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A questão da lista tríplice na escolha dos reitores nas universidades federais e dirigentes de instituições federais de ensino

12/11/2020 às 13:00
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O Partido Verde (PV) ajuizou ADI em desfavor do art. 1º da Lei Federal n. 9.192/1995, por supostamente representar flagrante violação ao instituto constitucional da autonomia universitária.

I – O FATO  

O Partido Verde (PV) ajuizou ADI em desfavor do art. 1º da Lei Federal nº 9.192 de 21.12.1995, que alterou o art. 16, inciso I, da Lei Federal nº 5.540/68, e do art. 1º do Decreto Federal nº 1.916, de 23/05/1996, por representarem flagrante violação ao instituto constitucional da autonomia universitária, previsto no bojo do art. 207, caput; em conjunto com o art. 206, II, III e VI; bem como aos princípios da impessoalidade e da moralidade pública, insculpidos no artigo 37, caput, ambos da Constituição Federal de 1988, e a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 

O artigo 1º da Lei 9.192/1995, que alterou o artigo 16, inciso I, da Lei 5.540/1968, prevê que o reitor e o vice-reitor das universidades públicas e os dirigentes das instituições federais de ensino serão nomeados pelo presidente da República entre professores dos dois níveis mais elevados da carreira ou que tenham título de doutor, a partir de listas tríplices organizadas pelas instituições. O artigo 1º do Decreto Federal 1.916/1996, por sua vez, reforça a legislação de 1995. 

Segundo a legenda, o governo federal vem promovendo, por meio da aplicação dos dispositivos, uma “intervenção branca” nas instituições, violando os princípios constitucionais da autonomia universitária e da impessoalidade e moralidade pública e a jurisprudência do STF sobre a matéria. De acordo com o PV, a União Federal tem aplicado a lei e o decreto “para suprimir a autonomia das universidades, desrespeitando a lista tríplice e nomeando candidatos sequer presentes na lista ou com baixíssima aprovação da comunidade acadêmica, sem a utilização de critérios científicos”. 

O partido sustenta que o objetivo do governo federal é “estabelecer vigilância e controle das universidades federais, principalmente sobre as pesquisas acadêmicas”, transformando o texto constitucional em “letra morta” e corroendo “internamente os mecanismos universitários de participação e de garantia de pluralidade”. 

Ao pedir a concessão de liminar para suspender os dispositivos, ou para que as escolhas “obedeçam minimamente aos critérios técnicos exigidos do gestor público”, o PV aponta a “real possibilidade” de nomeação de novos reitores nas Universidades Federais do Rio Grande do Sul, do Paraná, de Brasília, do Pará e de São Carlos. 

A União Nacional dos Estudantes (UNE) pediu ingresso na ação objetiva como amicus curie, 

Na manhã do dia 9 de outubro do corrente ano, Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal, votou favorável pela autonomia das universidades e institutos federais. 

Segundo o voto do ministro, a indicação deve: 

- considerar nomes que figurem na respectiva lista tríplice; 

- respeitar integralmente o procedimento e a forma da organização da lista pela instituição universitária; 

- recair sobre o docente indicado em primeiro lugar na lista. 

O entendimento do ministro contraria seus próprios posicionamentos anteriores. Em 2016, por exemplo, ele decidiu que “não há hierarquia” dentro da lista tríplice e que “o presidente pode escolher livremente o nomeado”. Na ocasião, ele foi relator do Mandado de Segurança 31.771. 

Mais três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram a favor da autonomia universitária no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6565), que questiona excesso de poder de Jair Bolsonaro nas últimas nomeações para a reitoria das universidades e institutos federais. 

Acompanharam o voto do relator do processo, Edson Fachin, os ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello. Este último, no entanto, divergiu parcialmente do relator no que concerne à retroatividade do efeito da liminar. 

A demanda questiona excesso de poder do presidente da república, Jair Bolsonaro (sem partido) nas últimas nomeações para a reitoria das instituições. 

