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A estabilidade no serviço público

30/09/2020 às 16:10
Leia nesta página:

O instituto da estabilidade fundamenta-se como uma garantia de que, desde que atue de forma correta e eficiente sua função, o servidor não perderá seu cargo, independentemente da vontade e dos arbítrios de quem ocupa cargos superiores.

1. Introdução

A Administração Pública, regida pelo regime jurídico administrativo, que possui como princípios basilares a supremacia do interesse publico e sua indisponibilidade em face do privado, tem como objetivo básico o atendimento do interesse público por meio da atuação de seus agentes públicos. Uma das garantias asseguradas para esses indivíduos é a estabilidade, que restringe as hipóteses de perda do cargo público. Contudo, por vezes, tal instituto é visto de forma crítica como suposta fonte de ineficiência e comodismo, o que prejudicaria a prestação dos serviços públicos.

Nesse sentido, a proposta de reforma administrativa do governo encaminhada no início do mês de setembro para o Congresso Nacional tem como uma de suas propostas de mudança para o funcionalismo público o fim da estabilidade para parte dos servidores, ou seja, aqueles que não exercem função típica de Estado e, se aprovada, recairá sobre servidores que ainda não ingressaram no serviço público. A proposta, defendida como forma de modernizar a administração pública e melhorar sua eficiência, pois implicaria supostamente em melhoria produtiva do servidor, deve ser analisada com cautela em face da importância do instituto da estabilidade.

Sendo assim, o presente artigo tece considerações a respeito da razão de existência da estabilidade e elucida sua importância para a própria prestação do serviço público.

2. Origem da estabilidade no serviço público

O instituto da estabilidade no serviço público surgiu no ordenamento jurídico brasileiro em 1915, com a Lei nº 2.942, que estabelecia que o servidor com mais de dez anos de serviço só poderia ser afastado de seu cargo após processo administrativo. Na ordem constitucional, foi incorporada primeiramente pela Constituição de 1934, e depois, por todas as constituições posteriores. A Constituição de 1934 determinava em seu art. 169:

Art. 169 Os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício, só poderão ser destituídos em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e, no qual lhes será assegurada plena defesa.

A Constituição de 1946, em seu art. 188, alterou o prazo para a aquisição da estabilidade, determinando que:

Art. 188 - São estáveis:

I - depois de dois anos de exercício, os funcionários efetivos nomeados por concurso;

II - depois de cinco anos de exercício, os funcionários efetivos nomeados sem concurso.

Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica aos cargos de confiança nem aos que a lei declare de livre nomeação e demissão.

Enquanto isso, a Constituição de 1967 limitou a garantia apenas para servidores concursados e determinou que:

Art. 99. São estáveis, após dois anos, os funcionários, quando nomeados por concurso.

§ 1º Ninguém pode ser efetivado ou adquirir estabilidade, como funcionário, se não prestar concurso público.

§ 2º Extinto o cargo, o funcionário estável ficará em disponibilidade remunerada, com vencimentos integrais, até o seu obrigatório aproveitamento em cargo equivalente.

Na Constituição de 1988, a partir de alterações advindas da Emenda Constitucional nº 19/98, veio a obrigatoriedade de avaliação de desempenho e o prazo de 3 anos de estágio probatório para a concessão da estabilidade, conforme disposto em seu art. 41 da CF/88. Tal emenda ainda acrescentou o princípio da eficiência ao rol de princípios constitucionais que regem a Administração Pública, previstos no art. 37 da CF/88, juntando-se aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, com o objetivo de, conforme disposto em sua exposição de motivos:

recuperar o respeito e a imagem do servidor perante a sociedade: a flexibilidade da estabilidade, a introdução de mecanismos de avaliação e a possibilidade de equacionamento das situações de excesso de quadros deverão contribuir para o revigoramento da imagem do servidor público perante a opinião pública e para a assimilação de uma nova postura profissional.

3. Hipóteses de perda do cargo

De acordo com a legislação em vigor, a regra é que todo servidor é estável após um período de 3 anos de estágio probatório e de uma avaliação de desempenho. Os requisitos avaliados durante o estágio probatório estão previstos no art. 20 da Lei nº 8.112, quais sejam assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade.  Após esse período, só poderá ser demitido nos casos previstos em lei, em casos de sentença judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar, garantida a ampla defesa. Tais disposições estão previstas no art. 41 da CF/88:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

Art. 41, § 4º. Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.

