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Uma breve análise holístico-jurídica acerca do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás

15/07/2006 às 00:00
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            O Decreto Estadual de Goiás n.º 4.717, de 07 de Outubro de 1996, com o Nomen Juris de Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás, OU R.D.P.M.E.GO, como é mais conhecido, é uma norma implícita de conduta administrativa dirigida aos policiais militares goianos, como um ‘norte’ a ser seguido pelos seus membros, que tem como uma das metas averiguarem possível transgressão disciplinar militar e responsabilizar o(s) policial(is) militar(es) que possa(m) ter incorrido em sua violação. Contudo, tal regulamento padece do vício da ilegalidade, que no decorrer deste trabalho, sob a égide da Carta Cidadã, demonstraremos, tornando-a inócua para os fins a que se destina, não lhe restando guarida no sistema jurídico pátrio.

            Prima facie, verificamos que o R.D.P.M.E.GO foi criado através de um decreto, norma esta regulamentadora, emanada do Chefe do Poder Executivo do Estado de Goiás. Até aí não haveria, a princípio, nenhum problema. Contudo, o erro crasso de direito foi a circunstância de tal regulamento ter sido criado sem a devida lei anterior, de hierarquia superior, que o sustentasse.

            Ora, é notório que, após a Constituição federal de 1988, restou abolido do ordenamento normativo-jurídico pátrio a propositura do famigerado Decreto-lei e, sendo assim, não se pode inovar na seara do direito nacional sem o cumprimento de certos requisitos constitucionais e legais prescritos hodiernamente, ou seja, com a atividade precípua do poder legiferante acerca de sua missão básica, em suma, legislar. Como está garantido no inciso II, do art. 5º de nossa Lex Mater, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Data Venia, é entendimento doutrinário no ramo constitucional e administrativo que "decreto não é lei", e não se encontra assim com eficácia para obrigar ou desobrigar quem quer que a ela se dirija, reinando assim entre nós o princípio da reserva legal. É de se observar ainda o inc. LXI, art. 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, verbo ad verbum: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" [grifo nosso].

            Nesse diapasão, o direito brasileiro admite apenas o regulamento de execução, isto é, o regulamento destinado à fiel execução da lei, e não sendo o R.D.P.M.E.GO uma lei em sentido formal, não se pode admiti-lo como regulamento autônomo ou independente.

            Se o R.D.P.M.E.GO tivesse sido criado antes de nosso atual Pacto Fundamental de 1988, poderia ter sido, como foi os regulamentos disciplinares das policiais militares de outros Estados da federação, v.g. o de São Paulo, recepcionado, mas assim não ocorreu, pois o atual fora criado em 07 de Outubro de 1996. Sequer se pode modificar ou revogar um decreto consubstanciado em lei anterior que o tivesse aprovado por um novo decreto que não tenha sido submetido anteriormente à aprovação do Poder legislativo (o mesmo se diga dos decretos-lei recepcionados pela Carta Política).

            Logo, a administração policial militar goiana não poderá aplicar o R.D.P.M.E.GO, devendo observar inteiramente o que prescreve o art. 37 de nossa Lei Magna: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:" [grifo nosso]. Temos também que na Constituição do Estado de Goiás, em seu art. 92, prevê igualmente o princípio da legalidade para a administração pública.

            Importante, neste momento, mais uma vez, ressaltar que fica impossibilitada a aplicação do R.D.P.M.E.GO por parte da administração policial militar goiana, pois o administrador só pode fazer o que for autorizado por lei, ainda mais quando o ato administrativo visa a restringir direitos, como no caso das punições disciplinares militares, com pena de se incorrer a autoridade coatora em abuso de poder (ou no crime de abuso de autoridade, como mais à frente explicitaremos).

            Não fosse tudo isso, nessa esteira, por força do §1º do art. 42 de nossa Lei primeira, que determina que se aplique o inciso X, §3º, do art. 142 da Lex Legum, fixa imperativamente que os direitos e deveres dos policiais militares estaduais devem se dar por meio de lei. Abrimos aqui um parêntese, para esclarecer que quando a constituição se refere à "lei", esta deve ser entendida como "lei ordinária", e quando a mesma quer se referir a elaboração de uma lei que tenha um quorum de legisladores maior, um modo de elaboração e aprovação um pouco mais complexo, ela expressamente se refere em seu texto como "lei complementar".

