos danos materiais decorrentes da mora na realização da revisão geral das remunerações

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21/06/2006 às 00:00
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III. Conclusão

            De todo o exposto, percebe-se que a norma constitucional estatuída no art. 37, inc. X, com as alterações introduzidas pela EC 19/98, foi desrespeitada pela mora do poder público em dar cumprimento a seu comando normativo, especialmente o Chefe do Executivo, a quem compete a iniciativa da lei que realizaria o comando constitucional. Tal mora, de tão inequívoca, inclusive, já foi reconhecida pela mais alta Corte do país, em votação unânime entre os ministros do Pretório Excelso.

            Por outro lado, não se negue a grande corrosão nos valores das remunerações dos servidores públicos, pela ausência da revisão geral anual, por longo lapso temporal, a despeito permanência do fenômeno inflacionário (se mais mitigado que no passado, ainda assim não pode ser desconsiderado, quando temos em conta um período de mais de três anos).Pode-se mesmo perceber que a necessidade da realização de uma revisão geral da remuneração, estabelecida com periodicidade anual pela constituição, é um mecanismo de concretização da irredutibilidade remuneratória e, de resto, de preservação da dignidade da pessoa humana por trás de cada servidor e agente político destinatário da proteção constitucional.

            Nessa perspectiva, induvidoso, pois, que o Chefe do Poder Executivo incorreu em mora legislativa, após o decurso de 12 meses desde a edição da EC nº 19, de 04 de junho de 1998, ou seja, deveria ter encaminhado à Câmara dos Deputados projeto de lei, já em junho de 1999, objetivando a revisão geral da remuneração dos servidores, relativa a esse primeiro anos; bem como consecutivamente, em relação a cada interstício de 12 meses seguintes.

            Assim, nos parece inegável a mora, inclusive já reconhecida à unanimidade pelos Srs ministros do STF, sendo evidente a ocorrência de danos materiais, pelos prejuízos econômicos inequívocos experimentados por cada servidor e agente político, em suas remunerações e subsídios, defasadas, ano a ano, em desrespeito ao próprio principio da irredutibilidade.

            Uma vez reconhecida a mora, e percebidos os danos materiais aqui identificados (o que se pode realizar tomando por base qualquer dos índices oficiais de inflação em cada período, notadamente o INPC, que mede variação dos custos de produtos de consumo típicos de classe média) estabelecido está o nexo de causalidade entre a omissão, juridicamente relevante, e os danos que dela decorreram. Portanto, surge, inexoravelmente, o dever de indenizar.

            Não há, nesse cenário, qualquer espaço para invocação da Súmula 339 do STF, uma vez que não se requer ao judiciário determinação de reajuste vencimental, mas, reconhecimento da relevância jurídica que têm a conduta do Chefe do Executivo em descumprir mandamento constitucional, bem como, a indenização pelos danos que decorreram, de forma direta e inafastável, desssa omissão. Aliás, a questão assume, nesse particular, natureza infraconstitucional, eis que versa sobre responsabilidade civil do Estado, por conduta omissiva e danosa de seus agentes.

            Negar aos servidores, sob qualquer pretexto, o direito à indenização por esses danos, implicaria, além de negativa de vigência a dispositivo da Constituição Federal, esvaziamento completo da eficácia da decisão do STF em ADI por omissão, desconsideração dos efeitos da mora em que permaneceu o poder público, como se a mora fosse fenômeno juridicamente irrelevante, além de desrespeito ao princípio que veda o enriquecimento sem causa do Estado, que decorreria do pagamento de remuneração com poder aquisitivo defasado, corroído pela inflação e ausência de correção.


Referências

            BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal Anotada. 4. ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2002.

            CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra : Livraria Almedina, 1998.

            GOMES, Orlando. Obrigações. 5. ed. Rio : Forense, 1985.

            GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

            HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Fabris, 1981.

            LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. 3. ed. Rio: Liber Juris, 1995.

            MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Revista de Direito Público, n. 57/58, jan./jul. 1981.

            SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

            ————. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1997.

            TEIXEIRA, Sávio de Figueiredo e outros. As garantias do cidadão na Justiça. São Paulo : Saraiva, 1993.


Notas

            01

CF, art 39, § 4º: " O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI."

            02

Isso porque o Art 1º da Lei nº 10.331/2001, lei específica que regulamenta a norma constitucional em questão, art. 37, X da CF, os inclui, expressamente, entre os destinatários da revisão geral: "Art. 1º As remunerações e os subsídios dos servidores públicos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais, serão revistos, na forma do inciso X do art. 37 da Constituição, no mês de janeiro, sem distinção de índices, extensivos aos proventos da inatividade e às pensões."
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Sobre o autor
Martsung F.C.R. Alencar

mestre em Direito pela UFPB, professor de direito na graduação (Unipê e Iesp) e pós-gradução (Fesmip e UFCG), advogado em João Pessoa (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALENCAR, Martsung F.C.R.. O direito dos servidores públicos à indenização pelos danos materiais decorrentes da mora na realização da revisão geral das remunerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1085, 21 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8545. Acesso em: 5 mai. 2024.

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