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O profissional liberal e sua responsabilidade civil na prestação de serviços

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Resumo:


  • A responsabilidade civil dos profissionais liberais no Código de Defesa do Consumidor (CDC) é apurada de forma subjetiva, ou seja, verifica-se a culpa do profissional para determinar sua responsabilidade (art. 14, § 4º).

  • As relações de consumo envolvem elementos como consumidor, fornecedor e o serviço ou produto, sendo que o CDC estabelece direitos e princípios para proteger o consumidor, parte considerada vulnerável na relação.

  • Existem causas excludentes de responsabilidade, como a inexistência de defeito no serviço, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro e o caso fortuito ou força maior, que podem afastar a obrigação de indenizar por parte do profissional liberal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

V. Causas excludentes de responsabilidade

5.1 A inexistência do defeito no serviço prestado

A primeira causa prevista no § 3º do art. 14, que isenta o profissional de ser responsabilizado, é que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste (inc. I).

Com efeito, a existência do dano não é garantia automática da obrigação de indenizar para o fornecedor, mesmo que sua origem tenha sido apurada no serviço. É mister a presença do defeito no serviço (vide item 4.1.1).

Há, assim, uma falta de correspondência entre defeito e dano, porquanto a norma deixa evidente que a inexistência do defeito, não significa inexistência de dano para o consumidor [428]. E mesmo que haja dano, o fornecedor poderá se eximir, provando a inexistência do defeito nos serviço prestado [429].

Nesse diapasão, o Código de Defesa do Consumidor não exige que o profissional liberal (fornecedor) demonstre que o serviço prestado esteja perfeito; basta que, segundo a somatória das circunstâncias que o Código manda avaliar (§ 1º, incisos, I, II e III), o serviço não seja considerado defeituoso [430]e [431].

No mesmo sentir, Zelmo Denari [432] aduz:

Os acidentes de consumo supõem, como um "prius", a manifestação de um defeito do produto ou serviço, e como um "posterius", um evento danoso. O defeito do produto ou serviço é um dos pressupostos da responsabilidade por danos nas relações de consumo. Se o produto não ostentar vício de qualidade, ocorrerá ruptura da relação causal que determina o dano, ficando afastada a responsabilidade do fornecedor.

Portanto, restando provado que o serviço não é considerado defeituoso, fica sem relevância para o profissional, o fato de o dano existir para seu consumidor; não haverá, pois, o nexo causal.

5.2 Culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro

Prevista no inc. II, (art. 14, § 3º [433]), a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, exclui qualquer responsabilidade do fornecedor de serviço, já que o dano advém de fatores externos ao seu comportamento; é rompido o nexo causal.

Pois bem, no primeiro caso, quando se tratar da culpa exclusiva do consumidor [434], deverá este arcar sozinho com o prejuízo experimentado.

Com efeito, o saudoso Caio Mário da Silva Pereira [435], leciona que se a vítima (consumidor, no caso) contribui com ato seu na construção dos elementos do dano, o direito não se pode conservar estranho a essa circunstância.

É o caso, v.g., do consumidor que não entrega os documentos ao advogado no prazo certo e vê sua ação extinta sem julgamento do mérito, perdendo as custas anteriormente recolhidas; a pessoa que não segue as orientações do dentista e bebe água quando não podia, de modo a estragar a restauração feita; a falta de comunicação do paciente ao médico, quando o estado de saúde daquele se agrava [436].

Em relação a culpa exclusiva de terceiro, o prestador de serviços também estará exonerado [437], devendo o terceiro ser responsabilizado pelo dano ocasionado ao consumidor. Será necessário, como lembra Maria Helena Diniz [438], o nexo causal entre o dano e a ação do terceiro; uma relação de causa e efeito.

Deve-se entender por terceiro todo pessoa estranha à relação existente entre o consumidor e o prestador do serviço, relação esta que é estabelecida pela aquisição do serviço [439]. Sendo assim, não pode ser considerado como terceiro, o empregado, o estagiário, a secretária e outros que estiverem de algum modo envolvido com a prestação do serviço; tanto é, que o CDC já estabeleceu em seu art. 34 que o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus propostos ou representantes autônomos.

