O processo deve cumprir seus escopos jurídicos, sociais e políticos, garantindo: pleno acesso ao Judiciário, utilidade dos procedimentos e efetiva busca da justiça no caso concreto. [01]
O pequeno espaço destinado ao estudo da fase de saneamento do processo na maioria dos livros de doutrina jurídica pode ser encarado como um reflexo da pouca relevância que lhe é conferida no atual estágio do direito processual brasileiro. Da mesma forma, a recorrente supressão da audiência preliminar de grande parte dos procedimentos civis, no rito ordinário, obsta o alcance dos fins objetivados pelo Processo, visto como um instrumento de acesso à justiça. Desta moldura, denota-se explícita a desatenção a princípios que orientam e integram as regras de direito processual, quais sejam, os Princípios da Instrumentalidade das Formas, do Devido Processo Legal e do Acesso à Justiça. Eles objetivam, através do desenvolvimento válido e regular do processo, a lógica do procedimento, sua celeridade e a busca de um justo e amplo acesso à Justiça. Observa-se que, uma vez realizado o saneamento do processo, iniciado com a audiência preliminar, ou, por vezes, com as providências preliminares, possibilita-se a retirada de todas as formas de dilações indevidas, atingindo, assim, um máximo de resultado num mínimo de atividade processual, sendo economizados, portanto, tempo e dinheiro. [02]
Uma vez que o direito processual é um sistema que deve se adaptar à evolução da sociedade e seus valores, constata-se que o Processo em sua concepção atual deve proporcionar um instrumento adequado e eficaz para o satisfatório regulamento dos fatos sociais, sob pena de causar injustiças. Neste sentido, observa-se que o Processo não mais se restringe à satisfação de interesses individualistas [03], mas de interesses coletivos e difusos, e que o processo, em que pese formal, não é mais formalista, ou seja, está a serviço do material e do substancial.
Neste ínterim, por mais que não seja objeto direto do presente estudo, fundamental perceber que os princípios de um modo geral integram o conjunto das normas jurídicas. Para tanto, os recém mencionados princípios de Processo Civil não apenas devem informar a aplicação de determinadas regras, como devem, também, atuar na compreensão dos próprios fatos e provas, na medida em que, estabelecendo "indiretamente um valor pelo estabelecimento de um estado ideal de coisas a ser buscado, indiretamente eles fornecem um parâmetro para o exame da pertinência e da valoração" [04].
E, uma vez que os fatos, as provas e as regras serão absorvidos pelo aplicador do Direito através da linguagem e será por meio desta que ele se manifestará no processo, ressalta-se a importância de que esta se reveste, na medida em que ela, consoante ensinamento de Warat,
não só permite o intercâmbio de informações e de conhecimentos humanos, como também funciona como meio de controle de tais conhecimentos. [...] Fazer ciência é traduzir numa linguagem rigorosa os dados do mundo. [...] a ciência se faz com a linguagem, mas, em última instância, é a própria linguagem. Desta forma, a compreensão coerente e sistemática do mundo é obtida através da linguagem.
Como se pode verificar, na visão do Positivismo Lógico salienta-se a importância fundamental da linguagem para a ciência do direito, pois esta deve construir seu objeto sobre dados que são expressos pela própria linguagem, ou seja, a linguagem da ciência jurídica fala sobre algo que já é linguagem anteriormente a esta fala. [05]
Em que pese não seja aprofundado o estudo acerca desta perspectiva não-dogmática, destaca-se a importância da visão crítica a respeito dos conceitos que são propostos, a importância de se analisar o sistema jurídico como um todo integrado, para evitar a adesão às definições desprovida de perspectiva e interpretação histórico-filosófica.
