Neoconstitucionalismo à luz do entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso

Uma análise acerca do engrandecimento do Poder Judiciário nos últimos tempos

11/11/2020 às 11:46
Leia nesta página:

Fez-se uma análise crítica a respeito do artigo "Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil." escrito por Luís Roberto Barroso, a partir do qual evidenciou-se vários problemas.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Rio de Janeiro, 2005.

 

O artigo escrito por Luís Roberto Barroso destrincha o Constitucionalismo moderno através de uma recapitulação do passado constitucional europeu e americano, ressaltando as características de algumas das democracias contidas nestes territórios e comparando-as com a sua própria evolução; bem como umas com as outras.

De plano, Barroso já cativa a atenção do leitor em sua análise ao tecer a crítica de que o Direito, dentre as suas marcas características, nos últimos séculos ostenta a incapacidade de fornecer aos seus subordinados o que o autor chama de “dois produtos que fizeram sua reputação ao longo dos séculos” (BARROSO, 2005, p. 2), estes sendo a justiça e a segurança.

Essa afirmação conduz a pensar que Barroso pretende criticar a – recente – atuação judiciária, especialmente no tocante aos aplicadores do direito, que tem se tornado eminentemente política. Senão veja-se: “Os métodos de atuação e de argumentação dos órgãos judiciais são, como se sabe, jurídicos, mas a natureza de sua função é inegavelmente política (...)” (BARROSO, 2005, p. 46).

Barroso ainda se propõe a explicar de que forma o judiciário – especialmente o brasileiro, capitaneado pelo próprio Supremo Tribunal Federal – assume esse viés. Precisamente na página anterior à citação acima transcrita, o autor discorre:

 

Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário. Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo. (BARROSO, 2005, p. 45)

 

No entanto, em que pese o tom de crítica no texto – talvez fruto do subjetivismo de cada leitura –, o que se percebe, a partir de uma análise mais profunda da citação transcrita acima, é que o Ministro do Supremo, ora autor, pinta o novo visual do judiciário brasileiro com um adjetivo de “instigante” novidade.

Ao leitor induz o pensamento de que o autor prefere a ascensão do judiciário em face da decadência – especialmente ligada à corrupção – que assola os demais poderes. Não que o judiciário se isente da mesma problemática, mas, no mínimo, não é tão marcante quanto nos demais; que ostentam inúmeras operações policiais e prisões de legisladores e administradores envolvidos em situações de corrupção.

Neste ponto, convém acrescentar uma outra citação direta longa do texto em análise que corrobora bastante a linha interpretativa que aqui está se traçando, in verbis:

 

Sem embargo de desempenhar um poder político, o Judiciário tem características diversas das dos outros Poderes. É que seus membros não são investidos por critérios eletivos nem por processos majoritários. E é bom que seja assim. A maior parte dos países do mundo reserva uma parcela de poder para que seja desempenhado por agentes públicos selecionados com base no mérito e no conhecimento específico. (BARROSO, 2005, p. 46) (Original sem grifos)

 

De uma análise dos trechos ressaltados, percebe-se que Barroso distancia os magistrados – “agentes públicos selecionados com base no mérito e no conhecimento específico” – dos demais agentes públicos, integrantes dos outros dois poderes. O que inevitavelmente leva a pensar que há uma certa desigualdade material entre os poderes, na visão do próprio autor.

Desigualdade essa que vêm sendo bem aproveitada pela onda constitucionalista que atribuiu mais responsabilidade e poder ao Judiciário, fazendo com que os produtos essenciais, a segurança e a justiça – que antes era marca registrada do Direito –, voltem às prateleiras para os consumidores e ostentando a marca evidente do fornecedor, o Poder Judiciário.

À luz deste ponto, convém trazer à baila da presente análise uma outra fala do autor, in litteris:

 

(...) em razão desse conjunto de fatores – constitucionalização, aumento da demanda por justiça e ascensão institucional do Judiciário –, verificou-se no Brasil uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais, que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final (BARROSO, 2005, p. 45)

 

Essa fala do autor conclui essa parte da análise demonstrando que a centralização da Constituição – de 1988 – no quadro político, jurídico e social brasileiro, termina por garantir um espaço de supremacia não só do texto solene, mas também do próprio poder judiciário que tem em suas mãos a ferramenta de controle da constitucionalidade e através dela é capaz de inferir de maneira preventiva e repressivamente nos dois outros poderes, sob o manto de estar moldando as demais searas à imagem e semelhança da Constituição da República.

Supremacia essa que não parece causar desconforto ao autor, embora esse próprio desnivelamento entre os poderes possa ser motivo de estranheza ao constituinte originário que primava – dentre outros valores principais – pela separação e independência montesquiana destes.

