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Breve análise das sentenças civis ineficazes "ope legis"

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Há decisões judiciais que não produzem efeitos, logo no início de sua existência, ou posteriormente, por conta de alguma nova circunstância, simplesmente porque o legislador assim determinou.

1. INTRODUÇÃO

            A sentença é o ato mais importante do processo porque é por meio dela que, de maneira definitiva, é prestada a tutela jurisdicional.

            Dessa primeira afirmação cumpre destacar, desde já, o aspecto mais importante para o presente estudo, consistente na estabilidade da tutela jurisdicional, sem a qual não haveria segurança jurídica e, em conseqüência, também não haveria paz social completa.

            Essa é a utilidade da coisa julgada e, por conta dessa importante missão, naturalmente se presume que toda e qualquer sentença é conforme a lei [1] ou, em outras palavras, não deve persistir nenhum estado de incerteza após o trânsito em julgado da sentença, principalmente sobre a justiça ou legalidade da decisão, caso contrário a função jurisdicional não terá atingido por completo seu objetivo de conferir segurança às relações jurídicas.

            A maior prova da existência dessa presunção, no sistema processual brasileiro, está nas reduzidas hipóteses em que é possível alterar aquilo que foi decidido, após o esgotamento das vias recursais.

            Somente por meio da interposição da chamada "ação rescisória", nos casos taxativamente previstos no art. 485 do Código de Processo Civil (CPC) [2], é que pode ocorrer alguma alteração das decisões judiciais transitadas em julgado.

            O CPC brasileiro de 1939 já previa a possibilidade de interposição de ação rescisória nas hipóteses mencionadas em seu art. 798, I, as quais podem ser resumidas da seguinte forma: a) impedimento ou "peita" do Juiz, ou incompetência ratione materiae dele; b) ofensa à coisa julgada; c) violação de literal disposição de lei.

            Além dessas hipóteses, a lei processual permitia ainda a rescisão da sentença quando o seu principal fundamento fosse uma prova declarada falsa na esfera criminal ou na própria ação rescisória (art. 798, II), isso porque o art. 800 do CPC/39 proclamava, solenemente, que a injustiça da sentença ou a má apreciação da prova, ou mesmo a errônea interpretação do contrato, não autorizavam a interposição da ação rescisória. [3]

            Mesmo não existindo regra semelhante no CPC atual, é correto dizer que a afirmação contida no art. 800 do diploma anterior, supramencionada, permanece válida. Dessa maneira, no sistema atual, não se pode cogitar de alteração das decisões judiciais definitivas fora das hipóteses taxativamente previstas em lei e, conforme foi visto, essa restrição decorre da preocupação com a estabilidade das decisões judiciais, inclusive daquelas injustas ou que resultaram de uma incorreta avaliação das provas.

            Nos últimos anos, todavia, a importância da estabilidade das decisões judiciais foi sensivelmente mitigada, isso porque o sistema previsto no CPC revelou-se inepto para apresentar uma resposta satisfatória aos casos de flagrante injustiça, em que simplesmente não seria possível a interposição de uma ação rescisória e, ao mesmo tempo, também não seria tolerável a impossibilidade de revisão da decisão.

            Assim, em prol da justiça das decisões, o rigor da coisa julgada foi relativizado para admitir, por exemplo, nova demanda de investigação de paternidade, ante a ausência de exame de DNA na primeira demanda [4], ou nova avaliação de um imóvel desapropriado, ante o evidente excesso no valor da avaliação feita por perito. [5]

            Segundo ensina CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, a coisa julgada é uma garantia constitucional que precisa conviver com outras garantias as quais também estão previstas na Constituição, dentre elas a da "justiça das decisões judiciárias" [6].