Visto isso, o que se pretende com este estudo é a análise de aspectos do saneamento do processo civil brasileiro, o qual é concluído, no mais das vezes, com o despacho saneador, mas que compreende, também, a audiência preliminar. O saneamento do processo inicia-se com as providências preliminares, ou seja,
certas medidas que ao órgão judicial cabe tomar imediatamente após a resposta do réu, ou o escoamento inaproveitado do respectivo prazo. Tais providências, em seu conjunto, constituem a primeira etapa da fase de saneamento. Essa fase vai encerrar-se com a prolação de decisão que, em princípio, completa semelhante atividade e à qual tradicionalmente se chama "despacho saneador" – ressalvadas as hipóteses em que o processo se abrevia, terminando desde logo, quiçá com julgamento do mérito, em vez que prosseguir em direção à audiência de instrução e julgamento. [06]
Se não for o caso de extinção do processo ou de julgamento antecipado do mérito, o direito em litígio admitir transação e as circunstâncias da causa não tiverem evidenciado a improbabilidade de sua obtenção, deverá ser designada a audiência preliminar, com o objetivo principal de tentar a composição amigável das partes e/ou preparar o feito para a fase instrutória, fixando os pontos controvertidos, decidindo as questões processuais pendentes, determinando as provas a serem produzidas e, se necessário, designando audiência de instrução e julgamento. Não sendo designada a audiência preliminar, no caso de o direito não admitir transação e as circunstâncias da causa tiverem evidenciado ser improvável a sua obtenção, a decisão das questões pendentes, a fixação dos pontos controvertidos e a decisão sobre a questão probatória deverá ser feita por escrito.
A audiência preliminar, pela inovação que apresenta, exige uma mudança de postura por parte dos operadores do Direito, acostumados a trabalhar sobre um processo de conhecimento anacrônico, calcado em princípios que já não espelham a realidade da moderna ciência processual. [07]
Consoante lição de Darci Ribeiro [08], são requisitos implementadores da audiência preliminar: um sistema rígido de preclusões, que onera as partes a deduzir, imediatamente, todas as alegações e defesas relevantes para a causa; a necessidade de fixação dos pontos controvertidos, quando determinar-se-á o objeto litigioso do processo sobre o qual deverá recair a prova e o conhecimento da causa antes do início da audiência, já que impossibilita-se ao magistrado a fixação dos pontos controvertidos sem conhecer pormenorizadamente os fatos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos.
Verificam-se quatro fases distintas na audiência preliminar, a qual foi introduzida no Código de Processo Civil de 1973 pelo artigo 331 e teve seu texto alterado pela Lei 10.444 de 2002, quais sejam: conciliação, saneamento do processo, fixação dos pontos controvertidos e determinação das provas a seres produzidas. Observa-se que, a priori, a audiência preliminar foi instituída objetivando abreviar o curso do processo, por possibilitar a audiência de conciliação, no entanto, ela também assume a finalidade de reunir o juiz, as partes e seus procuradores para fins de saneamento, ocasião em que são sanadas as questões processuais pendentes e fixados os pontos controvertidos passíveis de prova.
Não incidindo em nenhuma das providências prelminares (questões prévias), artigos 324 a 327 do Código de Processo Civil, e não incorrendo nas duas primeiras hipóteses de julgamento confirme o estado do processo, artigos 329 e 330 do Código de Processo Civil, a audiência preliminar é obrigatória, [...]. Omitir essa audiência é omitir um ato indispensável do procedimento e da adequada prestação jurisdicional, podendo o Estado responder por danos morais, na medida em que, existindo uma norma capaz de abreviar, drasticamente, o tempo da prestação jurisdicional, a sua não-utilização, por parte do Estado, gera um desserviço às partes e à sociedade, causando, indiscutivelmente, um prejuízo injustificado, [...]. A audiência preliminar constitui um pressuposto processual de validade objetivo e intrínseco à relação jurídica. [09]
No que se refere à tentativa de conciliação, um dos principais fins da audiência preliminar, é importante ressaltar que, além de poder dirimir o conflito mais rapidamente e sem tanto gasto, possibilita-se a restauração da convivência (teoricamente) harmônica entre as partes. Obtendo a conciliação resultado satisfatório, o juiz determinará sua redução a termo, homologando-a por sentença, que, certamente, será de mérito (Código de Processo Civil, artigos 331, § lº e 269, III). A sentença homologatória valerá como título executivo judicial, nos termos do artigo 584, III do Código de Processo Civil. O não-comparecimento das partes à audiência não gera qualquer sanção, tornando apenas inviável a conciliação. Frustrada a conciliação, segue o saneamento.
Esta ausência de sanção à parte que não comparece à audiência preliminar para fins de conciliação é passível de crítica, na medida em que, se na intimação para a audiência preliminar constasse que a parte deveria comparecer, sob pena de determinada restrição (até mesmo processual), um maior número de audiências preliminares seriam realizadas, e, conseqüentemente, permitir-se-ia a obtenção de mais conciliações, reduzindo, então, boa parte dos processos que tramitam no Judiciário. Sendo assim, as pessoas seriam desmotivadas a buscar a resolução de seus litígios diretamente com o Poder Judiciário, atitude que é impulsionada pela chamada "cultura do litígio" que hoje vige em nossa sociedade.