Ali se diz que o chefe do executivo tem nomeado os candidatos menos votados ou que sequer fazem parte da lista tríplices enviada pelas instituições, que se baseiam em votações feitas pela comunidade acadêmica. Até setembro de 2020, 14 dos 25 reitores indicados por Bolsonaro não eram os primeiros colocados da lista tríplice, conforme levantamento da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). 

Segundo se lê do Estadão, em 18 de outubro, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu destaque e mandou para julgamento presencial na Corte a ação que pode obrigar o presidente Jair Bolsonaro a seguir a lista tríplice das universidades federais nas nomeações para reitorias. O processo estava em votação no plenário virtual, plataforma na qual os ministros depositam os votos durante a semana, até ter o pedido de destaque feito pelo ministro Gilmar Mendes. 

Agora, o caso será avaliado presencialmente pelos ministros, que realizam as sessões das turmas e do plenário por videoconferência. Não há data para quando isso irá acontecer. 

O ministro Gilmar Mendes, disse que certa “ebulição” em ambientes universitários é inerente “ao processo democrático” e que é preciso “ter cautela” diante da sequência de ações em universidades públicas por todo o país que apontam propaganda eleitoral irregular nos campi. 

Para o ministro Marco Aurélio, “a quadra é de extremos” e o Estado Democrático de Direito corre perigo. 


II – UM HISTÓRICO NA MATÉRIA  

O processo de escolha de dirigentes de universidades de há muito é regulado pela Lei nº 9.192/95, tendo passado todo esse tempo de governos de esquerda sem jamais se darem conta do déficit democrático do qual sempre padeceu essa legislação, pois a escolha, embora sendo através de lista tríplice, se dá  de forma indireta, onde o reitor praticamente já domina mais da metade do colégio eleitoral, que é o conselho superior, composto majoritariamente por indicados pelo próprio reitor entre aqueles que já exercem cargos de representação (diretores e coordenadores de diretórios, de centros de ensino etc) nas universidades, e, não bastasse, a votação não é paritária, pois, ao contrário dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em que a Lei nº 11.892/2008 reserva pelo menos uma representação igualitária, já nas IES o voto dos docentes tem o peso de setenta por cento do total dos votos dos três segmentos universitários (os outros dois, que são os servidores técnico-administrativos e os estudantes, ficam apenas com os 30% dos votos restantes).  

Na única vez em que os próprios estabelecimentos de ensino superior possuíram a prerrogativa de eleger os seus próprios dirigentes, isso se deu através da chamada reforma Rivadávia Correia, fonte de inspiração do Decreto nº 8.659/1911, cuja eleição se dava pela própria comunidade, quando sequer existia a noção de  universidade, tal como é conhecida hoje, foi com a reforma bancada por Carlos Maximiliano, de onde adveio o Decreto nº 11.530/1915, que desde então não mais houve essa escolha direta pela própria comunidade, cuja única concessão, a partir daí, era a existência ou não de listas (em algum momento foram sêxtuplas, mas na maioria eram tríplices), com uma pequena exceção na década de 80, logo após a abertura política, em que algumas universidades ensaiaram um processo de democratização mesmo quando ainda estava em vigor uma lei do tempo da ditadura (Lei nº 5.540/68).  


III – AS UNIVERSIDADES COMO CAMPO DO SABER  

— Universidade é campo do saber. O saber pressupõe liberdade, liberdade no pensar, liberdade de expressar ideias. Interferência externa é, de regra, indevida. Vinga a autonomia universitária. Toda interferência é, de início, incabível. Essa é a óptica a ser observada. Falo de uma forma geral. Não me pronuncio especificamente sobre a atuação da Justiça Eleitoral. Mas reconheço que a quadra é de extremos. Por isso é perigosa, em termos de Estado Democrático de Direito. Esse é o meu pensamento. — declarou. 

Vive-se no ambiente universitário um ambiente plural de discussão e que visa a formação de conhecimento. 