Outrossim, ressalta Rizzato Nunes [440] que o texto legal prevê apenas a culpa exclusiva, seja do consumidor ou de terceiro. Nesse passo, Zelmo Denari [441], em excelente escólio, anota:

A culpa exclusiva é inconfundível com a culpa concorrente: no primeiro caso, desaparece a relação de causalidade entre o defeito do produto e o evento danoso, dissolvendo-se a própria relação de responsabilidade; no segundo, a responsabilidade se atenua em razão da concorrência de culpa, e os aplicadores da norma costumam condenar o agente causador da dano a reparar pela metade o prejuízo, cabendo à vítima arcar com a outra metade.

Porém, alerta:

A doutrina, contudo, sem vozes discordantes, tem sustentado o entendimento de que a lei pode eleger a culpa exclusiva como única excludente de responsabilidade, como fez o Código de Defesa do Consumidor nesta passagem. Caracterizada, portanto, a concorrência de culpa, subsiste a responsabilidade integral do fabricante e demais fornecedores arrolados no "caput", pela reparação dos danos.

"Data maxima venia", tal entendimento não deve prevalecer.

É mister levar em consideração o comportamento do consumidor no caso de dano, pois se este também agiu de forma culposa, não deve o fornecedor arcar com todas as despesas que aquele tiver.

Ilustrando: um fisioterapeuta receita a seu cliente determinado medicamento a fim de sanar suas dores, e só; não diz nada a respeito de permanecer em repouso, o que deveria ser feito. No entanto, o paciente não tomou os remédios e, além disso, praticou atividades físicas, vindo a sentir novas dores a ponto de necessitar de cirurgia.

Como se observa, o serviço passou a ser defeituoso (art. 14), tanto pela falta de informação quanto pela não utilização do medicamento por parte do consumidor. Seria justo então o fisioterapeuta arcar com todo o dano, tendo em vista que, se o consumidor tivesse utilizado o medicamento, não mais seria necessário a cirurgia?

Tudo indica que não [442]. Ocorrendo situações em que ambos – consumidor e fornecedor – agem com culpa, não se deve desmerecer o instituto da culpa concorrente, consistente na repartição do prejuízo proporcionalmente à medida da culpabilidade dos agentes.

Malgrado o CDC não tenha disciplinado a culpa concorrente, o novo Código Civil o fez, tendo este, no caso, aplicação subsidiária, conforme analisado alhures. E assim pronunciou o Código: "Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano."

Além do mais, não admitindo a culpa concorrente o consumidor, no caso, estaria se locupletando ilicitamente, vedado pelo ordenamento jurídico pátrio (artigos 884 a 886 do Código Civil).

Por fim, aduz Rui Stoco [443], em breve comentário que, adota-se no art. 945 "critério dúctil, lógico e juridicamente correto, ou seja, cada qual responderá na medida de sua culpa".

Assim, quando ambas as partes agirem culposamente, hipótese de culpa concorrente, não deverá o prestador de serviço – fornecedor – reparar os danos de modo integral, não obstante haja opiniões em sentido diferente.

5.3 Caso fortuito e força maior

Antes mesmo de analisar o caso fortuito e a força maior é preciso analisar se eles podem ser aplicados nas relações de consumo, ou seja, se podem ser considerados como causas exonerativas de responsabilidade, especificamente no caso de fornecimento de serviços.

O § 3º do art. 14, que trata das causas excludentes de responsabilidade, não prevê as hipóteses de caso fortuito e força maior; e mais, ainda insere o advérbio "só", tudo indicando que não poderá ser acrescido qualquer outra forma de exclusão de responsabilidade, a não ser aquelas previstas (incisos I e II).

Pois bem, entende Rizzato Nunes [444] que o responsável pelo serviço não pode alegar essas causas de excludentes. Primeiro porque o advérbio "só" não deixa margens a dúvida, devendo ser aplicada somente aquelas causas previstas no § 3º - trata-se rol taxativo; segundo, por questão de risco de empreendimento.

