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Apontamentos acerca da teoria do direito como integridade de Ronald Dworkin

10/12/2021 às 14:55

Resumo:


  • Ronald Dworkin foi um influente filósofo do direito que desenvolveu a teoria do direito como integridade, a qual defende que o direito deve ser interpretado a partir de princípios coerentes e consistentes, refletindo os valores da comunidade.

  • A teoria critica o convencionalismo, que se baseia em decisões explícitas passadas, e o pragmatismo, que foca no futuro e na eficiência, argumentando que ambos falham ao não considerar a importância da coerência e integridade histórica e moral do direito.

  • Na teoria da integridade, os juízes devem interpretar a lei e os precedentes de forma a encontrar os princípios subjacentes e aplicá-los de maneira justa e equitativa, como se o corpo do direito fosse escrito por um único autor, promovendo uma narrativa legal contínua e moralmente justificada.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O direito como integridade constitui modelo que pretende superar falhas encontradas em outras concepções jurídicas, buscando uma constante aplicação coerente do direito a partir dos princípios orientadores de uma comunidade.

1. Introdução

Ronald Dworkin foi um dos maiores jusfilósofos da modernidade e, entre seus diversos estudos, concebeu, principalmente em sua obra O Império do Direito, a teoria do direito como integridade.

O presente artigo tem como objetivo efetuar uma síntese da citada teoria. Esclareça-se, desde já, que não há nenhuma pretensão de substituir a leitura dos textos integrais do autor, mas apenas de compartilhar anotações efetuadas, a fim de facilitar a compreensão da citada teoria e instigar estudos mais aprofundados.

Antes de adentrar no estudo específico acerca da integridade e de como funciona um ordenamento jurídico que tenha como base tal teoria, cumpre esclarecer alguns outros temas tratados pelo autor, os quais são imprescindíveis à plena compreensão da teoria elaborada. Dadas as limitações deste trabalho, serão traçadas apenas breves linhas acerca de tais assuntos.

Assim, antes devem ser vistas as outras duas concepções de direito, que diferem da teoria do direito como integridade.

2 Direito como Convencionalismo e como Pragmatismo

Ronald Dworkin expõe que existem três tipos ou modelos interpretativos de direito: o convencionalismo, o pragmatismo e a integridade (DWORKIN, 2014, p. 118).

Segundo o modelo convencionalista os direitos e deveres dos cidadãos são apenas aqueles que foram declarados explicitamente em alguma decisão política do passado, denominada como convenção. As convenções trazem segurança aos operadores do direito, permitindo que saibam qual o direito aplicável ao caso, pois já previsto em decisões políticas pretéritas (convenções anteriores).

O autor aponta que o principal problema desta concepção está naqueles casos em que não existe uma convenção aplicável, restando, para decidi-los, a discricionariedade judicial, i. e., em tais casos o juiz criará o direito que será aplicado a um caso passado. Esta decisão judicial poderá se tornar uma convenção para casos futuros, mas apenas se isto estiver previsto nas convenções do ordenamento. Nesse sentido, o autor refere que (DWORKIN, 2014, p. 144-5):

O convencionalismo faz duas afirmações pós-interpretativas e diretivas. A primeira é positiva: os juízes devem respeitar as convenções jurídicas em vigor em sua comunidade, a não ser em raras circunstâncias. Insiste, em outras palavras, em que eles devem tratar como direito aquilo que a convenção estipula como tal. (...) A segunda afirmação, que é no mínimo igualmente importante, é negativa. Declara que não existe direito – nenhum direito decorrente de decisões tomadas no passado - a não ser aquele que é extraído de tais decisões por meio de técnicas que são, elas próprias, questões de convenção, e que, portanto, em casos não existe direito algum. (...) Não se segue daí que os juízes confrontados com tal problema devam cruzar os braços e mandar as partes para casa sem tomar decisão alguma. Esse é o tipo de caso em que os juízes devem exercitar o poder discricionário há pouco descrito, isto é, usar padrões extrajurídicos para fazer o que o convencionalismo considera ser um novo direito.

Na ampla discricionariedade judicial decorrente da ausência de uma convenção aplicável reside uma das principais críticas a esta concepção de direito, pois tal abertura permite uma criação posterior da norma a ser utilizada para resolução do caso, sem que o ordenamento traga, geralmente, limites e parâmetros para o exercício dessa atividade.

Identifica-se a concepção convencionalista com autores que defendem as diversas formas de positivismo jurídico, tais como Hans Kelsen e Herbert Hart.