A autonomia universitária vem consagrada no Texto de nossa Lei Maior, em seu artigo 207. Coube à Constituição de 5.10.1988 elevar, pioneiramente na história da universidade no Brasil, a autonomia das universidades ao nível de princípio constitucional. Dispõe o artigo 207: 

“Art. 207 – As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. 

Como se vê, desde logo, nossa Lei Maior preocupa-se em definir o conteúdo da autonomia das universidades, que abrange “a autonomia didático-científica” ou seja, suas atividades-fim e a “autonomia administrativa e financeira”, suas atividades-meio. 

Quis o constituinte originário, em boa hora, resgatar e compor, em nosso sistema jurídico-constitucional, uma renovada figuração da autonomia das universidades, tão antiga quanto necessária, para que possa ela cumprir sua missão, emprestando-lhes assim o prestígio de se instalar em nossa Lei Maior. Autonomia que é de longa data reconhecida em todo o mundo. Isto mesmo aponta Celso Antônio Bandeira de Mello: 

“As universidades, notoriamente, são das mais antigas instituições em que se expressou um sentimento autonômico e de auto-organização. Não há descentralização de atividade especializada alguma que tenha tão forte e vetusta tradição. Em rigor, ela é tão antiga que precede à própria noção de Estado. Lafayette Pondé, em poucas palavras e com o auxílio de uma citação expõe a tradição e o espírito essencial da universidade. 

“A noção de Estado, como fonte centralizada e soberana de poder e da ordenação jurídica, não surge senão no Século XVI. O termo “Estado” vem de Maquiavel. Na França, por exemplo, ele somente se fixa ao tempo de Luiz XIII – “Le mot État triomphe au debut du XVII siécle, à l´époque de Louis XIII et de Richilieu” – e a Universidade de Paris já era velha de quatro séculos, e a de Bolonha vinha de 1158, a da Alemanha de 1348, a de Lisboa de 1290. 

“Nascida nas catedrais, desenvolvida nos mosteiros, a educação universitária era assunto “espiritual”, de que se incumbia a Igreja, dona da mundo civilizado. A cristandade era a civilização, a civilização a cristandade integrada no Sacro Império Romano. A lei emanava da vontade deliberada de um legislador – assembléia ou governante único. O direito era “achado” ou “recolhido” como um aspecto da vida coletiva. Por isto Ortega y Gasset pôde dizer, à comemoração do quarto centenário da universidade de Granada: `La Universidad significó um princípio diferente y originário, aparte, quando frente al Estado. Era el saber constituido como poder social. De aqui que apenas gana sus primeras batallas la universidad se constituya com fuero próprio e originales franquias. Frente ao poder político, que es la fuerza, y la Iglesia, que es el poder transcedente, la magia de la universidad se alzó como genuino y exclusivo y autêntico poder espiritual: era la inteligência como tal, exenta, nuda y por decirlo aí, en persona una energia histórica – La inteligencia como institución´” (ob. e loc. cits. pp. 34 e 35). 

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A autonomia universitária leva em conta quatro concepções: 

– ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; 

– a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais; 

– a gestão democrática do ensino público, na forma da lei. 

– a garantia do padrão de qualidade. 

Pois bem: essa escolha deve ser vista sob o manto dos princípios da autonomia universitária e ainda da supremacia do interesse público. 


IV – A ESCOLHA DO REITOR COMO ATO ADMINISTRATIVO COMPLEXO  

Volto-me à Lei 9.192/92, que foi questionada em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade. 

Lá se diz que “serão nomeados pelo Presidente da República, escolhidos dentre os indicados em listas tríplices”. 

A nomeação de um reitor de Universidade Pública Federal ou de Instituto Federal é um ato administrativo complexo. Começa pela eleição pelo colegiado, que escolhe uma lista tríplice, a ser colocada ao presidente da República, ad libitum. 

