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Responsabilidade civil dos administradores de instituições financeiras

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09/07/2006 às 00:00
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4. CONCLUSÕES

A despeito dos principais argumentos da teoria subjetivista e da excelência de seus prolatores, parece assistir maior razoabilidade àqueles que advogam a tese da responsabilização objetiva dos administradores de instituições financeiras, seja pelo confronto entre o art. 40. da Lei nº 6.024/74 e as regras gerais vigentes no ordenamento jurídico pátrio, seja pela interpretação histórica e lógica de tal dispositivo, seja pelos fundamentos de eqüidade.

Tendo em vista todos esses argumentos, a despeito da responsabilização solidária e objetiva eventualmente dar azo a iniqüidades, tudo indica que essa interpretação do art. 40. da Lei nº 6.024/74 é a que melhor se presta à solução de conflitos, levando em conta a natureza das atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras – a captação de economia popular. A jurisprudência pátria, com efeito, sempre adotou pacificamente tal entendimento, que agora encontra maior respaldo e deve se consolidar com o advento do Novo Código Civil, em especial no seu art. 927, parágrafo único, que, como visto, "transfere para a jurisprudência a conceituação de atividade de risco no caso concreto".


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Sumário: 1. Introdução. 2. Entendimento pela responsabilidade subjetiva dos administradores de instituições financeiras. 3. Entendimento pela responsabilidade objetiva dos administradores de instituições financeiras. 4. Conclusões. Bibliografia Consultada


1. INTRODUÇÃO

O interesse pelo desenvolvimento do presente tema – a responsabilidade civil dos administradores de instituições financeiras – decorre da farta divergência existente sobre ele na doutrina e das prováveis contribuições que serão trazidas pelo Novo Código Civil para que sejam dirimidas tais divergências doutrinárias.

As instituições financeiras, por desenvolverem atividades da maior relevância para a vida econômico-financeira do país, ao lidarem com a captação de economia popular, encontram-se submetidas a uma legislação especial, que é a Lei 6.024/74, que regula a intervenção e a liquidação extrajudicial a que estão sujeitas tais instituições.

O referido Diploma Legal regula, em seus arts. 39. e 40, a responsabilidade dos administradores de instituições financeiras, prevendo, in verbis:

Art. 39. – Os administradores e membros do Conselho Fiscal de instituições financeiras responderão, a qualquer tempo, salvo prescrição extintiva, pelos atos que tiverem praticado ou omissões em que houverem incorrido.

Art. 40. – Os administradores de instituições financeiras respondem solidariamente pelas obrigações por elas assumidas durante sua gestão, até que se cumpram.

Parágrafo único. A responsabilidade solidária se circunscreverá ao montante dos prejuízos causados.

O artigo 39 restringe a responsabilidade dos administradores – membros do conselho de administração e diretores, no caso de sociedade anônima, e sócios-gerentes, no caso de sociedade limitada – e conselheiros fiscais aos seus "atos ou omissões". Em Direito, como é cediço, atos ou omissões são sempre considerados expressões da vontade, implicando uma análise de cunho subjetivo. Assim, não há dúvida de que a responsabilidade prevista no artigo 39 exige a comprovação da culpa do administrador ou conselheiro fiscal.

As dúvidas surgem, entretanto, na interpretação do artigo 40, que encerra a conhecida "responsabilidade especial" dos administradores de instituições financeiras, que é a responsabilidade solidária desses pelas obrigações assumidas em nome da instituição – é aquela que exsurge quando da existência de passivo a descoberto na instituição. Nessa hipótese, quando a instituição financeira experimenta prejuízo, discute-se qual deve ser a extensão da responsabilidade dos seus administradores – se subjetiva, com a perquirição de dolo ou culpa, ou se objetiva, fundada no risco criado pela atividade financeira no mercado.

Antecipamos, desde já, que, em pesem os argumentos e o renome daqueles que defendem a responsabilidade subjetiva, perfilhamos o entendimento de que a responsabilização dos administradores de instituições financeiras, na hipótese do artigo 40 da Lei 6.024/74, deve se dar de forma solidária e objetiva, especialmente agora com as inovações trazidas pelo atual Código Civil em vigor.