A segunda fase da audiência preliminar é o saneamento do processo, no qual o juiz decidirá sobre as questões processuais pendentes. É nessa decisão saneadora (Despacho Saneador) que o juiz irá expurgar do processo os vícios, impulsionando o mesmo, após a fixação dos fatos controvertidos, rumo à instrução da causa. Observa-se, no entanto, que este despacho não cabe exclusivamente na audiência preliminar, em que pese, quando utilizado posteriormente, a este não seja atribuída tanta relevância. E é este instituto que será abordado, a partir de então, no presente trabalho.
Tarefa impossível é a de discorrer acerca do despacho saneador sem recorrer ao estudo feito pelo professor Galeno Lacerda, no livro titulado "Despacho Saneador", obra que servirá de base para as considerações que serão feitas a respeito deste instituto. Relevante papel exerceu este jurista no estudo do referido instituto, uma vez que, com o intuito de alargar os horizontes do direito processual brasileiro, realizou uma pesquisa aprofundada, na qual transitou pelas várias abordagens já feitas do tema, questionando os pontos controversos e esclarecendo suas características, fazendo, assim, com que ele seja recepcionado com mais clareza pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Definido como a "decisão proferida logo após a fase postulatória, na qual o juiz, examinando a legitimidade da relação processual, nega ou admite a continuação do processo ou da ação, dispondo, se necessário, sobre a correção de vícios sanáveis" [10], o despacho saneador tem sua função diretamente relacionada ao princípio informativo da economia processual. No dizer de Lacerda,
a função da economia no processo transcende a mera questão individualista de poupar trabalho a juízes e partes, de frear gastos excessivos, de respeitar o dogmatismo dos prazos. Não visa à comodidade dos agentes da atividade processual, mas à ânsia de perfeição da justiça humana – reconhecer e proclamar o direito, com o menor gravame possível. [11]
Neste sentido, e consoante lição de Rui Portanova [12], é de se ter presente que a lei que rege a forma deve ser interpretada e aplicada em função de seu fim. Se o fim ao qual o processo se destina é a efetividade material, através da satisfação concreta do direito pretendido, pode-se afirmar que o formalismo do processo deve ser orientado por princípios, como o do acesso à justiça e devido processo legal, para que, assim, o processo não se torne formalista e a demanda seja atendida à luz da justiça.
A investigação das origens do Despacho Saneador foi curiosidade demonstrada por todos aqueles que escreveram sobre o instituto. Afirmava-se, com razão, que constatar a existência dos pressupostos processuais e das condições da ação, antes da fase postulatória, jamais constituiu novidade, pois é ato eminentemente racional e visa a simplificação do processo. No entanto, não foram esses elementos os que incentivaram o surgimento do instituto, mas sim a necessidade da entrega de uma solução mais rápida dos problemas para cujo desfecho favorável voltava-se o judiciário. Assim não se erra ao dizer que sua criação encontra-se intimamente ligada aos princípios da economia e da celeridade processuais. [13]
O que o juiz poderá, decidindo sobre questões prévias no despacho saneador, é pôr termo ao processo ou à ação, mediante sentença, se a questão prévia for de mérito, ou decisão terminativa, sem conhecimento do mérito, se extinguir o processo ou declaratória da nulidade do processo; ordenar diligências para suprir nulidades ou irregularidades e declarar o processo isento de vícios, configurando uma decisão interlocutória simples; e declarar o processo isento de vícios. Os três aspectos de que pode revestir-se o despacho saneador apresentam notas comuns e diferenciais. Em comum, têm o fim, que é a economia processual, e o objeto de investigação do juiz, que se refere aos pressupostos e condições da relação processual. Diferem, no entanto, na natureza e nos efeitos do ato judicial. A decisão é declaratória de direito formal ou material quando extingue o processo, reconhece a nulidade do processo ou proclama a carência da ação, extinguindo, assim, a relação processual. Se não impugnada através do recurso próprio, fará coisa julgada formal ou ainda material, conforme o caso. Quando afirma saneado o processo, é também de natureza declaratória e implica, no fundo, comando tácito e permissivo da marcha do processo. Terá, ou não, efeito preclusivo, conforme a natureza da questão resolvida. Já ao limitar-se a ordenar diligências, é, em regra, irrecorrível para instância superior, contudo tem feição constitutiva, pois modifica o curso do processo; não declara, ainda, expressamente, o direito, mas constitui apenas um provimento prévio à declaração. O cumprimento ou não da diligência é que levará o juiz a pronunciar-se, em posterior despacho, sobre a questão prejudicial. Poderá haver, assim, em um só processo, mais de um despacho saneador, com características e efeitos diversos.