            Não bastasse tal argumento jurídico congruente, verificamos que inclusive se avilta, mormente, o tratado internacional no qual o Brasil é signatário, por força do §2º, do art. 5º de nosso Código Supremo, que nos remete a primeira parte do artigo nove, do Decreto 678, de seis de Novembro de 1992, ratificador da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), litteris: "Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidos, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável...".

            Citamos ainda o artigo XXIV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217A(III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948 a que o Brasil, como Estado-Membro, se comprometeu a cumprir, rezando que: "No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.".

            A maioria dos Estados signatários dessas convenções apregoa o princípio da legalidade por coadunar com o Regime Republicano e a tripartição dos Poderes por eles adotados, não podendo o executivo, assim, inovar no campo jurídico fora dos parâmetros constitucionais.

            A Constituição do Estado de Goiás, criada através do Poder Constituinte derivado decorrente, vem a lume também se posicionar acerca do assunto em pauta de forma deveras interessante em seu art. 122, Título V (Da Justiça e da Defesa da Sociedade), Capítulo IV (Da Segurança Pública), em uníssono com a Lei Fundamental: "As polícias Civil e Militar e o Corpo de Bombeiros Militar subordinam-se ao Governador do Estado, sendo os direitos, garantias, deveres e prerrogativas de seus integrantes definidos em leis complementares, observados os seguintes princípios:" [Grifo nosso].

            Das normas em comento pode-se inferir que está a autoridade pública (civil, militar ou eclesiástica) jungida a praticar atos administrativos vinculados ou discricionários em conformidade com o direito vigente, não subsistindo a vontade pessoal, pois para o particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, mas já para a administração pública só é lícito fazer o que a lei autoriza na abalizada lição do Douto Hely Lopes Meirelles.

            No direito nacional restaram apenas dois tipos de prisões administrativas após a atual Magna Carta, a alimentícia e a militar, no que a primeira somente poderá ser decretada pelo magistrado com base em lei. Não se pode, então, aceitar que a segunda se dê por autoridade administrativa baseada em decreto autônomo, podendo ser afastado esse possível último ato através de decisão do Poder Judiciário, mediante provocação de pessoa interessada perante o juízo a quo, através de controle difuso de constitucionalidade a ser aplicado a um caso concreto, mas sem nos olvidar que se necessita com urgência da intervenção do Ministério Público, como custus legis, de intentar ADIn como meio de controle abstrato de constitucionalidade do R.D.P.M.E.GO.

            O administrado que se vir passível de ser prejudicado por uma punição disciplinar militar baseada no R.D.P.M.E.GO poderá se valer de uma jurisdição administrativa amigável no momento em que lhe for aberta vistas para a defesa do procedimento administrativo em que figure como sindicado, e através dos princípios constitucionais garantísticos da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inc. LV, CRFB/88) e do due process of law alegar a inconstitucionalidade do R.D.P.M.E.GO. Pode ainda, o sindicado, valer-se dos remédios constitucionais Habeas Corpus (em que pese opinião em contrário), Mandado de Segurança ou Habeas Data.

            Quanto ao Habeas Corpus, a despeito do que prevê o §2º, art. 142, da Constituição Federal, sobre não ser cabível tal mandamus em relação a punições disciplinares militares, devemos fazer uma "interpretação conforme a constituição", ou seja, buscar a verdadeira ratio legis, sopesando outras normas constitucionais, como os incisos XXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito) e LXV (a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária) do art. 5º de nossa Norma Fundamental, quando o paciente, no caso o policial militar sindicado, correr o perigo de sofrer, ou já estar cumprindo, uma punição disciplinar prevista como detenção ou prisão. Já nos demais casos de punições disciplinares, como advertência, repreensão, transferência à bem da disciplina, licenciamento a bem da disciplina ou exclusão a bem da disciplina, poderá o sindicado valer-se do Mandado de Segurança (deverá seguir o rito da Lei n.º 4.348, de 26 de Junho de 1964, que estabelece normas processuais relativas a mandado de segurança). Se, no entanto, quiser retirar de sua ficha individual de alterações a transcrição da publicação em Boletim Interno ou Boletim Geral de punição disciplinar já cumprida por força do R.D.P.M.GO, valer-se-à do Habeas Data (com observância da Lei n.º 9.507, de 12 de Novembro de 1997, que regula o direito de acesso a informação e disciplina o rito processual do habeas data).