Essa escolha pode ser feita pelo presidente da República, dentro dos limites da razoabilidade. Respeita-se a vontade universitária, em sua independência, e ainda a do presidente da República. A Constituição não exige que o primeiro da lista seja necessariamente o primeiro. O que não pode é o presidente da República nomear alguém fora da lista escolhida pela comunidade universitária, dentro de sua autonomia, que a Constituição lhe deu. 

Para anular esses atos teríamos que mergulhar nos limites do poder discricionário. 

Os elementos do ato administrativo, motivo e objeto, têm uma relação íntima com a finalidade do ato: a razoabilidade como um limite à discrição, na avaliação dos motivos, exigindo que estes sejam adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a uma finalidade pública específica. 

A razoabilidade, na valoração dos motivos e na escolha do objeto, é, em última análise, o caminho seguro para se ter certeza de que se garantiu a legitimidade da ação administrativa. 

O motivo é o pressuposto de fato e de direito do ato administrativo. 

A doutrina entende que há cinco limites de oportunidade à discricionariedade: existência (grave inoportunidade por inexistência do motivo); suficiência (grave inoportunidade por insuficiência do motivo); adequabilidade (grave inoportunidade por inadequabilidade de motivo); compatibilidade (grave inoportunidade por incompatibilidade de motivo); proporcionalidade (grave inoportunidade por desproporcionalidade do motivo), dentro de um controle de realidade e de razoabilidade. 

Quanto ao objeto do ato administrativo, resultado jurídico visado, há uma conveniência (escolha administrativa), envolvendo: possibilidade (grave inconveniência por impossibilidade do objeto); conformidade (grave inconveniência por desconformidade de objeto) e eficiência (grave inconveniência por ineficiência do objeto), ainda dentro dos princípios técnicos de controle de realidade e razoabilidade. 

Com essas observações, dir-se-á que o Judiciário pode anular atos administrativos discricionários, fundados na inexistência de motivo, insuficiência de motivo, inadequabilidade de motivo, incompatibilidade de motivo, desproporcionalidade de motivo, impossibilidade de objeto, desconformidade de objeto e insuficiência de objeto, apenas controlando os limites objetivos do ato discricionário. 

Feridos esses elementos do ato administrativos poder-se-ia falar em afronta ao direito. 

Ora, a lei em discussão, posta pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República, acentua a autonomia universitária (lista tríplice) e o poder discricionário concedido ao chefe do Executivo Federal. Há, pois uma mescla na norma em obediência a dois princípios (autonomia universitária e supremacia do interesse público). 

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 99), o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é inerente a qualquer sociedade, sendo “a própria condição de sua existência”. Deste modo, podemos inferir que o princípio em comento é um pressuposto lógico do convívio social. 

Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 113) esclareceu que a “primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a”. O autor frisa que essa supremacia “justifica-se pela busca do interesse geral, ou seja, da coletividade; não do Estado ou do aparelhamento do Estado”. Portanto, devemos abstrair interesse estatal e interesse público, aquele dos agentes administrativos, este dos administrados; aquele não tem o direito à primazia que este tem. 

O presidente da República não está obrigado a nomear o primeiro da lista: pode nomear o segundo ou o terceiro. Não pode é sair dessa lista escolhida pela comunidade universitária. Esse o limite da razoabilidade. A Lei optou, nos limites do binômio: autonomia universitária e supremacia do interesse público. Ambos conjugam-se. 

Princípios são mandamentos de otimização. 

De forma geral, Alexy explicou que quando dois princípios fundamentais estão em conflito, é necessário avaliar qual deles que, quando aplicado, fere, com menor agressividade e intensidade, o outro. 

Não pode o Supremo Tribunal Federal, a pretexto de concretizar uma norma jurídica, criar lei ou mudá-la. 

Fora disso estaríamos no caminho da judicialização da política. Não cabe ao Supremo Tribunal Federal governar, mas aplicar a lei conforme a Constituição, como seu maior guardião. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A questão da lista tríplice na escolha dos reitores nas universidades federais e dirigentes de instituições federais de ensino. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6343, 12 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86500. Acesso em: 18 dez. 2024.

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