            Essa fortíssima corrente jurisprudencial e doutrinária [7] colocou em xeque a segurança jurídica das decisões ao permitir, mesmo fora das hipóteses previstas em lei para interposição de ação rescisória, a possibilidade de revisão das decisões judiciais transitadas em julgado, por qualquer caminho processual idôneo [8], inclusive com a simples desconsideração daquilo que foi decidido. [9]

            Em resumo, é correta a afirmação de que as decisões judiciais transitadas em julgado podem ser revistas por meio da ação rescisória e, de uma maneira geral, segundo a moderna teoria da relativização da coisa julgada, quando importarem em flagrante injustiça, mediante a simples desconsideração dos efeitos da decisão relacionada com essa injustiça.

            Há, todavia, uma determinada categoria de decisões judiciais que não produzem efeitos, logo no início de sua existência, ou posteriormente, por conta de alguma nova circunstância, simplesmente porque o legislador assim determinou. Trata-se das sentenças civis ineficazes por força de lei (ope legis), as quais ainda não mereceram um tratamento sistematizado por parte da doutrina.

            Como essas decisões sequer produzem efeitos, não se pode cogitar da imutabilidade delas e, muito menos, da necessidade de interposição de ação rescisória ou, ainda, de qualquer esforço para "desconsideração" da coisa julgada.

            Aliás, lembrando a célebre lição de ENRICO TULLIO LIEBMAN [10], convém deixar claro que a coisa julgada não é um efeito da sentença, mas sim uma qualidade que a lei agrega aos efeitos os quais a sentença produz, para torná-los imutáveis ao longo do tempo e, assim, propiciar a estabilidade das decisões.

            Logicamente, quando não há efeito algum, não se pode falar em imutabilidade da decisão e, nesse ponto, as hipóteses de ineficácia das decisões judiciais, previstas pelo legislador, merecem algumas considerações, principalmente num momento em que se discute com tanta ênfase a desconsideração dos efeitos das decisões judiciais.

            Não se pode deixar de lado a análise das situações em que o próprio legislador tratou de evitar que a sentença produza efeitos porque, no mínimo, essa análise permitirá uma visão mais ampla do papel desempenhado pelos efeitos da sentença no sistema, permitindo, quem sabe, uma melhor sistematização desse fenômeno no futuro, ante a comparação entre as hipóteses legais em que as decisões judiciais não produzem efeitos e as hipóteses em que a doutrina e a jurisprudência rejeitam os efeitos produzidos, simplesmente desconsiderando-os.

            Não serão, portanto, analisadas no presente estudo as hipóteses de desconsideração da coisa julgada ou as hipóteses de cabimento da ação rescisória, nem mesmo as complexas discussões que envolvem o problema da chamada "sentença inexistente" [11], mas apenas os casos em que a própria lei não permite que as decisões judiciais produzam efeitos.

            As situações em que, por força de lei, as decisões judiciais não produzem efeitos serão abordadas a seguir, sem a pretensão de esgotar todas as possibilidades.


2. HIPÓTESES LEGAIS DE INEFICÁCIA DAS SENTENÇAS

            2.1. Formação incompleta do litisconsórcio necessário

            Nos termos da regra prevista no art. 46 do CPC, duas ou mais pessoas podem litigar no mesmo processo quando, por exemplo, suas pretensões forem conexas. Nesse caso, estamos diante do chamado "litisconsórcio facultativo", pois a formação, ou não, de um litisconsórcio pode ser livremente decidida pelo autor da ação.

            Em outras situações, todavia, a lei exige a presença de duas ou mais pessoas no processo, por conta do chamado "litisconsórcio necessário", previsto no art. 47 do CPC, dispositivo esse que encerra também, apesar da redação defeituosa que lhe foi atribuída, o chamado "litisconsórcio unitário", decorrente da incindibilidade da relação jurídica de Direito Material afirmada na petição inicial.

            Nesse último caso, embora a lei não seja expressa nesse sentido, exige-se a presença de duas ou mais pessoas no processo porque a relação jurídica de Direito Material não comporta tratamento diferenciado entre seus titulares, como ocorre no clássico exemplo da ação de anulação de casamento, em que os cônjuges precisam estar, em conjunto, no pólo passivo.