            De acordo com o jus positum, o que se atacará em questão não é o mérito da punição administrativa, mas a ilegalidade do ato, que pode se dar por falta da observância quanto ao que prevê a lei acerca do agente competente, finalidade, forma, motivo, conteúdo e objeto. É, inclusive, apesar de não recomendável, dispensável o causídico para o patrocínio na resguarda de direito líquido e certo através desses remédios constitucionais (o mesmo vale para a esfera administrativa).

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            O administrado poderá pleitear a revogação ou anulação da punição administrativa ad nutum, perante a administração, ou somente a sua anulação ab initio junto ao Poder Judiciário, com efeito ex tunc, no caso de haver a denegação de sua revogação ou anulação pela administração, não sendo imprescindível ao administrado percorrer as vias administrativas primeiro para que possa socorrer-se no seio do Poder Judiciário.

            Na via administrativa, deverá seguir, quanto ao procedimento, por occasio legis, o que preceitua a Lei Estadual de Goiás n.º 13.800, de 18 de janeiro de 2001 (Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública do Estado de Goiás), ou seja, aplicável tanto aos civis quanto aos militares estaduais, não fazendo distinção de um ou de outro em seu texto legal. Em relação aos militares, reforçamos tal pensamento ex vi do art. 136 da Lei Estadual de Goiás n.º 8.033, de 02 de Dezembro de 1975 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Goiás), dispondo que se apliquem aos policiais militares goianos as leis e regulamentos do Exército Brasileiro quanto às matérias não reguladas na legislação estadual, que não é o caso.

            Poderá, através da Lei n.º 13.800, requerer a aplicação do art. 53, caput, in verbis: "A administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos." [grifo nosso].

            Na verdade, há a carência de um Procedimento Administrativo Disciplinar Ordinário (P.A.D.O.), ou Procedimento Administrativo Disciplinar Militar (P.A.D.Mil.), que atenda a situação peculiar dos policiais quanto ao militarismo.

            O policial militar sindicado ou punido, conforme a EC 45, em seu §4º, deve pleitear sua pretensão jurisdicional perante o juiz de direito do juízo militar (juiz togado, e não perante este conjuntamente com os demais juízes leigos que compõem o escabinato), e não mais na Justiça Comum, como se dava anteriormente, sob pena de extinção do feito, sem a análise do mérito (§§4º e 5º do art. 125 do Estatuto Fundamental), c/c inc. IV, art. 267, do CPC.

            O segundo grau de jurisdição se for necessário recorrer, será o próprio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pois não se possui ainda um Tribunal Militar goiano, por não ter sido satisfeito ainda a condição prevista no § 3º, art. 125, da Carta Cidadã (efetivo de PM´s e BM´s superior, conjuntamente, a 20.000 integrantes).

            Atualmente, o risco que a autoridade administrativa policial militar estadual de Goiás corre se aplicar uma punição com base no R.D.P.M.E.GO é tão grande que poderá estar incorrendo em abuso de poder (figura administrativa) e também em abuso de autoridade, previsto na Lei Federal n.º 4.898, de 09.12.1965 (Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade), quando a medida sancionatória for à de privação da liberdade, seja na forma de detenção ou de prisão, conforme prevê a alínea b do art. 4º do diploma em comento ("Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:...b) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder"), que deve ser combatida pelo Parquet, por lhe ser um múnus público ou, na sua desídia, por qualquer cidadão através de ação penal pública subsidiária. Poderá, o lesado, inclusive, de impetrar ação cível por danos morais contra o Estado, em busca de ser ressarcido pelo transtorno sofrido, assegurado ao ente federativo o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, que por ação voluntária viola direito e causa dano a outrem (inc. X do art. 5º c/c §6º do art. 37, tudo da Lei das Leis, e art. 186 c/c art. 43 do Código Civil Brasileiro de 2002), que no caso em comento será contra o sindicante (e não contra o encarregado da sindicância, que apenas opina no seu parecer, não havendo aí responsabilidade solidária). No caso de cônjuge supérstite do sindicado, este também poderá pleitear a indenização, figurando como lesado indireto, se fora atingido a sua honra ou de sua família. Na sua falta, os demais conforme a ordem de vocação hereditária (ascendente, descendentes e colaterais até o 4º grau, dependendo da intimidade que tinha com o sindicado).