Outro ponto interessante acerca do convencionalismo reside no fato de que seus adeptos tendem a observar a coerência apenas como estratégia. Há, segundo Dworkin, duas espécies de coerências: de estratégia e de princípio. A primeira estabelece que o julgador

deve cuidar para que as novas regras que estabelece se ajustem suficientemente bem às regras estabelecidas por outros, ou que venham a ser estabelecidas no futuro, de tal modo que todo o conjunto de regras funcione em conjunto e torne a situação melhor, em vez de tomar a direção contrária e piorar as coisas (DWORKIN, 2014, p. 162).

Não se busca identificar se há um princípio subjacente à lei anterior, tampouco qual seria a melhor interpretação dada e, a partir desta, efetuar a análise da coerência. Trata-se de uma coerência formal, que almeja evitar que a nova convenção contrarie o disposto numa convenção mais antiga, afastando apenas incompatibilidades superficiais.

A coerência de princípio, por sua vez, impõe ao magistrado que examine os casos já julgados anteriormente, a fim de verificar qual seria a melhor interpretação dada ao texto legal ou constitucional, quando for dúbia tal interpretação, ou busque a "correta" compreensão de uma decisão judicial anterior. Isso de modo a buscar “uma visão única e abrangente da justiça” (DWORKIN, 2014, p. 162-163). Ultrapassa-se uma pesquisa formal, procurando-se identificar os princípios correlacionados, razões subjacentes e interpretações antes adotadas, os quais serão os parâmetros para aferição da coerência.

A segunda concepção do direito é o pragmatismo. Trata-se de uma concepção cética do direito, pois “nega que as decisões políticas do passado, por si sós, oferecem qualquer justificativa para o uso ou não do poder coercitivo do Estado” (DWORKIN, 2014, p. 185). Esta concepção

Afirma que, para decidir os casos, os juízes devem seguir qualquer método que produza aquilo que acreditam ser a melhor comunidade futura, e ainda que alguns juristas pragmáticos pudessem pensar que isso significa uma comunidade mais rica, mais feliz ou mais poderosa, outros escolheriam uma comunidade com menos injustiças, com uma melhor tradição cultural e com aquilo que chamamos de alta qualidade de vida. (DWORKIN, 2014, p. 195).

Segundo Dworkin, o pragmatismo, ao dispor que os juízes deveriam sempre fazer “o melhor possível para o futuro, nas circunstâncias dadas, desobrigados de qualquer necessidade de respeitar ou assegurar a coerência de princípio com aquilo que outras autoridades públicas fizeram ou farão”, acabaria por se adaptar melhor às práticas jurídicas contemporâneas. O julgador pragmático leva em consideração a coerência de estratégia. Já quanto à coerência de princípio, estabelecerá que a busca pelas razões pode ser superada mediante argumentos pragmáticos, isto é, buscando-se uma decisão que produzirá uma prática mais eficiente ou que reduzirá ao mínimo a ocorrência de injustiça no futuro (DWORKIN, 2014, p. 198-199). Assim, o julgador busca argumentos pragmáticos para poder se desvencilhar de limites estabelecidos pelas decisões anteriores.

Examinadas as concepções de direito como convencionalismo e como pragmatismo, cumpre, agora, passar ao estudo do direito como integridade.

3 Direito como Integridade

Dworkin defende a tese do direito como integridade como um modelo ideal de direito, na medida em que supera os problemas encontrados no convencionalismo e no pragmatismo.

Inicialmente o autor refere que existem ideais políticos básicos a sustentar a política comum de uma comunidade: a equidade, a justiça e o devido processo legal. A equidade é a necessidade de encontrar procedimentos políticos que distribuam de forma adequada o poder político, possibilitando que os cidadãos influenciem de forma semelhante as decisões que os governam. A justiça, por sua vez, atua nas decisões políticas, as quais devem ser orientadas a distribuir os recursos materiais e proteger as liberdades civis, garantindo um resultado moralmente justificável. O devido processo legal adjetivo, por fim, diz respeito aos procedimentos utilizados para julgamento de eventuais infringências a leis estabelecidas pelos procedimentos políticos (DWORKIN, 2014, p. 200).

Dworkin acrescenta outro ideal aos já citados, trata-se do ideal da integridade política. Segundo este, o governo deve ter uma voz única, agindo de forma coerente, fundamentada e baseada em princípios com todos os cidadãos, buscando que os padrões de justiça e equidade utilizados para algumas pessoas sejam estendidos a todas as outras que estiverem em situação análoga (DWORKIN, 2014, p. 201).