Através do despacho saneador, o ato do juiz tem por objeto o próprio instrumento de concretização do direito. A análise se concentra não na relação jurídica controvertida, mas no processo em si, em sua adequação às normas de direito judiciário. O poder instrumental, através do qual se manifesta o ato de saneamento, será discricionário ou vinculado, conforme a norma processual facultar ou não ao juiz elasticidade na concretização de seus elementos, tendo em vista a aplicação ao caso concreto. Em se tratando da natureza jurídica do despacho saneador, deve-se considerá-lo uma provisão jurisdicional declaratória, a respeito da legitimidade da relação processual; assumirá também feição constitutiva se modificar ou extinguir a relação.
Ao considerar-se que o fim do despacho saneador é desimpedir o caminho para a instrução da causa, seu objeto, certamente, pode ser definido como o exame da legitimidade da relação processual, sendo analisados, neste âmbito, os pressupostos processuais e as condições da ação.
No que se refere aos pressupostos processuais, como requisito para a legitimidade do processo, a análise pode ser feita sob dois aspectos: como pressupostos subjetivos – competência e insuspeição do juiz, e capacidade das partes; como pressupostos objetivos: extrínsecos à relação processual – inexistência de fatos impeditivos, e intrínsecos – subordinação do procedimento às normas legais.
Em se tratando da legitimação do juízo, no direito brasileiro, só per accidens serão tais questões apreciadas no despacho saneador. A possibilidade se restringe à incompetência absoluta. [14] Se o juiz der pela incompetência absoluta, embora implique a pronúncia saneamento do juízo, não chegará a proferir o despacho saneador configurado pelo Código de Processo Civil. Se, porém, rejeitar a exceção, ao saneamento do juízo suceder-se-á, no mesmo ato, o saneamento específico a que se refere o Código. Quanto à suspeição, não é possível o julgamento no saneador pelo fato de a causa continuar suspensa, embora rejeitada a exceção, para julgamento definitivo do incidente pelo tribunal superior; ou, se acolhida, impedir o juiz de novo julgamento, obrigando-o à remessa dos autos ao substituto legal. Se o juiz se declarar incompetente ou reconhecer a suspeição, remeterá os autos, no primeiro caso, ao órgão competente e, no segundo, ao substituto legal. O processo não se extingue, porque a relação processual se estabelece com o Estado, e não com a pessoa do juiz.
Ainda como pressuposto subjetivo do processo, há que vigiar a capacidade das partes ou a legitimatio ad processum, devendo o juiz investigá-la de ofício, porque escapa por completo à disposição dos litigantes. Essa legitimação envolve dupla capacidade, quais sejam: a de ser parte, isto é, sujeito de direitos e deveres na ordem jurídica, e a de gozar da respectiva faculdade de exercício. A carência da primeira provoca exceção de falta de personalidade; a da segunda, de ilegitimidade processual, ou de falta de representação, autorização ou assistência, conforme o caso. Estas questões são objeto de indagação específica no despacho saneador, assim como as relativas ao jus postulandi e à representação das partes por profissional habilitado. Casos há em que a ausência de personalidade, quando verificada antes do início da instância, importará rejeição imediata do pedido. No entanto, se verificada no despacho saneador, provocará decretação de nulidade. Já a falta de representação, autorização ou assistência obrigará o juiz a prover, ordenando o suprimento da omissão e, ao contrário do que acontece com a falta de personalidade, a nulidade aqui é sanável. Não suprida, o juiz anulará o processo ou o extinguirá.
