O presente artigo busca comentar o regramento da execução da pensão ante o dever de constituição de capital em garantia do pagamento: trata-se de um breve comentário à Súmula nº 313 do Superior Tribunal de Justiça e à sua superação face à Lei 11.232, que revogou o art. 602 e introduziu o art. 475-Q e § 2º no Código de Processo Civil.
A referida súmula 313 teve a seguinte redação:
"Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado."
(STJ, Súmula 313, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25.05.2005, DJ 06.06.2005 p. 397).
O antigo regramento e a edição da s. 313 STJ
Editada há um ano, a súmula 313/STJ externou a definitiva posição daquela Corte sobre a garantia de pagamento de indenização continuada, denominada "pensão". Em relação ao pensionamento, a expressão, por si só, remete à obrigação de pagamento periódico de um determinado valor a alguém. Sendo de cunho alimentar, é óbvia a periodicidade mensal da obrigação. Por este simples fundamento, será sempre salutar a constituição de capital com o intuito de se garantir a efetividade do cumprimento de obrigação de trato sucessivo.
Dos precedentes citados pela Segunda Seção do STJ para edição da súmula, consta no RESP n. 416.846/SP que a Jurisprudência antecedente à edição da súmula admitia a substituição de garantia por inclusão na folha de pagamento, em se tratando de ‘grandes empresas’, com robustez financeira.
A superação deste entendimento deu-se por notáveis experiências de ‘grandes empresas’ que se esfumaçaram com o passar do tempo e, face à realidade econômica do Brasil e a dinâmica do mercado, a referida substituição da garantia por inclusão em folha de pagamento passou a ser rejeitada para dar lugar à exigência da constituição de capital ou caução fidejussória, "independentemente da situação financeira do demandado".
Transcreve-se trecho do voto do em. Ministro Castro Filho:
"No que se refere à violação aos artigos 20, § 5.º, e 620, do Código de Processo Civil, a empresa afirma que a constituição de fundo de capital para garantir o pensionamento tornará inexeqüível sua atividade e requer a inclusão dos credores em sua folha de pagamento, de forma a tornar a execução menos gravosa. Cita precedente deste Tribunal (REsp n. 20.716 – DJ 30.08.93) afirmando ser possível a inscrição dos beneficiários de vítima falecida em folha, seja empresa privada ou não."
"O artigo 602 do Código de Processo Civil impõe a constituição de capital assecuratório dos alimentos decorrentes de ato ilícito. Diante do grande ônus imposto às pessoas jurídicas, a jurisprudência, em se tratando, ao menos, de grandes empresas, de solidez notória, passou a dispensar tal constituição, permitindo a inclusão dos beneficiários da pensão em folha de pagamento."
"No entanto, em face da realidade econômica do país, e bem assim em conseqüência da própria dinâmica e competitividade do mercado, que não mais permite, em certos casos, supor a estabilidade, longevidade e saúde empresariais, de modo a permitir a dispensa de garantia, a colenda Segunda Seção deste Tribunal, em sessão de 25 de maio de 2002, no julgamento do Recurso Especial n. 302.304⁄RJ (DJ 02.09.02, p. 00144, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito), reviu sua posição, afirmando a impossibilidade da substituição da constituição de capital prevista na lei processual civil pela inclusão em folha de pagamento."
De todos os precedentes citados sobressai a interpretação dos artigos 20 § 5º e 602 do Código de Processo Civil. Ordinariamente, é apontada na via do Recurso Especial a violação destes dispositivos toda vez que é imposta a constituição de capital ou oferecimento de caução fidejussória como garantia do pagamento de pensão.
O art. 20 do CPC, no seu parágrafo 5º, dispõe que "nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa, o valor da condenação será a soma das prestações vencidas com o capital necessário a produzir a renda correspondente às prestações vincendas (art. 602), podendo estas ser pagas, também mensalmente, na forma do § 2º do referido artigo 602, inclusive em consignação na folha de pagamentos do devedor."
Ou seja, há a expressa comunicação legislativa, por remissão do texto do § 5º do art. 20 ao artigo 602 do CPC.
Ainda que a alteração processual advinda com a Lei 11.232/05 não tenha modificado o § 5º do Art. 20 CPC, resta evidente que a remissão aplica-se agora ao art. 475-Q, no instituto denominado "Cumprimento da Sentença".
Superação da Súmula 313 STJ pelo novo art. 475-Q do CPC
Via de regra, as empresas de grande porte ou com boa solidez econômica buscam a substituição da constituição de capital ou de garantia fidejussória pela inclusão do nome do titular do direito de pensão na sua folha de pagamento, a partir da condenação que determine a sua constituição.
A condenação à constituição de capital ou à prestação de garantia do pagamento da pensão supõe tenha ela já sido arbitrada, passível, portanto, de arbitramento do valor total a ser pago pela parte, por cálculo estimativo da expectativa de vida do credor, consideradas as circunstâncias e valores econômicos atuais.
A Lei 11.232, de 22.12.2005, em vigor a partir de 23.06.2006, revogou o artigo 602 do Código de Processo Civil e transferiu o instituto da constituição de capital e das garantias para pagamento de pensão, previstas no art. 602 para o artigo 475-Q, com a seguinte redação:
"Art. 475-Q. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão."
"§ 1º . Este capital, representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do devedor."
"§ 2º. O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz."
"§3º. Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação."
"§ 4º. Os alimentos podem ser fixados tomando por base o salário mínimo."
"§ 5º. Cessada a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas."
Da leitura do artigo acima, no seu parágrafo segundo, compreende-se que o legislador posicionou-se de modo expresso favoravelmente à inclusão do nome do credor de uma pensão na folha de pagamento do devedor, satisfeitas determinadas condições econômicas que permitam antever o pleno cumprimento da obrigação.
Por primeiro, observa-se a supressão da caução fidejussória pura e simples, reduzida à constituição de capital representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial. A única alternativa inclusa foi a inclusão da fiança bancária e da garantia real em valor a ser arbitrado pelo juiz.
O parágrafo segundo do novo artigo 475-Q recolocou a questão da substituição da constituição do capital por inclusão na folha de pagamento, de modo expresso. Contudo, a edição da súmula 313 não perde de todo a sua aplicabilidade, pese tenha sido editada ainda sob a vigência do artigo 602 CPC. Com toda certeza seu efeito será mitigado pela força do texto da Lei, todavia os fundamentos que levaram à sua edição subsistem e não podem ser desprezados, à guisa de nova redação do texto do código processual.
A alteração legislativa que suprimiu o art. 602 e, com ele, todo o processo de execução de título judicial, trouxe para o cumprimento da sentença a matéria da constituição de capital e suprimiu a caução fidejussória, mas manteve a disciplina da matéria de modo análogo à redação anterior.
Os fundamentos que levam à substituição prevista no ar.t 475-Q, § 2º, confirmam os critérios da súmula 313: a) o caráter alimentar da verba assume especial relevância, que b) exige a prova da notória capacidade econômica que permita antever a solvabilidade do devedor e; c) visa assegurar o pagamento do valor mensal da pensão, o que exige a demonstração de que o requisito anterior tenha fundamento para perdurar no tempo, a ponto de tornar efetivo o direito ao pensionamento.
Certamente que a locução "independentemente da situação financeira do demandado" contida na parte final da Súmula 313 já foi tolhida pela nova redação do artigo 475-Q.
Para os casos dos entes públicos União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a solvabilidade é presumida. A necessidade de garantir o pagamento do pensionamento abrange igualmente pessoas jurídicas com participação de capital público, quando a forma adotada for de direito privado, isto é, estiver relacionada às empresas públicas e sociedades de economia mista.
Contudo, o conceito da "notória capacidade econômica" enseja dificuldade quando se trata de empresa privada, pois ele não se supera pela mera dimensão do faturamento da empresa, ou mesmo pelo seu patrimônio existente hoje. Exige-se que esta condição permita antever a sua durabilidade, ou seja, a estabilidade da sua capacidade econômica. Esta não se traduz, por exemplo, nas empresas privadas concessionárias de serviços públicos, dada a precariedade da sua relação jurídica.
Por esta razão, a cautela da constituição de capital continua a representar importante medida de proteção do direito de indenização por pensão, essencial ao seu pleno cumprimento.
O Código Civil editado em 2002, no artigo 950, ao tratar da responsabilidade civil por perda ou diminuição da capacidade laborativa, prescreve no seu parágrafo único que "o prejudicado, se preferir, poderá exigir que indenização seja arbitrada e paga de uma só vez", o que enseja a superação da dificuldade com a constituição de capital ou mesmo oferecimento de garantia real ou fiança bancária.
Em tal caso específico, embora possa não abranger todos os casos de pensão por ato ilícito, trata-se de direito potestativo do credor de indenização na forma de pensão, que lhe permite superar o cumprimento da sentença com o pagamento imediato da obrigação, na sua totalidade, dependendo somente de arbitramento do juízo. Invocada a "notória capacidade econômica" pelo demandado, esta se converterá tão-somente em argumento para permitir a plena aplicação do parágrafo único do art. 950 do Código Civil.
Retomando a nova edição legislativa, ao repristinar uma discussão superada pelo Superior Tribunal de Justiça, estima-se que o seu efeito prático será mitigado pelo posicionamento cauteloso daquela Corte, no sentido de proteger o direito assegurado em sentença, precisamente por "ser temerário, em face da celeridade das variações e das incertezas econômicas no mundo de hoje, asseverar que uma empresa particular, por sólida e confortável que seja a sua situação atual, nela seguramente permanecerá, por longo prazo, com o mesmo status econômico em que presentemente possa ela se encontrar".
O arbitramento do valor a garantir o pagamento da pensão deverá sempre considerar o critério de expectativa de vida do credor, o valor a ser pago mensalmente e a condição financeira do demandado.
Precedentes do Superior Tribunal de Justiça
Mesmo antes de entrar em vigor a nova Lei 11.232 em 23.6.2006, o Superior Tribunal de Justiça já não vinha admitindo, como regra, a inclusão em folha, a ponto de ser posto de lado o requisito de demonstração da solvabilidade de empresa, como no precedente RESP 302.304/RJ, Relator o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito:
"Vindo a questão ao exame da Segunda Seção, entendo que devo manifestar o meu convencimento, considerando as razões também alinhadas em precedente da Quarta Turma, Relator o Senhor Ministro Cesar Asfor Rocha (REsp nº 23.575⁄DF, DJ de 01⁄9⁄97), assinalando "ser temerário, em face da celeridade das variações e das incertezas econômicas no mundo de hoje, asseverar que uma empresa particular, por sólida e confortável que seja a sua situação atual, nela seguramente permanecerá, por longo prazo, com o mesmo status econômico em que presentemente possa ela se encontrar" e que a "cautela recomenda a constituição de um capital, ou a prestação de uma caução fidejussória, para garantia do recebimento das prestações de quem na causa foi exitoso".
Como já apontado, este posicionamento deverá ser alterado em face da nova disposição legislativa, aplicando-se aos casos pendentes no Poder Judiciário, uma vez que se trata de norma de Direito Público de caráter cogente.