Nas palavras do autor:

a integridade torna-se um ideal político quando exigimos o mesmo do Estado ou da comunidade considerados como agentes morais, quando insistimos em que o Estado aja segundo um conjunto único e coerente de princípio mesmo quando seus cidadãos estão divididos quanto à natureza exata dos princípios de justiça e eqüidade corretos (p. 202).

O autor subdivide a exigência de integridade em dois princípios: integridade na legislação e integridade no julgamento. O primeiro constitui a tarefa imposta ao legislativo de, com a produção de normas jurídicas, tornar o conjunto de leis do Estado coerentes quanto aos princípios. Quanto ao segundo, “impõe aos magistrados que vejam o corpo do direito como um todo, de maneira uniforme, não como uma série de decisões distintas e esparsas em relação as quais são livres para considerar ou emendar, considerando-as apenas com interesse estratégico para o caso concreto” (DWORKIN, 2014, p. 203).

O direito como integridade é justamente a aplicação do princípio da integridade na prestação jurisdicional:

O direito como integridade nega que as manifestações do direito sejam relatos factuais do convencionalismo, voltados para o passado, ou programas instrumentais do pragmatismo jurídico, voltados para o futuro. Insiste em que as afirmações jurídicas são opiniões interpretativas que, por esse motivo, combinam elementos que se voltam tanto para o passado quanto para o futuro; interpretam a prática jurídica contemporânea como uma política em processo de desenvolvimento. Assim, o direito como integridade rejeita, por considerar inútil, a questão de se os juízes descobrem ou inventam o direito; sugere que só entendemos o raciocínio jurídico tendo em vista que os juízes fazem as duas coisas e nenhuma delas (2014, p. 271).

Assim, percebe-se que o modelo de integridade visa a uma coerência entre princípios, de modo que o magistrado, na integridade do julgamento, analise as decisões pretéritas, bem como as demais fontes jurídicas, e identifique quais são os princípios que fundamentaram as decisões e os diplomas normativos. A identificação desses princípios subjacentes permite que se chegue o direito aplicável ao caso, que já existia previamente, pois aplicado em situações anteriores, ainda que não estivesse declarado de forma explícita na legislação e nos precedentes das decisões do passado.

O direito como integridade tem o direito como programa de interpretação, pois dispõe que as decisões, políticas e jurídicas, anteriores continuem a ser interpretadas ao serem aplicadas a novos casos. Verifica-se, portanto, nesse retorno às decisões anteriores, que o direito como integridade possui direta relação com a história (passado), na medida em que os princípios justificadores de decisões anteriores devem ser identificados e reinterpretados para fins de sua aplicação no caso presente (DWORKIN, 2014, p. 273 e 274).

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Conforme referido pelo autor (2014, p. 274): “O direito como integridade, portanto, começa no presente e só volta para o passado na medida em que seu enfoque contemporâneo assim o determine”.

A fim de ilustrar tal retorno às decisões passadas, esclarecendo o funcionamento do direito como integridade, Dworkin compara a prática jurídica à elaboração de um romance em cadeia, na qual o juiz figura, igualmente, como “autor e crítico”. A tarefa do romance em cadeia pressupõe que cada romancista deva continuar a história de um romance a partir do material que já recebeu, prosseguindo com a história que segue ao texto já dado. O escritor (juiz) deve tentar continuar a obra da melhor forma possível, como se fosse escrita por um único autor. Tal prática exige uma avaliação geral e constante de sua parte, à medida que ele escreve e reescreve o romance (DWORKIN, 2014, p. 276-7).

A continuidade do romance implica a observância de duas dimensões (adequação e justificação). A primeira delas é da adequação, segundo a qual a continuidade deve se mostrar em conformidade com a trama adotada, observando as leituras de personagem, enredo e objetivos já presentes no romance. Não há necessidade de ajuste meticuloso à totalidade do que já foi escrito, pois são admitidas divergências, mas a interpretação deve fluir em continuidade ao já escrito, de modo que se constate “um poder explicativo geral”. A tarefa será malsucedida quando não houver explicação para partes estruturantes do texto (DWORKIN, 2014, p. 277).

Verifica-se, portanto, que o texto antigo, ao mesmo tempo em que possibilita uma margem de liberdade ao escritor, também o constrange a seguir a obra já iniciada (DWORKIN, 2014, p. 286).

Percebe-se, também, certa abertura na adequação, pois a observância milimétrica do texto escrito “engessaria” o novo escritor. Assim, o escritor, mesmo observando a dimensão da adequação, encontrará mais de uma forma de continuar o texto, sendo neste ponto que atua a dimensão da justificação.