O pressuposto processual objetivo tido como extrínseco à relação processual se refere à inexistência de fatos impeditivos. O impedimento pode decorrer de atos das partes (litispendência e compromisso), de omissão delas ou do juiz em praticar atos indispensáveis ao processamento da demanda, assim como provir também de obstáculo legal independente da vontade. A litispendência decorre de ato unilateral do autor ou do réu consistente em aforamento anterior da mesma lide, instaurada a instância, mas ainda não proferida decisão transitada em julgado, terminativa ou definitiva. Esta pode ser declarada de ofício pelo juiz, quando ambos os processos correm ante o mesmo magistrado; caso contrário, é dado ao juiz, no entender de Galeno Lacerda, a faculdade de, se souber de ciência privada a existência do fato impeditivo, usar de meios para torná-la oficial, e deverá usá-los, porque interest reipublicae. Basta que expeça uma precatória, ou uma carta de ordem, ou que determine ao escrivão certifique a existência do processo anterior. O compromisso nasce de ato bilateral, de contrato; importa renúncia ao conhecimento judicial. A inexistência de compromisso, porém, não se pode considerar condição da ação, mas pressuposto processual, porque não obsta o direito de pedir, apenas o remete à via particular do juízo arbitral.
Em se tratando das circunstâncias impeditivas do processo, as quais se originam de omissão quanto à prática de atos exigidos por lei, encontram-se, por exemplo, a falta de decisão final administrativa, caução, tentativa de conciliação ou do pagamento das despesas do réu, conforme o caso; e a inobservância de preceito que imponha o julgamento de questões prejudiciais a juiz especial ou criminal. Independentemente da vontade das partes, pode, enfim, o fato impeditivo emanar diretamente de lei, como acontece com as férias forenses, que obstam a propositura de determinadas ações. A inexistência de fatos impeditivos externos, enquanto pressuposto processual, deve, em tese, ser apreciada também no despacho saneador, senão antes, por ocasião do despacho liminar.
São intrínsecos os pressupostos processuais objetivos que se referem à subordinação do procedimento às normas legais, traduzida na ausência de nulidades e vícios em geral dos atos processuais. O que caracteriza o sistema das nulidades processuais é sua diferenciação em razão da natureza da norma violada. Se prevalecerem nela os fins ditados pelo interesse público, a violação provoca nulidade absoluta. Vício dessa ordem deve ser declarado de ofício, podendo, qualquer das partes, invocá-lo. Quando, porém, a norma desrespeitada tutelar, de preferência, o interesse da parte, o vício do ato é sanável. Têm-se, aqui, as figuras da nulidade relativa e da anulabilidade. O critério que as distinguirá repousa na natureza da norma. Se ela for cogente, a violação produzirá nulidade relativa e, neste caso, o juiz procede de ofício, ordenando o saneamento pela repetição ou ratificação do ato, ou pelo suprimento da omissão. A anulabilidade, ao contrário, é vício resultante da violação de norma dispositiva. Por este motivo, já que o ato permanece na esfera de disposição da parte, sua anulação ocorre somente mediante reação do interessado, vedada ao juiz qualquer provisão de ofício.
No que tange às condições da ação, fazendo uso do esquema clássico, depurado das implicações com a teoria do direito concreto de agir, verifica-se que, qualquer que seja o resultado da sentença, há de se exigir do autor, para aceitação processual do pedido, a possibilidade jurídica da demanda, legitimação para a causa e interesse. A coexistência dessas condições, que tornam legítima a ação e, portanto, a relação processual, constituem o título, ou a causa do direito de agir. Elas geram no autor o direito, e no Estado a obrigação de resolver o conflito. As condições da ação, relativas à possibilidade jurídica e à legitimação para a causa, constituem o laço de união entre o direito de agir e o direito substancial e, se julgadas inexistentes, uma sentença de mérito - relativa a seus fundamentos de direito - será proferida, porque decisória da lide. Neste caso, a impossibilidade jurídica fulmina o pedido, objetivamente considerado, por falta de amparo legal; a ilegitimidade para a causa vicia também o pedido, por inaptidão do sujeito em relação ao objeto. Já o interesse considerado como condição da ação deve ser o imediato, que corresponde a uma necessidade real, a qual será avaliada pelo juiz segundo critérios objetivos. Este deve ser um interesse qualificado econômica e moralmente, que, quando se ausentar da face econômica a coloração ética, o sintoma é tão grave, que deve o juiz decretar a rejeição imediata do pedido não só no saneador, mas a qualquer tempo.
Quando as condições da ação são analisadas no despacho saneador, a atividade judicial se cumprirá de ofício, porque, sendo a ação um direito subjetivo público, incumbe ao órgão judiciário, como sujeito passivo da relação processual, verificar a legitimidade dessa relação e, portanto, os requisitos do próprio direito de agir. Se eles coexistirem, o juiz reconhecerá ao autor interesse legítimo e iniciará a fase instrutória da matéria de fato. Se, porém, o pedido não satisfizer essas condições, será decretada a carência da ação.