            De mais a mais, é possível às entidades de classe (cabos e soldados, sargentos e subtenentes, e oficiais), pleitear, em defesa judicial ou extrajudicialmente (administrativamente) dos seus filiados, quando expressamente autorizados (inc. XXI, art. 5º, CRFB/88) ações que visem à responsabilidade por danos morais e patrimoniais que porventura advenham àqueles, por se tratar de interesse coletivo de seus membros a ser protegido, fazendo a sentença civil coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, tudo conforme a Lei n.º 7.347, de 24 de Julho de 1985 (Lei de Ação Civil Pública), a despeito da rubrica que se dá a esta norma legal, mas interpretando-a conforme seu art. 1º, caput e inc. IV, c/c arts. 6º e 16.

            Ante o quadro aqui descortinado, esperar-se-ia também a intervenção da Ordem dos Advogados do Brasil contra a inconstitucionalidade do R.D.P.M.E.GO, por ser entidade com fim público que tem como uma das suas missões defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, de acordo com o art. 44 da Lei n.º 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB (EAOAB).

            Urge, portanto, que se crie uma lei que venha a aprovar um decreto que institua um novo Regulamento Disciplinar para a Polícia Militar do Estado de Goiás (pois não se pode aprovar o atual com nova lei, mas podem-se aproveitar alguns de seus institutos para um novo decreto). Não se poderia aprovar um novo regulamento disciplinar da polícia militar do Estado de Goiás com os institutos e a redação que este apresenta, na íntegra, uma vez que o mesmo apresenta vícios de direito também quanto ao que preceitua. Citaremos alguns exemplos:

            I – a numeração que se dá para as transgressões disciplinares deveria ser na forma de incisos (algarismos romanos), e não na forma de numeração arábica;

            II – existe punição inclusive por assumir dívidas acima de suas possibilidades (nº 83 do art. 68 do R.D.P.M.E.GO). Ora, não se pode entender dessa forma, pois o próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências), em seu art. 42, caput, c/c o art. 71, atribui crime o ato de constranger o devedor, devendo àquele que se achar prejudicado (credor) em face do litígio instaurado buscar as vias judiciais, e não as administrativas. Deve-se o sindicante se lembrar que, havendo transgressão disciplinar, o ofendido é o Estado, e não o representante que leve à administração o conhecimento da transgressão, tendo este que buscar, se lhe convier, as vias judiciais para a possível reparação do dano sofrido;

            III – Dever-se-ia adotar a prisão apenas nos casos de crimes militares, pois as demais medidas punitivas administrativas são por si só suficientes aos fins colimados. A desobediência, per si, já é crime que acarreta a prisão, de acordo com os Códigos Penal e Processual Penal Militar;

            IV – Dever-se-ia seguir o exemplo do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis de Goiás que, quanto às transgressões disciplinares que prescreve (arts. 303 e 304), estão especificadas estas de forma exaustiva, pois no atual R.D.P.M.E.GO, em seu art. 13, inc. II, dá demasiado elastério, ao arbítrio do sindicante, para aplicar uma punição, devendo-se, sim, pontuar melhor quais seriam as condutas passíveis de punição administrativa, tendo em vista um fim público;

            V – Quanto à vida privada da pessoa natural, o R.D.P.M.E.GO possui institutos que a alcança, não coadunando com o art. 5º de nossa Carta Magna. Lembremos-nos do art. 21 do Código Civil de 2002: "A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.";

            VI – et coetera...