Nesta dimensão o escritor deverá decidir qual das possíveis interpretações se ajusta melhor à obra em desenvolvimento (DWORKIN, 2014, p. 278). A fim de esclarecer a dimensão da justificação, Dworkin cria um juiz imaginário, denominado de Hércules, a quem incumbe resolver a complexa situação exposta, utilizando a concepção do direito como integridade. A partir das posturas adotadas pelo juiz Hércules em alguns casos utilizados pelo autor podemos extrair como deve proceder o magistrado que adota a teoria do direito como integridade1.

Inicialmente, Hércules seleciona, sem análise dos precedentes judiciais, quais seriam as possíveis hipóteses para resolução do caso. Neste momento há apenas elaboração de possíveis soluções ao caso posto, mediante identificação de hipóteses (DWORKIN, 2014, p. 288). Em seguida, Hércules começa a verificar cada hipótese da sua lista, questionando se tais veredictos poderiam ter ocorrido “caso se estivesse, coerente e conscientemente, aplicando princípios subjacentes a cada interpretação” (2014, p. 290).

Hércules também verificará se há um princípio de justiça amparando cada hipótese verificada, rechaçando aquelas que não se coadunem com essa premissa. Isso tendo em vista a consideração que

o direito como integridade pede que os juízes admitam, na medida do possível, que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que lhes apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas normas (DWORKIN, 2014, p. 291).

A integridade assume a ambição de se tornar uma “comunidade de princípios”, os quais devem amparar as decisões judiciais. Os juízes, ao contrário dos legisladores, somente podem agir com base em princípios, não em políticas, de modo a “apresentar argumentos que digam por que as partes realmente teriam direitos e deveres legais ‘novos’ que eles aplicaram na época em que essas partes agiram” (DWORKIN, 2014, p. 292-3).

Superadas tais etapas, Hércules deve verificar se alguma das hipóteses restantes é incompatível com a prática jurídica de um ponto de vista geral. Assim, devem ser analisadas as decisões passadas, pondo à prova sua interpretação, questionando se ela poderia ser coerente o bastante para justificar as estruturas e decisões políticas anteriores de sua comunidade (DWORKIN, 2014, p. 294). Nesse momento, Dworkin justifica o nome de Hércules:

Nenhum juiz real poderia impor nada que, de uma só vez, se aproxime de uma interpretação plena de todo o direito que rege sua comunidade. É por isso que imaginamos um juiz hercúleo, dotado de talentos sobre-humanos e com um tempo infinito a seu dispor. Um juiz verdadeiro, porém, só pode imitar Hércules até certo ponto (2014, p. 294).

Há de se esclarecer que as indagações de Hércules sobre a adequação se irradiam a partir do caso concreto em uma série de círculos concêntricos, de acordo com os ramos específicos do direito. Tal forma de agir há de ser compatibilizada com a teoria do direito como integridade, pois a existência de segmentação entre os diferentes ramos do direito aparenta contrariá-la. Assim, almeja-se uma “interpretação construtiva de compartimentalização” (DWORKIN, 2014, p. 301), na qual busca, em outros ramos, a melhor interpretação possível, respeitando, porém, o maior valor oriundo dos princípios extraídos diretamente do ramo aplicável ao caso (DWORKIN, 2014, p. 481).

Nessa linha, a análise principiológica e as escolhas devem passar também pelo crivo da prioridade local. Por outro lado, quando as divisões dos ramos jurídicos se tornem arbitrárias e isoladas das convicções populares, Hércules não aplicará a prioridade local, mas sim os princípios de justiça que se enquadrem, de fato, no caso em análise (DWORKIN, 2014, p. 302-3).

Por fim, Dworkin subdivide a integridade em pura e inclusiva. A integridade inclusiva é aquela que considera as demais virtudes existentes (justiça, equidade e devido processo adjetivo), as quais limitam a ação de Hércules, pois este deve observar os precedentes, a história legislativa, a prioridade local, entre outros fatores. Assim, Hércules, na análise de seu caso, perceberá que existe outra integridade, a integridade pura, que abstrai todas essas limitações trazidas pela equidade e pelo devido processo, fundamenta-se apenas na “coerência dos princípios de justiça que permeiam e unem as diferentes áreas do direito” (DWORKIN, 2014, p. 484). Entretanto, não cabe a Hércules aplicar esta forma de integridade, mas sim à comunidade personificada, que deve reformular suas práticas para servirem à visão de justiça social que adotou (DWORKIN, 2014, p. 485).