Por outro lado, há quem admita a aplicabilidade dessas cláusulas [445]. Oscar Ivan Prux [446], um deles, assinala que o sistema tradicional não foi afastado, devendo estas serem aplicadas às obrigações do profissional liberal como fornecedores.

Nesse passo, Zelmo Denari [447], também favorável a aplicação do caso fortuito e força maior, explana:

[...] as eximentes do caso fortuito e da força maior atuam como excludentes de responsabilidade do prestador de serviços. E de uma forma muito mais intensa, por isso que podem se manifestar durante ou após a prestação de utilidade ou comodidade ao consumidor (v.g., um hospital pode se eximir de responsabilidade pelo fato do serviço, alegando corte no fornecimento de energia elétrica ocorrido durante ou após o ato operatório). Jamais, contudo, quando forem anteriores à prestação dos serviços.

Ultrapassada essa celeuma, é mister o entendimento do caso fortuito e força maior, já consagrada em nosso direito como causa de isenção da responsabilidade.

Inicialmente, Arnaldo Medeiros da Fonseca, citado por Rui Stoco [448], entende que essas expressões são sinônimas, não havendo necessidade de distingui-las; de fato, o Código Civil também não as distingue (art. 393). Apenas a doutrina a faz, já que na prática os efeitos são os mesmos.

Na força maior [449] há um elemento humano, ação das autoridades ("factum principis"), como o furto, o roubo, a desapropriação. Já o caso fortuito [450] é o acontecimento natural, derivado da força da natureza, ou do fato das coisas, como o raio, a inundação, o terremoto ou temporal [451].

Carlos Roberto Gonçalves [452], enumera três requisitos para a configuração dessas causas, a saber: a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor, pois, se há culpa, não há caso fortuito, e reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa, na medida em que um exclui o outro; b) o fato deve ser superveniente e inevitável, e; c) o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano.

Por seu turno, Maria Helena Diniz [453], em consonância com os requisitos especificados, aduz que, se a impossibilidade de cumprir a obrigação se der sem culpa do devedor, aplica-se o caso fortuito e a força maior, sendo que, nesse caso, não poderá o credor pleitear qualquer espécie de ressarcimento, cessando a obrigação. A "contratio sensu", se a obrigação não puder ser cumprida por fato imputável ao devedor, porque este agiu culposamente, não há que se falar de caso fortuito ou força maior.

De mais a mais, como bem lembra Teresa Ancona Lopez [454], em se tratando de relação de consumo, deverá o fortuito interno, que é ligado à atividade do fornecedor, ser absorvido por este. Melhor explicando: o dano que se originou de caso fortuito relacionado a atividade do profissional (fornecedor) não servirá de excludente ao seu favor (um instrumento cirúrgico, essencial no caso, que não funcione durante o ato operatório e que por falta de utilização deste, o paciente vem a falecer).

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Por fim, essas causas excludentes de responsabilidade deverão ser devidamente comprovadas e examinadas de modo minucioso pelo órgão judicante, forte no fato de importarem exoneração do fornecedor, deixando o consumidor (lesado) sem reparação do dano sofrido.

5.4 Cláusula de não indenizar

As cláusulas de não indenizar, também chamadas de cláusulas de irresponsabilidade, são normalmente inseridas nos instrumentos contratuais, sob a alegação de serem permitidas pelo direito que as partes têm de estipular o que lhes convierem ("pacta sunt servanta"), salvo se ferir norma de ordem pública ou os bons costumes. E de fato é.

De modo bastante claro, Carlos Roberto Gonçalves [455] a define como sendo o "acordo de vontades pelo qual se convenciona que determinada parte não será responsável por eventuais danos decorrentes da inexecução ou de execução inadequada do contrato".

Porém o Código de Defesa do Consumidor vedou sua estipulação. Em outras palavras, não será permitido que as partes adotem a cláusula de não indenizar, pois, na verdade, estariam renunciando eventual direito de reparação; e isso vem prescrito no art. 25 do CDC, que veda qualquer estipulação contratual de cláusulas que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar.

Nesse diapasão o art. 51, inc. I, primeira parte, do mesmo Diploma, trata esse tipo de cláusula, caso inserida no contrato, como abusiva, sendo nula de pleno direito.