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Sobre a dinâmica de poder acima destrinchada, o motivo que mais salta aos olhos ao pensar sobre o que levou a essa mudança e – consequente – ascensão do judiciário, é a própria ascensão constitucional. Explica-se.

Barroso elucida em certo ponto que o estudo moderno da constituição tem como premissa o reconhecimento da força normativa natural que emana do texto solene, bem como a imperatividade de suas normas – e princípios! – que as tornam vinculativas e obrigatórias.

Ora, se a redação constitucional é sabidamente prolixa, isso nos conduz a compreender que ela não poupa análise e regramento a nenhum dos três poderes. E, sendo o Judiciário o responsável pelo policiamento e pela realização dos saberes constitucionais, a esse recai um certo favorecimento em meio aos demais.

Assim, quem exerce o poder supremo de polícia, é policiado por quem? Talvez a resposta mais adequada fosse: a própria constituição, haja vista que o próprio autor alega que “as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado” (BARROSO, 2005, p. 7).

No entanto, o próprio Barroso segue a afirmação ratificando que são inevitáveis as tensões geradas pela força normativa absoluta criada pelo constituinte originário, isso, pois, a realidade social almejada pelo texto constitucional é bem dessemelhante do atual status quo, e este último – como elucidado pelo autor –, tende a resistir às mudanças necessárias.

Essa conclusão, além ser facilmente percebida, é reforçada no texto – que ainda faz questão de traçar o passado histórico das constituições até chegarmos ao ápice em 1988 – quando o autor diz não ser surpresa que que as “constituições (anteriores à atual) tivessem sido, até então, repositórios de promessas vagas e de exortações ao legislador infraconstitucional, sem aplicabilidade direta e imediata” (BARROSO, 2005, p. 8).

Para além disso, um outro ponto levantado por Barroso é a supremacia não só da constituição, mas, especificamente, dos princípios nela contidos. O autor alega ser marca do pós-positivismo, isto é, da era que superou a normatividade literal, cem por cento escrita, em benefício da normatividade principiológica.

Ou seja, este pós-positivismo estaria garantindo a posição normativa central aos desejos constituintes formalizados nos princípios que são inseridos na redação solene. No entanto, como é de se esperar, não sendo os princípios uma regra matemática de fácil aplicação, como a normatividade gramatical costumava ser, recai mais uma vez aos aplicadores do direito – Poder Judiciário – a tarefa de garantir que a Constituição seja respeitada em seus mais vultosos desejos.

Situação essa que reafirmaria a hegemonia do Poder Judiciário, se fosse esse o caso.

À égide da análise aqui tecida, poder-se-ia associar a nova face ativista do judiciário ao antigo Poder Moderador de D. Pedro I, cuja função desse muito se assemelha à desempenhada por aquele, isto é, fornecer o equilíbrio entre os demais e manter a ordem social – e constitucional, no caso do Judiciário.

O judiciário, portanto, se vê – atualmente – na função de moderar os excessos cometidos pelos demais poderes, mantendo-os na linha traçada detalhadamente pelo constituinte originário em rumo a uma realidade social de melhorias na qualidade de vida daqueles submetidos à democracia brasileira.

Talvez o Judiciário hoje seja o remédio mais acessível – e com menos efeitos colaterais – para curar a vertigem democrática que se instaurou no Brasil nos últimos tempos. Mas, por outro lado, talvez a medicação tomada sem a devida prescrição de profissionais competentes – ou, no mínimo, imbuídos de competência para tanto – seja mais nociva do que terapêutica.

O certo é que os paradigmas jurídicos e políticos realmente mudaram nos tempos atuais, trazendo mais destaque ao Poder Judiciário, mais apreço pela Constituição e maior confiança – pelo próprio povo que a defende – no destino por ela traçado.

É notória, também, a crítica de Luís Roberto Barroso aos Poderes Legislativo e Executivo, culminando, inclusive – no fim do texto – com a afirmação do autor de que estes Poderes se encontram, atualmente, enfrentando uma crise de legitimidade, a qual prejudica a instituição democrática como um todo.

Daí porque o Judiciário – sob a perspectiva do autor – emerge como o salvador da pátria e da Constituição.

A realidade é que o povo brasileiro, não tão diferente dos demais ao redor do mundo, parece ter fome de símbolos messiânicos de salvação da corrupção, que é mais característica de nós mesmos do que o próprio verde-amarelo – Diria Sérgio Buarque.

Assim foi eleito Lula, bem como o próprio Bolsonaro, e não diferente destes, da mesma forma teve os seus cinco segundos de fama o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro.

Sobretudo, é possível perceber um deslocamento de foco do povo brasileiro – de tempos pra cá – em direção à Constituição, como novo Messias; ou como o Messias que sempre foi, mas nunca teve tal reconhecimento.

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