Artigo Destaque dos editores

Réu preso, candidato?

Leia nesta página:

            Em matéria eleitoral e em vista do momento em que se vive, oportuna é a indagação se o réu preso por sentença condenatória, mas sem o trânsito em julgado, pode ser candidato a cargo eletivo e, caso possa, como se processaria a sua campanha eleitoral?


            1. Atento à lição do eminente jurista NELSON NERY JÚNIOR, para quem: "O intérprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto sempre tendo como pressuposto o exame da Constituição Federal. Depois, sim, deve consultar a legislação infraconstitucional a respeito do tema" [01], tentaremos aqui formular uma resposta para as presentes indagações.

            2. Neste prumo, sondando a Lei Maior, a nossa Constituição Federal, mais precisamente no capítulo sobre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (Capítulo I do Título II), encontramos a regra de que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5.º, inciso LVII), verdadeira garantia fundamental do indivíduo contra o Estado, que não poderá considerá-lo culpado, senão após decisão de que não caiba mais qualquer espécie de recurso. É o que a doutrina e a jurisprudência denominam de princípio da presunção de inocência, princípio da não-culpabilidade ou simplesmente princípio da inocência.

            Sobre referida garantia, o renomado constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA, em sua obra – Comentário Contextual à Constituição – deixa-nos a seguinte lição:

            "A norma constitucional do inciso LVII, agora sob nosso exame, garante a presunção de inocência por meio de um enunciado negativo universal: ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’. Usa-se de uma forma negativa para outorgar uma garantia positiva. Na verdade, o texto brasileiro não significa outra coisa senão que fica assegurada a todos a presunção de inocência até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. O trânsito em julgado se dá quando a decisão não comporta mais recurso ordinário, especial ou extraordinário". [02]

            Vale a pena conferir, ainda, a lição do festejado ALEXANDRE DE MORAES:

            "A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continuam sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção

juris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seus status libertatis. Desta forma, permanecem válidas as prisões temporárias, em flagrante, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado" [03].

            3. Nesse panorama, a pessoa acusada é presumida inocente até que passe em julgado sentença penal que a condene, consagrando-se, deste modo, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal, de modo que o Estado – nos seus mais diferentes segmentos – deve abster-se de considerar culpado aquele que ainda não foi submetido à definitividade da atuação jurisdicional, porquanto, como afirmado alhures, há a presunção constitucional relativa de não culpabilidade, mesmo que para recorrer tenha que se recolher preso.

            4. A mesma Constituição no capítulo sobre Direitos Políticos (Capítulo IV do Título II), em norma auto-aplicável (art. 15, inciso III), garante, ainda, que a suspensão dos direitos políticos – cujo núcleo fundamental consubstancia-se no direito de votar e ser votado – somente se dará por "condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos". Aliás, diga-se de passagem, que referida suspensão dos direitos políticos não é pena acessória, mas sim conseqüência da condenação criminal, razão pela qual seus efeitos operam-se automaticamente, sem a necessidade de se fazer qualquer referência no dispositivo da sentença condenatória.

            Por ilustrativo, trago à colação o seguinte julgado:

            "REPRESENTAÇÃO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS EM VIRTUDE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. AUTO-APLICABILIDADE DOS ARTIGOS 14, § 3.º, II E 15, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROCEDÊNCIA. A suspensão dos direitos políticos do condenado independe de lei regulamentadora, bem como de processo especial de cognição e de análise de mérito para a execução da medida no juízo eleitoral, posto não se tratar de sanção penal, mas de efeito não-penal de condenação criminal transitada em julgado e decorrente de mandamento constitucional. Comprovado o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, decreta-se, automaticamente, a suspensão dos direitos políticos, ativo e passivo, do representado, ou seja, o direito de votar e ser votado, com a conseqüente exclusão de seu nome da folha de votação e declaração de sua inelegibilidade". [04]

            5. Logo, sem muito esforço, infere-se, a contrário sensu, que a condenação criminal sem o trânsito em julgado não desqualifica o condenado a votar e a eventualmente concorrer a qualquer cargo eletivo. De par com isso, no que tange à capacidade eleitoral passiva, desde que preenchidas as demais condições constitucionais e legais de elegibilidade (arts. 14, § 3.º, da CF/88 e 10, § 1.º, incisos I a VI, da Res. TSE n.º 22.156/06), estará apto a concorrer a um mandato eletivo, porquanto intactos remanescem os seus direitos de cidadania/políticos.