Ademais, as hipótese de demissão estão previstas na Lei Federal de nº 8.112/90, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Federais, em seu art. 132:

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

I - crime contra a administração pública;

II - abandono de cargo;

III - inassiduidade habitual;

IV - improbidade administrativa;

V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;

VI - insubordinação grave em serviço;

VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;

VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;

IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;

X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

XI - corrupção;

XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

4. Finalidade da estabilidade no serviço público

A partir da análise das hipóteses de perda do cargo público, presentes no tópico anterior, nota-se que ser estável não implica possuir um escudo contra punições caso o servidor não exerça de forma adequada seu serviço.

O instituto da estabilidade fundamenta-se como uma garantia de que, desde que atue de forma correta e eficiente sua função, o servidor não perderá seu cargo, independentemente da vontade e dos arbítrios de quem ocupa cargos superiores. Sua atuação estará baseada no interesse público e não em satisfazer superior hierárquico, impedindo que os órgãos públicos atuem como fonte de nepotismo e corrupção.

Conforme disposto por Helly Lopes Meireles (2016):

Com efeito, vale lembrar que criada pela Carta de 1938, a estabilidade tinha por fim garantir o servidor público contra exonerações, de sorte a assegurar a continuidade do serviço, a propiciar um melhor exercício de suas funções e, também, a obstar aos efeitos decorrentes da mudança de governo.

No mesmo sentido, diz Celso Antônio Bandeira de Melo, que as garantias concedidas aos servidores públicos:

consistem em benefícios outorgados aos titulares de cargos, mas não para regalo destes e sim para propiciar, em favor do interesse público e dos administrados, uma atuação impessoal do Poder Público.

A estabilidade  está diretamente ligada ao princípio da continuidade do serviço público, o qual considera que, sendo o serviço público a forma pela qual o Estado desempenha funções essenciais ou necessárias à coletividade, é vedada sua interrupção. Assim, em virtude dessa garantia constitucional, não é possível a troca de ocupantes de cargos públicos a cada mudança nas chefias do executivo. 

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5. Considerações finais

Ainda que o cotidiano do funcionalismo público de fato possua situações de abusos ou ineficiências por parte dos servidores no exercício de seu trabalho, que podem não exercer suas funções adequadamente, não é razoável atribuir a resolução desses problemas ao fim da garantia constitucional da estabilidade. Nesse caso, aplicam-se as punições tipificadas no ordenamento jurídico.

Desse modo, conclui-se que a razão de existência da estabilidade do serviço público não é a concessão de privilégios, mas a garantia de desempenho impessoal do servidor, em uma aplicação direta dos princípios da eficiência e da impessoalidade, que poderá, a partir de então, atuar livre de pressões político-partidárias do governante em exercício ou temor de qualquer tipo de represália, evidenciando-se, assim, sua importância fundamental para o próprio bom funcionamento da Administração Pública.


Referências:

MOTTA, Fabricio Estabilidade de servidores na administração pública não é privilégio Disponível em:  https://www.conjur.com.br/2019-out-31/interesse-publico-estabilidade-servidores-publicos-nao-privilegio

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012

Quem ganha e quem perde com o fim da estabilidade no serviço público? Vivian Lima López Valle Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-out-06/opiniao-quem-ganha-fim-estabilidade-servico-publico

As Estabilidades do servidor público na Administração Pública brasileira: contornos jurídicos à luz do ordenamento brasileiro e da jurisprudência Disponível em: https://monografias.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/7373/1/Estabilidades%20do%20servidor%20p%C3%BAblico_Revoredo_2018.pdf

Legislação Informatizada - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19, DE 1998 - Exposição de Motivos  https://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1998/emendaconstitucional-19-4-junho-1998-372816-exposicaodemotivos-148914-pl.html

DE MELO, Celso Antônio Bandeira - Curso de Direito Administrativo - 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. https://mundopublico.fandom.com/pt-br/wiki/Estabilidade_de_Servidores_P%C3%BAblicos#:~:text=A%20primeira%20vez%20que%20o,por%20meio%20de%20processo%20administrativo

Estabilidade no Emprego e o Comportamento do Servidor Público de Municipal. Disponível em: https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos12/1201677.pdf

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. 

https://congressoemfoco.uol.com.br/economia/reforma-administrativa-vai-acabar-com-promocao-por-tempo-de-servico/

A ameaça à garantia da estabilidade no serviço público: aplicação do princípio da eficiência ou violação à preceito constitucional? BOLFARINI, Alexandre Batista  ALVES, Guilherme Amaral. Disponível em:  https://repositorio.pgsskroton.com.br/bitstream/123456789/21514/1/Revista%20Unopar%20Juridicas,%20v.2,%20n.1,%202018.pdf#page=8

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Ianca Rocha Leal. A estabilidade no serviço público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6300, 30 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85712. Acesso em: 21 nov. 2024.

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