            Mas, apesar de tudo isso, e infelizmente, em 2002, ou seja, após 14 anos de vigência de nossa Lei primeira, e de 6 (seis) anos da gênese do R.D.P.M.E.GO, tivemos no Estado de Goiás a publicação do Dec. 5.691, que também fora gerado sem lei anterior que o aprovasse e que modifica alguns institutos do Dec. 4.717 e, em suma, ao invés de se eliminar o erro de direito, presenciamos, sim, a sua majoração.

            É necessário que a corporação policial militar de Goiás tenha uma assessoria jurídica do Estado Maior, composta por bacharéis em direito, com espírito juspublicista, para a contínua atualização e apresentação de projetos de lei de interesse da instituição, uma vez que o direito não é estático, a fim de igualmente acompanhar as evoluções normativas da sociedade brasileira. Quanto à corregedoria da polícia militar goiana, o ideal é que a mesma fosse composta também por bacharéis em direito, e que somente por eles fossem feitos todos os processos administrativos, podendo-se criar inclusive uma "corregedoria itinerante" (com direito a diárias), tendo em vista a grande quantidade de causas ganhas pelos sindicados junto à justiça, por falha dos sindicantes quanto ao procedimento, e também com vista a buscar uma maior imparcialidade por parte do sindicante, que não seria o mesmo oficial que estivesse a serviço da unidade que também serve o sindicado (onde se poderia argüir a suspeição ou impedimento).

            Deve-se evitar inclusive um bis in idem na punição administrativa. Sabemos que não ocorrem bis in idem se o sindicado vier a ser punido nas esferas penal, civil e administrativa, mas suponhamos que o mesmo tenha sido punido com multa e/ou apreensão do veículo e/ou carteira de habilitação por ter infringido norma do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503, de 23 de set de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro), poderia ser punido também administrativamente em relação ao seu serviço? Cremos que não, pois as duas punições têm natureza administrativa, o que poderia acarretar o bis in idem.

            Apresentamos neste artigo vários institutos jurídicos de diplomas legais diversos, tendo em vista que o direito é uno, e a sua separação apenas se dá com vista a facilitar o seu estudo didático-científico.

            Destarte, na punição, para que surta efeito, o administrado deve compreender e aceitar que cometeu um erro condenável moralmente e legalmente e, não sendo a falha legalmente punível, fica prejudicado o maior objetivo do ato, ou seja, a correção de atitude por parte do disciplinado e a exemplificação através da certeza da punição, junto ao seus pares, visando à prevenção contra novas transgressões disciplinares.

            Da mesma forma exige-se, por questão de ordem, a criação de uma lei que aprove um novo Regulamento do Conselho de Disciplina da Polícia Militar do Estado de Goiás (o atual é o Decreto nº 4.713, de 25 de Setembro de 1996) e novos Estatuto e Regulamento Disciplinar de nossos irmãos de farda do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás, que padecem dos mesmos vícios de legalidade aqui expostos, tendo em vista ser de extrema importância uma norma regulamentar que prevejam direitos e obrigações, atribuindo, se for o caso, punição administrativa para o(s) policial(is) militar(es) que não corresponda(m) às expectativas da sociedade e da corporação, que não atenda(m) a(s) sua(s) situação(ões) peculiar(es) de policial(is) e ao mesmo tempo de militar(es), ainda mais ao se correr imediatamente o risco de se ter uma tropa (mais de 14.000 militares, entre homens e mulheres) que, por falta de uma norma legal que atribua responsabilidades, cultivem atitudes que comprometam os princípios basilares castrenses da hierarquia e disciplina, constantes no caput do art. 42 de nossa Carta Federal, afinal, nulla poena sine praevia lege.


BIBLIOGRAFIA

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            ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração universal dos direitos humanos. 10 de dezembro de 1948.

            BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil (até a EC n.º 46). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 5.out.1988.

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            CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. Pacto de São José da Costa Rica. 22 de novembro de 1969.

            GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004.

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            MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

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            MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 2002.

            MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

            SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

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Sobre o autor
Cláudio da Costa Leão

primeiro-tenente da Polícia Militar de Goiás, bacharel em Direito, especializando em pós-graduação na área de Direito Público Constitucional e Administrativo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEÃO, Cláudio Costa. Uma breve análise holístico-jurídica acerca do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1109, 15 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8635. Acesso em: 23 dez. 2024.

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