Outrossim, as normas elencadas no CDC são de ordem pública (art. 1º) não podendo, assim, ser afastadas pela vontade das partes [456].

Com bastante propriedade, Antônio H. de Vasconcelos e Benjamin [457], ao analisar a vedação dessas cláusulas, destaca:

Trata-se de uma conseqüência lógica da força e hierarquia das normas do CDC, que são de ordem pública (art. 1º do CDC), logo, indisponíveis. Dogmaticamente, este dever de indenizar, imposto sem possibilidade de exclusão contratual e regulado detalhadamente em lei, surge como decorrência da necessidade de repartir os riscos da vida social.

Há, contudo, apenas uma exceção, prevista na segunda parte do inc. I, art. 51 do CDC. Ocorre nos casos em que o consumidor for pessoa jurídica. Nesse caso poderá ser limitado o "quantum" indenizatório em situações justicáveis, cabendo a magistrado decidir pela sua possibilidade [458]. Note-se: apenas limita, não exonera o fornecedor.

De mais a mais, é mister estar alerta a todas as cláusulas inseridas nos contratos, pois algumas, embora não exonerativas, acabam por restringir os deveres do fornecedor, que acabam produzindo efeitos idênticos ou assimilados aos das cláusulas de não indenizar [459].

5.5 Da decadência e da prescrição

Ocorrida determinada situação, mormente naquelas em que há violação de algum direito, como nos casos de dano, surge para a parte lesada um prazo para apuração e constituição de eventual direito, sob pena de decadência, ou seja, de caducidade do respectivo direito. E o propósito é simples: "não interesse ao Direito que se eternize a faculdade de o titular da relação jurídica poder constituir, em definitivo, o respectivo direito subjetivo [460]".

Com efeito, duas maneiras de se obstaculizar essa perpetuação do direito são a decadência e a prescrição e, embora semelhantes, não se confundem, a não ser ontologicamente [461].

Pois bem, em relação aos efeitos desses institutos, Silvio Rodrigues [462] elucida que é possível traçar a seguinte diferença: a prescrição é suscetível de ser interrompida e não corre contra determinadas pessoas; já os prazos de decadência fluem inexoravelmente contra quem quer seja, nem se suspendendo nem se interrompendo.

No mais, o autor citado ainda as difere pelo fato de que na prescrição o que perece é a ação que guarnece o direito, enquanto na decadência é o próprio direito que fenece [463].

Por outra banda, Clóvis Beviláqua [464], com o brilhantismo de sempre anota:

A prescrição suspende-se, interrompe-se, e é uma conseqüência da inércia do titular do direito; a decadência, ou caducidade, resulta, simplesmente, do decurso do tempo, porque o direito já nasce com esse destino de extinguir-se num lapso limitado de tempo, se dentro dele não for posto em atividade.

Tais institutos – decadência e prescrição – também foram previstos no CDC, sendo que o art. 26 trata dos prazos decadenciais relacionados aos vícios, e o art. 27 do prazo relativo a prescrição, quando o dano resultar do fato do produto ou serviço.

Pois bem, o art. 26 estabelece que o consumidor terá o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação, nos prazos abaixo demonstrados, sob pena de caducidade:

- 30 dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis (inc.I);

- 90 dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis (inc. II).

Os vícios aparentes, mencionados no "caput", são aqueles perceptíveis a olho nu, de modo que o consumidor possa detectá-lo sem maiores esforços, por mais leigo que seja. Já os vícios de fácil constatação são aqueles percebidos pelo consumidor, pelo singelo uso e consumo [465].

E o serviço durável e o não-durável? O primeiro, segundo Rizzato Nunes [466], deve ter continuidade no tempo em decorrência de uma estipulação contratual ou legal – o médico ou um psicanalista contratado para acompanhar diariamente um paciente; ou que deixe um resultado, um produto final relativo ao serviço executado após sua prestação – v.g., o técnico em eletrônica que conserta determinado aparelho do consumidor, o dentista que realiza restauração [467] nos dentes do cliente. Por sua vez, o serviço não-durável, é aquele que se extingue uma vez prestado [468] (a tradução de um texto por um professor, a realização de um contrato de locação por parte do advogado).