            Da mesma forma, também não é possível, por exemplo, a anulação de um contrato sem a presença de todos os contratantes, isso porque o contrato não pode ser válido para alguns deles e inválido para os outros, ao mesmo tempo. [12]

            Pois bem, caso algum dos litisconsortes não esteja presente, nas hipóteses supramencionadas, e o processo prossiga assim mesmo, então, conforme dispõe a última parte da regra prevista no art. 47 do CPC, a sentença não produzirá efeitos ou, como prefere a doutrina, terá sido dada inutilmente (inutiliter datur), daí resultando a "plena liberdade para a propositura e julgamento de nova demanda com o mesmo objeto" [13].

            Considerando que a sentença não pode prejudicar ou beneficiar, diretamente, aqueles que não fizeram parte do processo, é evidente que os integrantes da relação de Direito Material que não participaram do processo não podem ser atingidos pelos efeitos da decisão judicial e, entre permitir a produção de efeitos parciais e eventualmente perigosos ou não produzir efeito algum, optou o legislador por essa segunda solução, mais técnica e segura, consistente na vedação de que a sentença produza efeitos em situações assim.

            Basta, nesse caso, que a sentença seja desconsiderada, em qualquer momento e a qualquer tempo, porque faltaria interesse de agir ao autor da ação rescisória que desejasse rescindir um ato jurídico que jamais produziu, ou produzirá, efeitos. [14]

            2.2. Ausência ou nulidade da citação no processo de conhecimento que correu à revelia do réu

            Outra hipótese legal de ausência de efeitos de uma decisão judicial está prevista no art. 741, I, do CPC. Nesse caso, se a citação foi nula ou inválida e o réu não compareceu para se defender (art. 214, § 1.º, do mesmo diploma legal), então esse réu não pode sofrer os efeitos decorrentes da sentença.

            Trata-se da conhecida querela nullitatis insanabilis, originária do "diritto intermedio" italiano [15], que tanto pode ser exercida por meio de embargos à execução, incidentalmente portanto, quanto de maneira autônoma, mediante a propositura de uma ação declaratória.

            Nesse caso, conforme ensina GIUSEPPE CHIOVENDA [16], o processo existe apenas entre o autor e o Estado, mas não existe em relação ao réu.

            Por esse motivo entende-se que a ação mencionada tem caráter meramente declaratório ou, em outras palavras, está destinada apenas a declarar que a sentença proferida no processo no qual a citação foi inválida ou inexistente nunca produziu qualquer efeito em relação ao réu. [17]

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            Não se trata de uma sentença inválida, que estaria sujeita a ser rescindida, mas sim de uma sentença que nunca produziu efeitos em relação ao réu, simplesmente porque, ante a ausência de citação desse, não houve obediência ao contraditório e, tampouco, chance de ampla defesa, razões mais do que suficientes para o sistema entender que a sentença não pode produzir efeitos em relação ao réu. [18]

            2.3. Inexigibilidade de decisão judicial fundada em lei (ou ato normativo) declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou cuja aplicação ou interpretação foi tida por incompatível com a Constituição da República

            Nos termos da regra prevista no art. 741, par. ún., do CPC, quando o STF, aparentemente apenas em regime de "controle concentrado" de constitucionalidade, nas ações diretas destinadas a esse fim, declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou sua interpretação "conforme", proferirá uma decisão que, a despeito da garantia da coisa julgada, atingirá reflexamente todas as decisões judiciais proferidas em demandas individuais ou coletivas que tenham por fundamento a lei (ou ato normativo) considerada inconstitucional, mesmo que tenha ocorrido o trânsito em julgado material dessas decisões.