Contudo, antes de expormos os argumentos pela responsabilização objetiva, cumpre-nos analisar os argumentos mais comuns e relevantes expendidos pelos doutrinadores que entendem de forma diversa, interpretando o artigo 40 da Lei 6.024/74 pela responsabilização subjetiva dos administradores das instituições financeiras.


2. ENTENDIMENTO PELA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

Observe-se, em primeiro lugar, que aqueles que advogam a tese da subjetividade entendem que os artigos 39 e 40 da Lei 6.024/74 devem ser interpretados conjuntamente, na medida em que seriam complementares na definição do regime jurídico da responsabilidade dos administradores de instituições financeiras.

O artigo 39, como visto, por restringir a responsabilidade dos administradores aos seus "atos ou omissões", implica uma análise de cunho subjetivo, de sorte que não há dúvidas de que a responsabilidade nele prevista exige a comprovação da culpa do administrador ou conselheiro fiscal. Sobre isso não pairam maiores questionamentos.

Entretanto, por outro lado, os doutrinadores que defendem a subjetividade da responsabilização entendem que o artigo 40, da mesma forma que o artigo 39, ao estabelecer a responsabilidade solidária dos administradores pelas obrigações contraídas em nome da instituição financeira, só pode estar se referindo às obrigações assumidas em virtude dos atos ou omissões praticados. Não se trataria de solidariedade por todas as obrigações assumidas pela instituição financeira, mas sim de solidariedade pelas obrigações que foram assumidas pela instituição em virtude de atos ou omissões deste ou daquele administrador.

Tal interpretação é propugnada por Arnoldo Wald e Werter Faria, in verbis:

"Na realidade, os arts. 39. e 40 se complementam e devem ser interpretados conjuntamente. O primeiro trata de responsabilidade pelos atos e omissões praticados pelo administrador. O segundo, ao estabelecer a responsabilidade solidária do diretor pelas obrigações assumidas pela instituição, durante a sua gestão, o faz partindo do pressuposto de terem sido tais obrigações decorrentes de atos ou omissões do administrador. Tanto assim é que o próprio artigo 40, no seu parágrafo único, estabelece um limite a essa responsabilidade, que é o montante dos prejuízos causados"

("A Culpa e o Risco como Fundamentos da Responsabilidade Pessoal do Diretor do Banco", in Revista de Direito Mercantil,Vol. 24, p. 36);

" No art. 39. da Lei 6.024 a responsabilidade é pelos atos e omissões no exercício das funções de administrador das instituições financeiras, em caso de intervenção ou liquidação extrajudicial, e não pelo risco da gestão.

A responsabilidade estabelecida no art. 40. também não procede do risco. Os administradores das instituições financeiras respondem solidariamente com a sociedade pelas dívidas contraídas durante a sua gestão. A alusão a atos de gestão (assunção de obrigações em nome da pessoa jurídica) igualmente não autoriza que se dissocie a responsabilidade da culpa"

(Liquidação Extrajudicial, Intervenção e Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1985, apud Newton De Lucca, "A Responsabilidade Civil dos Administradores das Instituições Financeiras, Revista de Direito Mercantil, Vol. 67, p. 33. e 34).

Assim, segundo tal entendimento, ambos os dispositivos tratariam de responsabilidade subjetiva dos administradores de instituições financeiras, sendo que a diferença entre ambos não diria respeito à natureza da responsabilidade prevista, mas sim à hipótese em que se dá a responsabilização.

O artigo 39 cuidaria da responsabilidade dos administradores perante a própria instituição financeira. Vale dizer, por ele, responderiam os administradores pelos atos ou omissões culposos que acarretassem prejuízos à instituição, ainda que tais atos não gerem prejuízos a terceiros – essa é, de fato, a interpretação correta do dispositivo.