            6. O colendo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL já teve oportunidade de enfrentar a questão ao apreciar pedido de registro de candidatura, valendo registrar os seguintes julgados:

            "RECURSO ESPECIAL RECEBIDO COMO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. Condenação criminal sem trânsito em julgado não é apta a ensejar inelegibilidade (precedente do TSE: acórdão 536, rel. Min. Fernando Neves, publicado em sessão de 8.8.2002). Recurso não provido". [05]

(g.n.)

            "INELEGIBILIDADE. CONDENAÇÃO CRIMINAL NÃO TRANSITADA EM JULGADO. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ART. 14, § 9.°. SÚMULA N.° 13 DO TSE. 1. A existência de sentença criminal condenatória, sem o trânsito em julgado, não é suficiente para ocasionar inelegibilidade. 2. O art. 14, § 9.°, da Constituição não é auto-aplicável. 3. Necessidade de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato poderá levar à sua inelegibilidade, bem como os prazos de sua cessação. 4. Recurso provido para julgar improcedente a impugnação e deferir o registro da candidatura". [06]

            7. Por assim dizer, é seguro afirmar que o cidadão, mesmo recolhido à prisão por força de condenação, mas desprovida do manto da coisa julgada material, pode exercer regularmente os seus direitos políticos com o pleno exercício do sufrágio, observando-se as disposições insertas nos arts. 14, § 3.º, inciso II, e 15, inciso III, da Constituição Federal [07].

            8. O segundo questionamento – como se processaria a campanha eleitoral do preso sem condenação criminal definitiva – traz hipótese não ventilada pelo legislador, de forma que, sem qualquer pretensão, tentaremos, diante da inoperância do Estado-legislador, oferecer algum norte para reflexão.

            9. Para o pleito eleitoral que se avizinha, o TSE por meio da Resolução n.º 22.154, de 02.3.2006, a qual dispõe sobre os atos preparatórios, a recepção de votos, as garantias eleitorais, a totalização dos resultados, a justificativa eleitoral, a fiscalização, a auditoria e a assinatura digital, estabelece no art. 17 que os juízes eleitorais, sob a coordenação dos tribunais regionais eleitorais, poderão criar seções eleitorais especiais em penitenciárias, a fim de que os presos provisórios tenham assegurado o direito de voto. Assim, atentando inclusive para consulta que lhe fora formulada outrora – Resolução TSE n.º 20.471, de 14.9.99 – determina a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penitenciários a fim de que os presos que aguardam julgamento ou o trânsito em julgado tenham assegurado o seu direito de voto. Restando tranqüila, portanto, a questão do preso provisório na qualidade de eleitor.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

            10. Agora, quando o preso provisório é também candidato, aí é que a questão se complica, porquanto, tratando-se o estabelecimento prisional – seja a delegacia de polícia judiciária, seja a penitenciária – de bem público pertencente ao Estado, qualquer propaganda eleitoral nele veiculado estará proibido por força do que art. 37, caput, da Lei n.º 9.504, de 30.9.97 [08], de modo que se quiser captar os votos das seções eleitorais dentro daqueles locais estará praticando propaganda eleitoral irregular, sujeitando-se, assim, o aprisionado às sanções cabíveis.

            11. Por outro lado, haverá óbice para que a campanha eleitoral do apenado provisório se dê fora do cárcere.

            12. A questão, a partir deste ponto, toma um outro rumo, pois passa a ser assunto de política criminal, competindo ao Juízo da Vara de Execuções Penais resolvê-la, porquanto, ainda que se trate de execução provisória in casu, à sua disposição se encontra o apenado.

            13. À Justiça Eleitoral, no que tange à propaganda eleitoral em geral, cumpre assegurar condições de competitividade entre os diversos partidos e candidatos, sendo estranho ao seu mister, até por falta de previsão legal, a incumbência de dizer como se processará a campanha de quem se encontra recolhido a estabelecimento prisional, ainda que provisoriamente.

            14. Oportuna é a transcrição do argumento do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE ao apreciar o Recurso Eleitoral Especial n.º 20.247 – RO, in verbis:

            "Se a omissão da lei propicia a elegibilidade de ‘candidatos não muito responsáveis’, sua eventual investidura nos mandatos eletivos não é imputável à Justiça Eleitoral, mas sim ao partido que os indicar ao sufrágio popular".

            15. Assim, diante desta lacuna da lei, resta ao partido que registrou o candidato-condenado (sem trânsito em julgado) repensar sobre a viabilidade da mantença desta candidatura, até porque se não conseguir, junto à Justiça Criminal, o relaxamento da prisão dele, enquanto aguarda a decisão definitiva condenatória, suportará o referido candidato, assim como o partido, o peso da desigualdade no processo eleitoral.