Para o estudo dos efeitos do despacho saneador, faz-se necessário distinguir os despachos saneadores ordinatórios dos decisórios. Embora nos primeiros se contenha uma decisão implícita, estes não produzem efeito sobre a questão, apenas sobre a marcha do processo, impulsionando-o, no sentido do suprimento ou não suprimento do vício, até um segundo despacho saneador, este, sim, decisório. Os despachos decisórios, ao contrário, provocam dois tipos de efeitos: uns sobre a questão decidida, outros sobre o processo. Os primeiros supõem que o despacho não tenha sido impugnado, pois a existência do recurso lhe impede eficácia definitiva em relação à matéria julgada.
Um dos efeitos pode ser a coisa julgada, quando o despacho decretar a carência da ação por faltarem ao autor as condições de exercício, relativas à possibilidade jurídica do pedido e à legitimação para a causa e quando acolher defesa do réu baseada em fato extintivo do pedido (prescrição, compensação, pagamento, etc.). Estes efeitos se projetam além do processo, impedindo a renovação da demanda entre as mesma partes, em torno do mesmo objeto e pelo mesmo título. Outro, a preclusão, quando a matéria decidida tiver repercussão puramente processual, nada influindo sobre a res litigiosa. Esta, quando ocorre no curso do processo depende, em última análise, da disponibilidade da parte em relação à matéria decidida: se indisponível a questão, a ausência de recurso não impede o reexame pelo juiz e, se disponível, a falta de impugnação importa concordância tácita à decisão.
A decisão a respeito de fatos suspensivos não fará coisa julgada, uma vez que eles não integram o mérito da ação. Esta decisão terminativa, portanto, declarará a impossibilidade de apreciação do pedido, em virtude da existência de condição suspensiva da ação, e terá efeito meramente preclusivo. Importante destacar que não preclui a interlocutória que rejeitar preliminar baseada em fato suspensivo indisponível para o réu.
Em se tratando do despacho que se pronunciar acerca da anulabilidade de um ato tem-se que, na ausência de recurso, tal despacho precluirá, em qualquer hipótese. Se der pela existência do vício, o juiz, ou pronunciará decisão terminativa do processo, ou ordenará o suprimento da omissão, seguindo-se despacho terminativo, em caso de desobediência; ou, enfim, anulará o ato isolado, se portador de vício de consentimento.
Em última análise, consoante lição de Galeno Lacerda [15], no que concerne à eficácia do despacho saneador sobre as questões decididas, na ausência de recurso, obter-se-á eficácia material de coisa julgada se decretar a carência da ação, por impossibilidade jurídica do pedido ou "illegitimatio ad causam", se acolher defesa do réu baseada em fato extintivo do pedido ou se julgar favoravelmente ao autor qualquer questão de mérito, excluindo as relativas às condições da ação. No entanto, sempre que a decisão for terminativa do processo, rejeitar defesa baseada em fato suspensivo disponível para o réu ou decidir questão concernente a anulabilidade ou simples irregularidade de ato processual produzirá efeito preclusivo. Não terá efeito preclusivo quando se pronunciar sobre nulidade absoluta ou relativa, exceto se extinguir o processo, sempre que julgar presentes as condições da ação e quando repelir defesa baseada em fato suspensivo indisponível para o réu.
O efeito do despacho em relação ao processo, em um primeiro momento, é provocar o contato inicial do juiz com a causa, possibilitando, posteriormente o início da instrução do feito, destinada à realização de diligências e coleta de perícias e depoimentos, a fim de esclarecerem os fatos controvertidos, pertinentes ao mérito da ação.
Os recursos admissíveis contra o despacho saneador, no direito brasileiro, variam de acordo com o pronunciamento judicial. Se naquele despacho (neste caso, uma sentença) se extinguir o processo, com ou sem julgamento de mérito, o recurso será o de apelação. Sempre que o despacho não decretar a extinção do processo, pouco importa a natureza da questão decidida, o recurso será o agravo. Nem sempre, porém, o despacho saneador será recorrível. Em regra, não admitem impugnação os despachos de mero expediente, que se limitam a determinar o suprimento do vício, visto que neles ainda não se manifesta a decisão explícita da questão.