O artigo 40, por seu turno, trataria da responsabilidade dos administradores perante terceiros, estabelecendo, então, a solidariedade pelas obrigações assumidas em nome da instituição por meio de atos dos administradores. E como esse dispositivo legal circunscreve a solidariedade dos administradores aos "prejuízos causados", a Lei obrigaria o intérprete a perquirir a relação de causalidade entre os atos ou omissões de cada administrador e os prejuízos decorrentes de cada um desses atos (cf. Arnoldo Wald, ob. cit., p.36).

Nessa esteira de idéias, aduz-se com freqüência na doutrina quatro argumentos que estariam a corroborar tal interpretação.

O primeiro é decorrente do confronto entre esses dispositivos e as regras gerais vigentes no ordenamento jurídico pátrio. O segundo é de ordem histórica, fundado na interpretação dada pelos Tribunais pátrios aos diplomas legais que precederam a Lei 6.024/74. O terceiro é de ordem lógica, uma vez que ao se entender de forma diversa estar-se-ia gerando uma antinomia insuperável entre os artigos 39 e 40. Finalmente, o quarto é fundado na eqüidade. Cumpre, pois, examinar cada um desses argumentos.

A primeira linha de argumentação, que, como veremos, enfraqueceu-se bastante com o advento do Novo Código Civil, parte da premissa de que a regra geral no ordenamento pátrio é a da responsabilidade subjetiva. Assim, a responsabilidade objetiva seria exceção, devendo ser prevista de forma expressa e inequívoca para que fosse afastada a regra geral, o que segundo a doutrina subjetivista não ocorre pelo art. 40. da Lei 6.024/74.

Além disso, outra regra geral do ordenamento jurídico brasileiro que não estaria sendo observada seria a da separação entre a pessoa jurídica e seus membros, regra essa enfatizada pelo artigo 158 da Lei de Sociedades por Ações, ao estabelecer que "o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão".

Tal regra, assim como a da responsabilidade subjetiva, comportaria exceções, desde que analisadas sempre com muito cuidado e interpretadas de forma restritiva.

Adotar a teoria da responsabilidade objetiva seria, por essas razões, excepcionar, a um só tempo, as duas regras gerais supra mencionadas, afastando-se a responsabilidade subjetiva em prol da objetiva e ignorando a distinção entre a pessoa jurídica e seus membros.

Entende-se, assim, que, se inserta a responsabilidade civil dos administradores de instituições financeiras no quadro maior do ordenamento jurídico em que está situada, seria inevitável a conclusão de que o art. 40. da Lei 6.024/74 adota a teoria da subjetividade.

Essa a interpretação defendida por José Luiz Bulhões Pedreira:

"a responsabilidade dos administradores de instituições financeiras não está regulada exclusivamente pelo art. 40. da Lei 6.024, mas, simultaneamente, pelo regime da Lei de Sociedades por Ações e pelo Código Civil; e como o ordenamento jurídico é um sistema e não um agregado de normas, a interpretação sistemática da legislação em vigor, sem a qual não há interpretação jurídica, conduz necessariamente, à conclusão de que a responsabilidade de cada administrador é pessoal, e que ele só é solidário nas obrigações assumidas pela instituição financeira durante a sua gestão até o montante dos prejuízos que tenha causado, por ato seu, próprio, praticado com culpa ou dolo"

(in Jornal do Comércio, dias 29 e 30.7.79, apud Newton De Lucca, "A Responsabilidade Civil dos Administradores das Instituições Financeiras, Revista de Direito Mercantil, Vol. 67, p. 33).

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O segundo argumento da teoria subjetivista, como antes apontado, é de ordem histórica. Isso porque entende-se que o artigo 39 manteve a mesma redação da segunda parte do parágrafo 1º do artigo 1º do Decreto-Lei nº 48/66 e o artigo 40 foi praticamente reproduzido de forma idêntica ao artigo 2º da Lei nº 1.808/53, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 42 da Lei nº 4595/64, sendo certo que, de acordo com a interpretação que era atribuída a tais dispositivos no regime anterior, a responsabilidade dos administradores de instituições financeiras dependia da comprovação de culpa ou dolo em seus atos de gestão.