O início da contagem dos prazos decadenciais mencionados (90 ou 30 dias) se dá a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços (§ 1º, art. 26), ressalvado os casos vício oculto, cuja contagem se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito (§ 3º).

O já festejado Rizzato Nunes [469], leciona que o problema será oculto quando não puder ser o mesmo verificado no mero exame do produto ou serviço e, ainda, quando não estiver provocando a impropriedade ou inadequação ou diminuição do valor do produto ou serviço.

Outrossim, Antônio H. de Vasconcelos e Bejamin [470] ressalta, de maneira inconteste, que os prazo somente começa a fluir quando o consumidor tiver ciência do dano e de sua autoria, cumulativamente, não bastando o conhecimento apenas do dano.

No mais, o prazo decadencial pode ser obstado em duas hipóteses:

- quando o consumidor formula, comprovadamente, reclamação perante o fornecedor de produtos ou serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca (§ 2º, inc. I), ou;

- até o encerramento de inquérito civil [471], se instaurado (§ 2º, inc. II).

No entanto, "obstar" deve ser entendido como suspensão ou interrupção do prazo? Apenas para recordar, a suspensão paralisa o tempo decorrido, de modo que, terminada a suspensão, o prazo retoma seu curso, aproveitando o tempo decorrido; "a contrario sensu", a interrupção inutiliza todo o tempo decorrido, devendo o prazo ser contado novamente por inteiro.

Nesse passo, Zelmo Denari [472] assinala que "parece intuitivo que o propósito do legislador não foi interromper, mas suspender o prazo decadencial".

É possível também que os prazos estabelecidos no art. 26 possam ser alterados; contudo, com uma condição: devem ser mais vantajosos aos consumidores, ou seja, superiores ao legal.

D’outra feita, o art. 27 do CDC prevê que prescreve em 5 anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou serviço [473] (artigos 12 a 17). Assinala ainda o CDC que inicia-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Por seu turno, ainda em relação a prescrição, o Código Civil destaca em seu art. 189 que violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição. Nesse sentir, Carlos Roberto Gonçalves [474] em escólio alerta que "prescrita a pretensão à reparação de danos, fica afastada qualquer possibilidade de recebimento de indenização".

Segundo Rui Stoco, surgiram algumas controvérsias com a entrada em vigor do novo Código Civil sobre qual prazo deveria ser aplicado: o novo previsto no Código Civil ou o previsto no CDC, lei anterior no caso?

Contudo, tal celeuma não merece prosperar e a resposta é simples. Embora o Código Civil seja posterior ao CDC, ele é norma geral (não disciplina a relação de consumo), ao passo que o CDC é especial. Nesse diapasão o § 2º, art. 2º da Lei de Introdução do Código Civil deixa expresso que a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, nem revoga nem modifica lei anterior.

Com a pertinência de sempre, Stoco [475] pondera que deve "prevalecer a disposição da lei especial e obedecer-se aos prazos de decadência e prescrição ali preconizados, pois não se pode fazer tabula rasa para negar validade ao princípio da lei das leis (LICC)".

De mais a mais, o prazo previsto no Código Civil é inferior àquele previsto no CDC, porquanto estabelece o interregno de 3 anos para que o sujeito titular do direito subjetivo exerça sua pretensão de reparação civil.

Deveras, os prazos de decadência e prescrição a serem observados são aqueles definidos no próprio CDC (artigos 26 e 27).

5.6 O seguro de responsabilidade civil e seu aspecto social

"Ab initio", duas ressalvas merecem ser feitas: a uma, é que o seguro de responsabilidade civil não é causa excludente de responsabilidade – embora seja tratado no presente capítulo –, é apenas uma garantia da reparação de eventual dano; a duas, é que não se analisará os aspectos jurídicos do seguro (legitimação passiva, possibilidade de denunciação da lide, a culpa do profissional, entre outros), pois tal tema merece estudo aprofundado, norteado por outros propósitos.