            Essa regra guarda relação com aquela prevista no art. 27 da Lei n. 9.868/99, segundo a qual o STF poderá, ao reconhecer uma inconstitucionalidade, tendo em vista razões excepcionais, restringir os efeitos desse reconhecimento ou decidir que a inconstitucionalidade só tenha eficácia a partir de um determinado momento [19], não sendo difícil imaginar que essa "dimensão temporal" a ser fixada acabe atingindo decisões judiciais proferidas no passado.

            Há controvérsias a respeito da constitucionalidade das regras supramencionadas, mas os fundamentos políticos e jurídicos dessas controvérsias não fazem parte dos propósitos do presente trabalho, os quais estão destinados apenas a traçar um panorama das hipóteses em que a própria lei determina a ineficácia dos efeitos da sentença.

            Assim, cumpre apenas destacar que, na hipótese prevista no parágrafo único do art. 741, supramencionada, os efeitos da sentença, mesmo após o trânsito em julgado material dessa, poderão ser alterados e, ao menos quando a lei inconstitucional for o único fundamento da sentença, completamente eliminados do sistema (rectius: tornados ineficazes). [20]

            2.4. Decisões proferidas no âmbito do Juizado Especial Cível

            Criado pela Lei n. 9.099/95 para resolver litígios de pouca complexidade, o Juizado Especial Cível está limitado às causas que não excedam 40 salários mínimos [21] (art. 3.º, I, da lei mencionada), mesmo porque, se o autor iniciar uma demanda de valor superior a esse limite, a lei considera que houve automática renúncia ao excedente (art. 3.º, § 3.º, do mesmo diploma legal). O rigor imposto pelo legislador, porém, foi além dessa drástica penalidade.

            Nos termos do disposto no art. 39 da lei supramencionada, é ineficaz a sentença condenatória, apenas naquilo que exceder a alçada de 40 salários mínimos. Assim, por exemplo, se o Juiz resolver condenar o réu em valor correspondente a 100 salários mínimos, no que diz respeito ao valor excedente (60 salários mínimos), a sentença é simplesmente ineficaz, tanto que o credor não tem título algum para cobrar esse excedente, dada a ineficácia da sentença nesse "capítulo". [22]

            Esse é um critério que leva em consideração apenas o valor a ser fixado na sentença, mas, conforme ensina CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO [23], também pode ocorrer que a sentença trate de um assunto o qual não é da competência do Juizado (critério qualitativo), como uma ação de alimentos ou, então, uma ação de interesse da Fazenda Pública. Nesse caso, pelos mesmos motivos, a sentença também não pode ser eficaz, não porque ultrapassou o valor máximo, mas porque tratou de assunto que não estava incluído na sua competência.

            Não custa lembrar que as hipóteses de incompetência do Juízo, no Juizado Especial Cível, são tratadas de maneira peculiar, principalmente porque não acarretam a remessa dos autos ao Juízo competente, como normalmente ocorre no procedimento comum (sumário ou ordinário), mas sim a extinção do processo que estava em curso no Juizado Especial, conforme dispõe o art. 51 da Lei n. 9.099/95, em seus incs. II e III.

            Além disso, não se admite a interposição de ação rescisória das decisões proferidas no âmbito do Juizado Especial Cível e, assim, entender que as decisões proferidas em causas que não são da competência desse Juizado podem subsistir significa, paradoxalmente, entender que o critério de fixação da competência pelo valor é mais importante do que o critério qualitativo, isso porque não haveria remédio, em tese, apto a corrigir um julgamento que versasse sobre uma matéria não incluída na competência do Juizado.

            Na verdade, quando o legislador disse que a sentença é ineficaz naquilo que exceder a alçada prevista na Lei n. 9.099/95, ele estava se referindo tanto à competência em razão do valor quanto à competência em razão da matéria, mesmo porque, como se sabe, é da tradição do processo considerar essa última de ordem pública e a outra, de caráter estritamente particular, de maneira que não faria sentido algum a inversão desses valores sem nenhuma justificativa plausível.

            Por último, convém deixar claro que a limitação de valor prevista na lei dos Juizados Especiais leva em consideração apenas o valor do pedido no momento da propositura da demanda, sem que tenham influência, como corretamente entende CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO [24], as elevações ulteriores do salário mínimo ou a fluência de correção monetária e juros moratórios que se vencerem depois.

            2.5. Coisa julgada secundum eventum litis e secundum eventum probationis

            Em determinadas circunstâncias, o legislador entendeu que a decisão de improcedência de certa demanda simplesmente não deve produzir efeitos, permitindo, com isso, que o autor ingresse novamente em juízo.

            O exemplo mais comum está nas sentenças de improcedência, por falta de provas, proferidas no âmbito das chamadas "ações civis públicas", pois, conforme dispõe o art. 16 da Lei n. 7.347/85, a sentença não fará coisa julgada se o pedido for julgado improcedente por aquele motivo.

            Nesse caso, assim como ocorre nas hipóteses previstas no art. 103 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8078/90), trata-se da inaptidão da sentença de improcedência para produzir o efeito de declarar a inexistência da relação jurídica de Direito Material sustentada pelo autor, isso porque a coisa julgada, nesse ponto, é secundum eventum litis [25], e permite a formulação de pedido idêntico ao que foi rejeitado, desde que amparado em novas provas.

            Igual tratamento foi dado às sentenças de improcedência de pedidos formulados em sede de ação popular, pois a Lei n. 4.717/65 dispõe, em seu art. 18, que não haverá coisa julgada no caso de o pedido haver sido julgado improcedente por falta de prova. [26]

            Há, na Lei n. 1.533/51, que cuida do mandado de segurança, situação semelhante a essa. Quando o julgamento proferido no mandado de segurança não aprecia o mérito, o autor pode, nos termos do disposto no art. 15 dessa lei, pleitear o reconhecimento de seus direitos por meio das vias ordinárias que o sistema processual lhe oferece, visto que o procedimento do mandado de segurança não oferece ao autor a possibilidade de realizar provas as quais não sejam escritas e, dessa forma, não pode impedir que esse autor tenha oportunidade de produzir essas provas em outra ocasião.

            Trata-se, nesse caso, de um procedimento de cognição plena e exauriente, mas secundum eventum probationis [27], no qual a própria lei cuida de obstar a existência de um dos efeitos da sentença de improcedência, permitindo ao autor a formulação de um novo pedido, desde que seja feita pelas vias ordinárias que o sistema lhe oferece, agora sem restrição quanto aos meios de prova admissíveis.

            2.6. Ausência do instrumento de procuração outorgado pelo autor

            Consta no parágrafo único do art. 37 do CPC uma hipótese de ineficácia da sentença menos explícita do que as demais hipóteses legais dessa natureza, mas que encerra provavelmente a mais grave das situações.

            Segundo essa regra, serão considerados inexistentes os atos processuais praticados, se o advogado do autor não apresentar a procuração para agir em juízo.

            Trata-se de uma situação verdadeiramente excepcional, pois, em regra, o advogado nunca pode propor uma demanda em juízo sem apresentar a procuração do autor. A lei, entretanto, permite que o advogado ingresse em juízo e apresente a procuração no prazo de 15 dias, prorrogável pelo Juiz por idêntico período, quando houver risco de perda do Direito Material ante a iminência do fim de um prazo prescricional ou decadencial, ou para praticar atos urgentes em geral.

            Nesse caso, os atos processuais praticados devem ser ratificados quando a procuração for apresentada em juízo, sob pena, repita-se, de inexistência da eficácia desses atos. [28]

            Não há problemas quando o prazo estabelecido pela lei é observado pelo Juiz, pois, nesse caso, ante a ausência de procuração, logicamente não há pedido formulado e isso significa que falta um pressuposto processual importantíssimo.