Feitas estas considerações acerca do despacho saneador, infere-se que este instituto, por vezes presente na audiência preliminar, tem por escopo limpar o processo de qualquer questão suscetível de distrair a atenção do juiz, que deve estar voltada, unicamente, para o meritum causae.
Após esta fase, cabe ao juiz fixar os pontos controvertidos. E, neste momento, consoante lição de Luiz Guilherme Marinoni [16], é importante definir se o fato controvertido representa fato constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, já que o autor tem o ônus de provar o primeiro, e o réu o ônus de provar os demais. Necessário se faz destacar que, uma vez fixados esses pontos controvertidos, não se podem extrair conseqüências jurídicas diversas daquelas delimitadas, sob pena de produzir a mutatio libelli, proibida pelo direito pátrio, segundo o parágrafo único do artigo 264 do Código de Processo Civil.
Consoante entendimento de Darci Ribeiro, observa-se que:
A fixação dos pontos controvertidos pode se dar: a) delimitando os pontos relevantes que foram apresentados pelas partes, conseqüentemente, estar-se-á simplificando o objeto do processo, evitando, com isso, a produção de prova inútil; b)através de uma maior participação do juiz em audiência, que pode, inclusive, em razão da oralidade, melhor aclarar as questões contraditórias, evitando, por conseguinte, a interposição de recursos, uma vez que a discussão conjunta entre juiz, partes e seus advogados facilita o consenso; logo, diminui a irresignação das partes. [17]
Constituindo a última fase da audiência preliminar, tem-se a determinação das provas a serem produzidas, para que as partes saibam o que produzir na audiência de instrução e julgamento, evitando, com isso, o elemento surpresa que provoca a dilação desnecessária do procedimento.
[...] Haverá, claramente, uma seleção de fatos influentes.
Essa fixação das provas é somente um ponto de partida para o juiz deferi-las ou indeferi-las, ou até, usando os seus poderes inquisitivos, que lhe são conferidos pelo art. 130 do CPC, determiná-las ex oficio. Aqui ele fixa os fatos provados e a provar.
A extensão da determinação das provas a serem produzidas vai depender, e muito, da postura e do interesse do magistrado na rápida resolução da lide, pois a concentração da prova nesse momento é fundamental para evitar-se uma dilação desnecessária. [18]
Importante destacar a função precípua que exerce a oralidade nesta fase do processo, uma vez que, na determinação da prova, se estabelece o contato direto e pessoal do juiz com as partes e seus procuradores, permitindo que, através do diálogo, sejam resolvidas eventuais questões, evitando-se, com isso, a produção de provas desnecessárias e irrelevantes.
Considerando, então, a potencial obtenção de celeridade e economia processuais e a efetivação do devido processo legal, constata-se a relevância que deve ser conferida à fase de saneadora, a qual, além de possibilitar o desenvolvimento válido e regular do processo a partir da análise dos pressupostos processuais e condições da ação, é fundamental para que ocorra o acesso a justiça, utilizando-se da participação ativa das partes e procuradores, v.g., na audiência preliminar.
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NOTAS
01
PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 48.02
Destaca-se, neste contexto, a importância de o juiz, como figura ativa no processo, possuindo poderes instrutórios, através do saneamento formal, também buscar a isonomia processual, reconhecendo as diferenças entre as partes e o que elas realmente buscam através da provocação do Judiciário.03
Visualiza-se, neste contexto, a tendência publicista do Processo, sendo este de interesse do Estado, não mais apenas de interesse das partes envolvidas.04
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 80.05
WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua Linguagem. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995. p. 37-8.06
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Novo Processo Civil Brasileiro. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 57-8.07
RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas Atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 46.08
RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas Atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.09
RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas Atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 48-9.10
LACERDA, Galeno. Despacho Saneador. 3.ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1990. p. 07.11
LACERDA, Galeno. Despacho Saneador. 3.ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1990. p. 06.12
PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 28.13
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A Lei 11.280 de 16 de fevereiro de 2006, alterando a redação do artigo 112 do Código de Processo Civil, trouxe uma exceção à esta regra, possibilitando a declaração de ofício pelo juiz da nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, declinando sua competência para o juízo de domicílio do réu.15
LACERDA, Galeno. Despacho Saneador. 3.ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1990. p. 177.16
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 244.17
RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas Atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 57.6518
RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas Atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 57.