Pois bem, como já analisado no decorrer do trabalho, o profissional liberal poderá atuar de diversas maneiras, nos mais variados segmentos. Desse modo, durante o exercício de sua profissão, poderá lesionar os bens que estejam ao seu cuidado, podendo o dano ser revertido, voltando-se ao "statu quo ante", ou não. Em ambos os casos, o lesado pode, em tese, ajuizar ação de reparação civil visando o ressarcimento.

Ocorre, porém, que, quando ajuizada demanda judicial, o valor pleiteado pelo lesado, seja a título de dano material, moral ou estético, é, por vezes, de valor elevado, o que impossibilita o profissional liberal de reparar o dano, pois o valor em que foi condenado está além de suas possibilidades. E mais, o ressarcimento do dano poderia até gerar a insolvência ou a falência do profissional.

Diante disso, uma das maneiras de garantir a reparação dos danos e não sujeitar o lesante (profissional liberal) aos meandros de uma indenização milionária, é a contratação, por este, de um seguro de responsabilidade civil.

Essa espécie de seguro ainda não tem muita aceitação por parte dos profissionais liberais [476] e também não é muito difundido entre eles, malgrado date de longa data, tendo sido originado no direito comercial, especificamente na área marítima, expandindo e consolidando-se somente no final do século passado, não obstante a existência de casos isolados anteriores [477].

Com efeito, o professor português Diogo José Paredes Leite de Campos [478] adota a noção de que esta espécie de seguro "é um contrato pelo qual a seguradora garante o segurado contra os danos resultantes, para o patrimônio deste, dos pedidos de indenização baseados em responsabilidade civil contra ele representados por terceiro".

Com a mesma sapiência, mas com palavras distintas, Maria Helena Diniz [479], ao tecer comentários sobre esse tipo de seguro, aduz que ele transfere para a seguradora a obrigação de pagar as perdas e danos decorrentes de ato lesivo do segurado, liberando-o, assim, do risco de ser responsável pelo ressarcimento dos prejuízos que causou, mantendo a integridade de seu patrimônio.

Já é praxe entre os médicos dos Estados Unidos da América, contratar seguros específicos contras as conseqüências que possam advir da má realização de seus serviços, lá conhecido como "medical malpractice" [480].

Deveras, os seguros de responsabilidade civil visam a reparação do dano cometido pelo lesante, evitando que o consumidor deixe de ser ressarcido.

Por outro lado, esse seguro tem um preço. Devido aos altos valores financeiros a que os profissionais são obrigados a pagar, em razão de condenação judicial, principalmente aqueles relacionados a área médica, o custo de contratação de um seguro é muito elevado. Esse é um dos motivos pelo qual o profissional não realiza esse tipo de seguro.

Porém, quando os contrata, vai buscar repassar o custo aos consumidores, aumentando o valor cobrado pelos serviços. E com isso surge o segundo motivo, já que o profissional que contrata o seguro irá cobrar mais caro pelo serviço [481], ao passo que aquele que não contratou seguro algum, poderá cobrar menos pelos serviços prestados. E quem, diante da atual conjuntura econômica do país, o consumidor irá escolher?

Eunice Lippmann [482] sustenta ainda que a rejeição do seguro entre os profissionais liberais se dá porque estes argumentam que sua contratação pode induzir a processos, ou mesmo a uma confissão de culpa.

De mais a mais, cabe lembrar que a contratação de um seguro de responsabilidade civil não irá eximir o profissional de responder pelos seus atos na esfera administrativa (Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Federal de Medicina, por exemplo) e até mesmo na área penal.

Conclui-se, portanto, que uma das alternativas para se resolver de modo menos traumático o problema da indenização entre os envolvidos é o seguro de responsabilidade civil. Mas para que haja essa contratação, é preciso que o profissional pondere os custos, já que o benefício, em caso de condenação em alguma lide, é cristalino.

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Sobre o autor
Luís Fernando Barbosa Pasquini

advogado em Araçatuba (SP), especializando em Direito Processual pela UniToledo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASQUINI, Luís Fernando Barbosa. O profissional liberal e sua responsabilidade civil na prestação de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1095, 1 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8574. Acesso em: 23 dez. 2024.

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