Tal interpretação contava com a adesão, dentre outros, de San Tiago Dantas, Vicente Ráo, Carlos Medeiros da Silva e Wilson do Egito Coelho (cf. Arnoldo Wald, ob. cit.).

O terceiro argumento consubstancia-se na alegação de que, ao se interpretar no sentido da responsabilidade objetiva, gerar-se-ia uma antinomia insuperável entre os artigos 39 e 40 da Lei nº 6.024/74, uma vez que não seria logicamente possível supor que a responsabilidade dos administradores de instituições financeiras fosse, a um só tempo, de natureza objetiva (art. 40) e de natureza subjetiva (art. 39).

O quarto argumento, bastante comum dos subjetivistas, é de que a adoção da responsabilidade objetiva dos administradores de instituições financeiras poderia produzir situações de patente iniqüidade, de sorte a responsabilizar, além dos administradores que tivessem efetivamente levado a instituição a uma situação de insolvência, também aqueles que tivessem agido com idoneidade, dentro do parâmetro de homem ativo e probo. Mais uma vez, conforme o Professor Bulhões Pedreira:

"a responsabilidade coletiva e sem culpa, pelo fato do exercício do cargo de administração de uma sociedade anônima, é solução iníqua, incompatível com a ordem jurídica e com o sentimento de justiça dos nossos Juizes"

(in Jornal do Comércio, dias 29 e 30.7.79, apud Newton De Lucca, "A Responsabilidade Civil dos Administradores das Instituições Financeiras", ob. cit.).

Curioso, notar, por fim, além desses quatro principais argumentos da doutrina subjetivista, o peculiar entendimento de Fábio Ulhoa Coelho de que "as diferenças entre o regime geral de responsabilidade civil dos administradores e o específico dos de instituições financeiras, na verdade, não dizem respeito à natureza ou extensão da obrigação, mas exclusivamente à apuração e efetivação da responsabilidade".

Prosseguindo em sua argumentação, ressalta que

"a norma em foco [art. 40. da Lei nº 6.024/74] não atribui responsabilidade aos administradores por todos os danos provocados pelo mal desempenho de suas funções. Atribui-a, unicamente, se das ações ou omissões do administrador resultarem obrigações para os bancos. Deve haver, portanto, para a incidência da norma responsabilizadora, um liame entre determinado ato de má administração e certa obrigação da instituição financeira, que a tenha prejudicado, para que exsurja o vínculo de solidariedade".

Por fim, arrematando seu raciocínio, conclui o mesmo jurista que

"são idênticas as responsabilidades dos administradores de instituições financeiras e dos de qualquer sociedade anônima. As diferenças existem só na apuração e efetivação dessas responsabilidades. Enquanto, como visto, na sociedade anônima em geral, cabe basicamente à assembléia apurar se determinado administrador descumpriu qualquer dever, e se houve dano para a sociedade em virtude disso, na instituição financeira falida, em liquidação extrajudicial, sob intervenção ou em regime de administração especial temporária, a apuração da responsabilidade dos administradores é feita pelo Banco Central, por meio do inquérito (Lei n. 6.024/74, art. 41)"

("Curso de Direito Comercial", 5ª ed., 2º vol., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 268/271).

Esses são, em síntese, os principais argumentos aduzidos na tentativa de se caracterizar a responsabilidade dos administradores de instituições financeiras como de natureza subjetiva. Em que pese, contudo, a plausibilidade dos referidos argumentos e a excelência de seus prolatores, entendemos diversamente pela responsabilização objetiva, com escólio nas lições de juristas do mesmo jaez dos anteriormente citados. Temos a pretensão, inclusive, de nessa oportunidade dar algum reforço a esse entendimento, trazendo à baila as inovações legislativas do atual Código Civil em vigor, especialmente no que tange ao seu artigo 927, parágrafo único.

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Sobre o autor
Mario Luiz Elia Junior

advogado em São Paulo (SP), especialista em Direito de Empresa pela USP, especializando em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELIA JUNIOR, Mario Luiz. Responsabilidade civil dos administradores de instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1103, 9 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8623. Acesso em: 5 dez. 2025.

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