Neste brevíssimo ensaio, talvez mais um mero comentário, não trato de um assunto jurídico.
Mesmo, assim, ouso aproveita-lo em um espaço dedicado ao estudo e ao fomento das coisas do Direito.
E o faço em boa-fé, pois acredito que a ideia nuclear do texto pode e deve ser aproveitada por todos os profissionais do Direito, especialmente os advogados.
Espero estar certo e que o texto possa, de algum modo, ser útil ao amigo leitor.
Vamos lá!
Sempre gostei da figura do ferreiro.
O fogo, o martelo, a bigorna, o bronze, o ferro e o aço trabalhados vigorosamente.
Um figura carregada de símbolos fortes.
A forja! Algo tão poderoso que um santo a usou para intitular um dos seus livros.
Descobri que existe um programa do HC chamado “Desafio sob Fogo”.
Por mera curiosidade e por simpatia ao ofício, resolvi assisti-lo
Gostei e assisti alguns episódios.
Não me arrependi. Muito pelo contrário!
As armas produzidas e as explicações técnicas da metalurgia são interessantíssimas, mas não são as estrelas do programa.
Não!
As estrelas são os ferreiros. Seus comportamentos.
Ao contrário de outros “reality shows” competitivos, os participantes desse não são arrogantes, presunçosos, caricatos.
Não confundem competitividade com idiotice.
Que aqui não se entenda um comentário maldoso, mas parecem mais europeus do que americanos.
Não vi nenhum participante com aqueles vícios da subcultura “winner” que inunda o tempo atual.
São discretos, gentis, polidos.
Nunca entregam uma lâmina convictos que fizeram um trabalho impecável.
Confiam na sua arte, mas reconhecem imperfeições.
Quando um problema é apontado por um jurado, aceitam dignamente.
Os eliminados não reclamam, não afirmam serem melhores.
Mais: sempre que a arma de um é testado com êxito e brilha nas mãos de um jurado, todos os competidores vibram.
Parece que sabem a dificuldade do trabalho e por isso torcem uns pelos outros.
Quem vence, não se vangloria. Quem perde, não pragueja ou se julga injustiçado.
A postura de cada competidor é uma catequese comportamental.
Ao observador atento, um entretenimento com estofo educativo.
Os jurados são muito elegantes. Não humilham quem se sai mal e externam a alegria quando seguram uma peça magnífica.
Ouso pensar que isso tem muito a ver com o trabalho em si.
Se existe um DNA cultural, este realmente se faz presente no mundo dos ferreiros.
Desde os tempos antigos, ferreiros moldam sociedades.
Na Idade Média, os grandes cavaleiros dependiam dos ferreiros.
Suas espadas poderosas e suas armaduras reluzentes foram feitas por homens modestos, trabalhadores.
As crônicas e canções louvando os feitos heróicos dos cavaleiros foram escritas nas forjas dos ferreiros.
O ferreiro em silêncio, cercado de calor, malhando ferro incandescente, fatigando músculos e suando picas, ouvindo o repicar agressivo e monótono das marteladas, forjou heróis, ajudou a vencer batalhas, participou da história.
Talvez o mundo não lhe renda o devido tributo. Talvez seu valor seja subdimensionado. Talvez!
Sua importância, porém, é inegável.
Certa vez, em Florença, uma estátua chamou minha atenção. Um nobre portando uma espada com a inscrição: “não me empunhar sem valor”.
Excelente frase.
O valor de quem empunhou aquela espada começou a se formar na mão de quem a fez.
Uma espada temperada e bem forjada pode ou não ser empunhada por um homem de valor. De nada adianta, entretanto, ao homem de valor defender a justiça e a verdade se a espada empunhada quebrar ao primeiro entrechoque.
Uma bela metáfora para nossas vidas, não?
O ferreiro nos mostra aquilo que todo o mundo sabe, mas que acaba por esquecer muitas vezes: uns dependemos dos outros. E por isso temos que ser gratos, muito, aliás.
Nenhum homem é uma ilha, afirmou Thomas Merton. Certíssimo! Todo homem depende de outro e a grandeza de um se mede pela de outro, complementarmente.
Lembrar disso é importante não apenas para esvaziar o ego e combater a auto-idolatria: é importante para vivermos com profunda consideração aos que nos cercam.
A pedagogia do ferreiro é muito boa e em vários sentidos.
Trabalhos perfeitos feitos por homens que não se julgam brilhantes.
Esse jeito de ser é possivelmente o que o faz trabalhar bem e produzir peças de arte.
Não se trata de não reconhecer o próprio valor. Trata-se de saber exatamente quem se é e o que se pode fazer.
Trata-se de conhecer a si mesmo e não se apequenar nem se ensoberbecer.
Trata-se de viver de modo vigilante e equilibrado. Trata-se de viver imerso na forja e de martelar a si mesmo para a conquista da excelência.
Que Deus me permita lembrar disso sempre. Permita-me ser um advogado com coração de ferreiro. Um homem que trabalha de modo aparentemente rude, mas fabrica a sofisticação. Um homem elegante, sem sinais de afetamento.
Enfim, um homem que na bigorna deixa esmigalhados seus defeitos e expõe ao mundo o seu melhor. Um homem despido de penduricalhos desordenados.