            O Juiz não pode atuar ex officio (arts. 2.º e 262 do CPC) [29], prestando tutela jurisdicional a quem nada pediu e, pior, causando insegurança jurídica e ônus desnecessário ao réu, pois, se o pedido for julgado improcedente, muito provavelmente o próprio autor afirmará que jamais formulou pedido algum, tanto que sequer outorgou procuração a um advogado. De maneira inexorável, portanto, deverá ocorrer a extinção do processo sem julgamento de mérito, nos termos do disposto no art. 267, IV, do CPC.

            O problema está na hipótese em que a ausência de procuração não é percebida pelas partes ou pelo Juiz, senão quando a sentença já foi proferida ou, pior, quando já ocorreu o seu trânsito em julgado. [30]

            Admitir a eficácia dessa sentença significa deixar em segundo plano importantes regras processuais, como aquelas mencionadas, e provocar uma grande instabilidade no sistema, pois a qualquer momento podem surgir dúvidas a respeito da existência, ou não, dos atos praticados pelo autor por meio de um advogado que pode estar atuando em juízo sem a necessária autorização. [31]

            Ao contrário do que se pode imaginar, não obstante a gravidade do problema causado pela ausência de procuração, há uma forte tendência doutrinária a permitir que a procuração seja apresentada mesmo após o prazo previsto no art. 37 do CPC [32], tendo em vista a preservação dos atos praticados no processo.

            A jurisprudência, no entanto, tem sido mais rigorosa a esse respeito, determinando a extinção do processo independentemente do oferecimento de prazo ao autor, para apresentação da procuração [33]. Em todo caso, mesmo que seja admissível a apresentação tardia da procuração, deve haver um limite razoável para que isso ocorra.

            Não pode o Juiz, ao final do processo, quando todas as provas foram produzidas, permitir que o autor apresente a procuração e, com isso, ratifique os atos praticados em seu nome, porque obviamente há um risco de o autor simplesmente se recusar a assinar a procuração, caso entenda que as provas não lhe são favoráveis, dentre outras situações possíveis e igualmente perigosas para a estabilidade do sistema.

            Situação semelhante ocorre com a regra prevista no art. 267, III, do CPC, a qual cuida da hipótese em que o autor abandona o processo e, mesmo intimado pessoalmente (§ 1.º do mesmo dispositivo), não promove os atos e as diligências que lhe competem.

            Para impedir que o autor esvazie a garantia prevista no § 4.º do art. 267 supramencionado, segundo a qual ele não pode desistir da ação sem autorização do réu, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que, quando o autor abandonar o processo, somente mediante requerimento do réu é que poderá ocorrer a extinção do processo sem julgamento do mérito (Súmula n. 240 do Superior Tribunal de Justiça – STJ).

            Assim, pelos mesmos motivos, voltados para a segurança do sistema, naturalmente não é a qualquer momento que o autor poderá sanar o vício existente, impondo-se a imediata extinção do processo quando for detectada a ausência de procuração do autor.

            Numa execução, por exemplo, mesmo que seja possibilitada ao autor a apresentação tardia de procuração, deve o Juiz considerar a possibilidade de suspender todos os atos de constrição sobre o patrimônio do executado, praticados até o momento em que foi detectada a ausência de procuração do exeqüente, e exigir que a procuração seja apresentada imediatamente, especialmente nas execuções amparadas por título executivo extrajudicial, porque nenhum risco pode correr o executado em circunstâncias assim.

            Convém deixar claro, todavia, que, se foi o réu quem deixou de apresentar a procuração, os resultados serão outros, pois ele será apenas considerado revel, conforme o caso, e deverá suportar os efeitos dessa conduta, não sendo possível ao Juiz aproveitar os argumentos contidos na contestação apresentada por um advogado que não tinha procuração para tanto.

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Sobre o autor
Marcelo José Magalhães Bonício

professor da Faculdade do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, procurador do Estado em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Breve análise das sentenças civis ineficazes "ope legis". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1091, 27 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8569. Acesso em: 19 abr. 2024.

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