Verifica-se, assim, que o estudo efetuado pelo julgador, seguindo os preceitos da integridade, poderá lhe demonstrar que existe outra decisão mais adequada ao caso, que, todavia, não pode ser adotada, pois existem limitações que não cabe ao julgador ultrapassar, mas sim aos entes políticos da comunidade.

Por isso, também, a utilização da metáfora do romance em cadeia, pois o texto antigo não pode ser alterado pelo escritor que o recebe. Expõe-se, mais uma vez, a clara diferença com o pragmatismo, no qual tais limites seriam, certamente, desconsiderados e restaria prejudicada a coerência da história já iniciada no romance.

4. Conclusões

As lições acima pretendem traçar algumas linhas acerca da teoria do direito como integridade, possibilitando um primeiro contato com o tema.

O direito como integridade constitui modelo que pretende superar falhas encontradas em outras concepções de direito. A integridade consiste numa constante aplicação coerente do direito, tendo como base princípios orientadores de uma comunidade, presentes nas decisões pretéritas, bem como as demais fontes jurídicas, os quais devem ser identificados e reinterpretados, sempre com vistas a uma contínua melhoria no sistema, para resolução de casos futuros. Percebe-se que a identificação, aplicação e interpretação de tais princípios constituem um dos temas centrais da teoria, pois são eles que devem reger as decisão judiciais futuras.

Afasta-se a discricionariedade judicial encontrada no convencionalismo, pois são os princípios orientadores da comunidade que fundamentarão a decisão quando ausente uma convenção específica. Por outro lado, ao contrário do pragmatismo, tais princípios não podem ser afastados pelo aplicador do direito, pois não cabe a este escolher outros princípios para solução do caso, mesmo que os entenda melhores, mas sim observar aqueles que são os princípios orientadores de sua comunidade.

Busca-se, para resolver um caso atual, um diálogo entre o passado e o futuro, de modo que nas decisões pretéritas (judiciais, legislativas, etc.) sejam encontrados os fundamentos para a melhor decisão, buscando uma continuidade e otimização da prática jurídica.

A metáfora do romance em cadeia emerge, nesse contexto, como de extrema importância para a compreensão da teoria. A escolha do romance não é algo aleatório ou superficial, mas deixa claro que há toda uma história anterior que deve ser observada ao ser proferida a futura decisão. Tal história não pode ser alterada, evidentemente, assim como o futuro escritor não poderia rasgar as páginas anteriores, mesmo que sob o pretexto de melhorar o final do livro. O objetivo de buscar uma limitação ao julgador é claro, mas também é perceptível a finalidade de lhe fornecer as bases para uma futura decisão.

Ademais, mesmo que o texto anterior não seja claro quanto aos detalhes dos acontecimentos futuros, sempre há um enredo, uma trama, um perfil dos personagens, os quais, mesmo que não estejam explícitos, podem ser depreendidos com uma análise mais profunda (coerência de princípio).

Trata-se de denso modelo que nos faz refletir e questionar algumas práticas jurídicas cotidianas, reforçando a necessidade de que o Direito retorne a caminhos de consistência teórica.


REFERÊNCIAS

BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito.8ª edição, revista aumentada, ed. Atlas, São Paulo, 2010.

COSTA, Carlos H. G. A Interpretação em Ronald Dworkin. Revista CEJ, Brasília, Ano XV, n. 55, p. 93-104, out./dez. 2011. Disponível em: <www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewArticle/1504>. Acessado em 25/07/2017.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – a exigência de coerência e integridade No novo Código de Processo Civil. In: STRECK, Lenio Luiz; ARRUDA ALVIM, Eduardo; SALOMÃO, George Leite. Hermenêutica e Jurisprudência no Novo Código de Processo Civil: coerência e integridade. São Paulo: Saraiva, 2016.


1 Destaca-se que a plena compreensão do modelo proposto por Dworkin demanda o estudo com base nos casos por ele expostos, sendo aqui apenas citadas as conclusões obtidas em tais casos.

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Sobre o autor
Daniel Reschke

Delegado de Polícia Federal; foi Delegado de Polícia Civil no RS (2010-2014). Pós-graduado em Direito Público; Teoria e Filosofia do Direito; e Processo Penal e Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESCHKE, Daniel. Apontamentos acerca da teoria do direito como integridade de Ronald Dworkin. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6736, 10 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86433. Acesso em: 22 dez. 2024.

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