            16. Por derradeiro, cabe registrar que se a sentença vier a transitar em julgado durante o processo eleitoral, perdendo o candidato, então, os seus direitos políticos para a desenvoltura de suas capacidades eleitorais (ativa e passiva), tem a coligação ou agremiação político-partidária, que lançou o condenado como candidato, a faculdade de substituí-lo (art. 13, caput, da Lei n.º 9.504/97).

            17. Do quanto exposto, conclui-se que:

            1) o réu preso por sentença condenatória, mas sem o trânsito em julgado, pode candidatar-se a mandato eletivo, porquanto se encontra amparado pelo princípio constitucional da presunção de inocência, o qual mantém integra sua capacidade eleitoral ativa e passiva, enquanto não sobrevir decisão definitiva confirmatória da condenação;

            2) quanto à campanha eleitoral do candidato-preso, entendemos que caberá ao partido ou a coligação que o registrou repensar sobre a viabilidade da mantença desta candidatura, até porque se não conseguir, junto à Justiça Criminal, o relaxamento da prisão dele, enquanto aguarda a decisão definitiva condenatória, suportará o referido candidato, assim como o partido e a coligação, o peso da desigualdade no processo eleitoral.


Notas

            01

. NERY, JÚNIOR NELSON. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. SP: RT, 2000. p. 20.

            02

. DA SILVA, JOSÉ AFONSO. Comentário Contextual à Constituição. SP: Malheiros Editores LTDA., 2006, P. 155.

            03

. MORAES, ALEXANDRE DE. Direito constitucional. 13.ª ed. SP: Atlas, 2003 p. 132.

            04

. TRE/SC–.Acórdão n.º 13.324, de 07.10.94, rel. Juiz Nilson B. Filho, fonte: endereço eletrônico: http://www.tse.gov.br.

            05

. TSE-REspEl. n.º 20.247, de 19.9.02, rel. Min. Sepúlveda Pertence, fonte: endereço eletrônico: http://www.tse.gov.br.

            06

. TSE-REspEl n.º 18.047, de 29.9.2000, rel. Min. Fernando Neves da Silva. fonte: endereço eletrônico: http://www.tse.gov.br.

            07

Contudo, é oportuno registrar, pelos seus firmes fundamentos, o Acórdão n.º 3.611, de 29.8.00, deste TRE, da lavra do Juiz JULIZAR BARBOSA TRINDADE, que, enfrentando tema semelhante ao aqui exposto, mas de forma contrária, deixou assentando em seu voto, in verbis: "De efeito, não se desconhece que tanto a Constituição Federal, quanto a Lei Complementar n.º 64/90, estabelecem que, para se tornar inelegível, necessária se faz a existência de sentença penal condenatória com trânsito em julgado e enquanto durar seus efeitos. Porém, no caso presente, não se pode desprezar os princípios contemplados pela Lei Maior relativamente aos pretendentes ao exercício de função pública. É que no § 9.º do art. 14 da Constituição Federal encontra-se preconizado, in verbis: ‘Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função cargo ou emprego na administração direta ou indireta’. Escore destas disposições constitucionais que o pretendente ao exercício de função pública deve preencher os princípios básicos que regem a administração pública, assim considerados não só a probidade administrativa, cuja desobediência leva à suspensão dos direitos políticos, à perda da função pública e à indisponibilidade de bens (§ 4.º do art. 37 da CF), mas também, e principalmente, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato. E veja-se que este último princípio está intimamente ligado à pessoa do candidato, de sorte a se exigir que, para uma candidatura regular e legítima, possua ele retidão de caráter, probidade e, sobretudo, honestidade em suas atitudes e vida social, já que se pretende o exercício de função eminentemente social e política".

            08

"Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele pertençam, e nos de uso comum, é vedada a pichação, inscrição a tinta e a veiculação de propaganda...". (g.n.)
Assuntos relacionados
Sobre os autores
Francisco Jocely Silva de Freitas

técnico judiciário do TRE/MS, assessor jurídico lotado na coordenadoria de assessoramento aos juízes

Wilson Pedro dos Anjos

analista judiciário, assessor jurídico e coordenador de assessoramento ao pleno do TRE/MS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Francisco Jocely Silva ; ANJOS, Wilson Pedro. Réu preso, candidato?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1107, 13 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8647. Acesso em: 23 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos