...Votán-Zapata, luz que chegou de longe
...Nome que muda, homem sem rosto, luz que nos protege
...É e não é todos em nós
...Dono da noite...senhor da montanha
...um e muitos juntos. Ninguém e todos. Ficando chega.
Votán-Zapata, vigia e coração do povo...
(Subcomandante Marcos)
· Considerando-se que, mais do nunca, a informação qualificada (como base do conhecimento científico) ocupa o posto de moeda de uso e de troca nas relações sociais.
· Considerando-se que o país vive o maior e pior retrocesso (mundial) em termos de liberdade de comunicação[1] e, portanto, elimina-se, com a força dos meios de exceção, forçosamente, a formação da consciência acerca do real.
· Considerando-se que atravessamos um momento de amplo e generalizado retrocesso moral, civilizatório, sobretudo, tendo em conta os movimentos anti-ciência que agem para disseminar o ódio social e atacar a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (art. 206, II, da CF88).
· Considerando-se que a realidade é um bem escasso e que professores são perseguidos e mortos, mundo afora, especialmente após a emissão de algum “decreto religioso”[2].
· Considerando-se que o cotidiano foi capturado pelo Fascismo, militarismo e paramilitarismo de sicários e milicianos[3].
· Considerando-se que o Processo Civilizatório (art. 215, II, da CF88) sofre agudas investidas de barbarismo religioso, cultural, social, político.
· Considerando-se que a Carta Política de 1988 tem (teve) uma Ciência, um procedimento lógico (ainda que preso ao realismo político de sua época), e que suas nomenclaturas refletem uma consciência ambiental, social, de tolerância e pluralismo, bem como de resguardo aos direitos fundamentais e à seara política, enquanto configuração da Polis.
· Considerando-se a necessidade e a urgência de se investigar a própria Ciência na/da Constituição Federal de 1988, como via, possibilidade, de se enfrentar o Cesarismo de Estado e suas coortes fascistas.
· Considerando-se que esta relação – Educação, Estado e Poder – não se limita às formalidades disciplinares, mas que apontam, especialmente, para um conhecimento que nos faça agir.
· Considerando-se que a Constituição Federal de 1988 debela epistemologicamente (nomologicamente), eticamente, este “nosso” profundo antagonismo e atavismo sectário – como herança fascista que se reflete no cotidiano de 2020 –, é nossa obrigação a sua defesa.
· Considerando-se que a necessidade de se alcançar o conhecimento, a técnica e a capacidade política (competências) nunca foi tão exasperante – como negação do negacionismo –, propomos refletir (para agir) sobre uma intrincada relação: Educação, Estado e Poder.
Consideramos a urgência de (re)pensarmos articulações entre a Pedagogia Libertária e a Política (POLIS) emancipatória; ainda consideramos que dessa articulação nasce a possibilidade de avançarmos na tessitura de uma “educação para o poder”, a partir do realismo político e da Ciência Política de Maquiavel.
Pois bem, é com esse espírito que propusemos esta disciplina, “Educação, Estado e Poder”, na UFSCar/DEd, em 2020 – novembro/dezembro. Propomos, então, um conhecimento que advenha de leituras clássicas, críticas e emancipatórias, mormente a necessidade de se defender arduamente a “liberdade de ensinar e de aprender”, notadamente, quando o próprio Poder Político é inimigo do povo, da liberdade, da isonomia, da autonomia e da isegoria.
Neste item, abordaremos uma perspectiva de Ciência com Consciência; mais especificamente, de consciência sobre a Ciência da Carta Política de 1988. Iniciamos, assim, com uma aposta analítica de Edgar Morin (2000):
O racionalismo que ignora os seres, a subjetividade, a afetividade e a vida é irracional. A racionalidade deve reconhecer a parte de afeto, de amor e de arrependimento. A verdadeira racionalidade conhece os limites da lógica, do determinismo e do mecanicismo; sabe que a mente humana não poderia ser onisciente, que a realidade comporta mistério. Negocia com a irracionalidade, o obscuro, o irracionalizável. É não só crítica, mas autocrítica. Reconhece-se a verdadeira racionalidade pela capacidade de identificar suas insuficiências [...] Os sábios atomistas, racionais em sua área de competência e sob a coação do laboratório, podem ser completamente irracionais em política ou na vida privada [...] Em nossas sociedades ocidentais estão também presentes mitos, magia, religião, inclusive o mito da razão providencial e uma religião do progresso [...] Daí decorre a necessidade de reconhecer na educação do futuro um princípio de incerteza racional (Morin, 2000, p. 22-24 – grifo nosso).
Está claro, entretanto, que a racionalidade é humana, inclusive partindo de Weber (1979) e a racionalização é produto histórico: como foi Ausschwitz.
Com este objetivo, propomos pensar sempre a Constituição Federal de 1988 enquanto Carta Política e sob o conhecimento crítico e analítico de que a Ciência contida na CF88 é uma Ciência com Consciência Política – especialmente porque não há Constituição que não seja política, politizada, uma vez que não há ação humana sem o lastro, o condicionamento político. Aliás, esta é uma lição preliminar dos bancos escolares e, obviamente, dos primeiros anos dos cursos de Direito: o ser social decorre do “animal político” de Aristóteles (2001).
É este o substrato do único conhecimento analítico e crítico que nos interessa, socialmente, tendo-se em vista a urgência de uma ciência com crítica e de uma educação libertária e emancipatória. A CF88, por mais que responda por ser albergada como compromissória, é, antes de tudo, comissionária de valores e de direitos que alimentam o Processo Civilizatório. Desse modo, podemos pensar em uma Carta Política Aditiva.
Qual lógica matemática orienta a “Constituição Cidadã”?
Apesar de nos lembrarmos pouco de quando iniciamos os estudos formais há anos ou décadas, somos capazes de levantar um aprendizado que atravesse todo esse tempo, tendo implicações nos mais diferentes assuntos que nos foram ensinados e que foram por nós apreendidos. Tal aprendizado são as quatro operações básicas da Matemática: adição, subtração, multiplicação e divisão.
Também se aprende que, dentre as operações elementares da Matemática, somente a adição e a multiplicação são objetos importantes. Isto porque a subtração e a divisão têm sua existência dependente, respectivamente, da adição e da multiplicação. Mais do que isso, aquelas são operações inversas a essas. Ou seja, se somamos, o contrário, por óbvio, só pode ser a subtração; se multiplicamos, o contrário, igualmente elementar, é a divisão. Em uma linguagem mais formal, a adição e a multiplicação são seres que gozam de uma ontologia própria, ao passo que a subtração e a divisão são seres derivados e, consequentemente, logicamente, secundários.
Nesses termos é que precisamos refletir sobre a Constituição Federal de 1988 (CF88) e sobre os frequentes ataques que esta tem sofrido, em especial, a partir do último lustro desta década iniciada em 2010. Propomos, assim, pensarmos a Carta Constitucional de 1988 como um conjunto axiomático. Mais especificamente, precisamos pensá-la como o conjunto das regras e dos movimentos possíveis dentro do jogo da democracia brasileira. Deve ficar claro, entretanto, que ela não define somente as regras e os movimentos admissíveis, mas também define o que é a democracia brasileira. Nesse sentido, pensar a política desse país é o mesmo que pensar as implicações da Constituição Federal de 1988.
A Carta Constitucional de 1988 é composta por valores democráticos, historicamente construídos e herdados. Desse modo, nela encontramos os direitos e os deveres do cidadão brasileiro, bem como encontramos a definição de cidadania. Não é coincidência ela ter sido chamada de “Constituição Cidadã” por Ulysses Guimarães (1916 - 1992). A CF88 obedece às regras da adição e da multiplicação.
Tal Documento Constitucional é aditivo no sentido de que adiciona direitos e deveres ao cidadão, e é multiplicativo no sentido de que todos os brasileiros e brasileiras são cidadãos e cidadãs. Ou seja, a humanização é estendida a todas e todos.
Talvez sejam as características levantadas acima que levaram nossas elites políticas e econômicas à confrontação com o disposto na CF88. Para tanto, essas elites procuram subtrair e dividir. Seus movimentos subtraem quando removem direitos. Inúmeros são os exemplos dessa situação: Reforma Trabalhista, Teto de Gastos, Reforma Previdenciária e, ainda a surgir, Reforma Tributária e Reforma Administrativa (em fase de consolidação de deméritos aos direitos adquiridos). Por outro lado, tais ações dividem quando buscam cindir o povo brasileiro em grupos de interesses políticos amorfos, fazendo uso da velha tática de guerra de dividir para conquistar. Nesse sentido, fica a dúvida: será a “Constituição Cidadã” capaz de sobreviver a esta lógica política secundária, inversa à ordem constitucional vigente e derivada dela, que é de agregação, inclusão e produção de novos direitos (Art. 5º, LXXVIII, § 2º)?
[“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988, [on-line]).]
Bibliografia referenciada
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1995.
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo : Martins Fontes, 2001.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgação da Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília: Presidência da República, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22.10.2020.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo : Cortez; Brasília, DF : UNESCO, 2000.
WEBER, MAX. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1979.
Notas
[1] https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/10/19/estudo-brasil-vive-maior-retrocesso-em-liberdade-de-expressao-do-mundo.htm.
[2] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2020/10/19/professor-decapitado-na-franca-foi-objeto-de-fatwa-afirma-ministro.htm.
[3] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/10/milicias-superam-o-trafico-e-controlam-mais-da-metade-do-territorio-no-rio-indica-estudo.shtml.