4. Prerrogativa de foro
A Constituição Federal de 1988 determina que uma série de autoridades deva ser processada e julgada criminalmente perante Tribunais, excepcionando a regra geral segundo a qual o processo deve se iniciar perante Juízes singulares (primeira instância).
Esta regra é comumente designada de prerrogativa de foro, foro privilegiado por prerrogativa de função ou foro privativo. A regra teria sido incluída no texto constitucional em virtude das implicações que processos desta natureza possam ter. Assim, a prerrogativa de foro determina que certas autoridades públicas só podem ser processadas e julgadas perante órgãos colegiados (Tribunais), geralmente compostos de magistrados mais experientes. Não desconsideremos, entretanto, a opinião de parcela da população brasileira para quem o "privilégio" em questão contribuiria para retardar os processos criminais e impedir a efetiva punição de crimes cometidos por agentes públicos.
A nossa atual Constituição Federal concede o foro por prerrogativa de função aos chefes do Poder Executivo, membros do Poder Legislativo federal e estadual, do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas, bem como a Ministros de Estado, Comandantes das Forças Armadas e chefes de missão diplomática de caráter permanente.
Além desta extensa relação de autoridades, o Supremo Tribunal Federal atualmente reconhece a possibilidade de criação de prerrogativa de foro pelas Constituições Estaduais (ADI 2587/GO, rel. Min. Maurício Corrêa, Informativo 372) [05].
Quanto à atribuição para conduzir a investigação destas autoridades – que precede o processo e o julgamento – a Constituição nada dispôs.
Como se percebe, não há nenhuma norma na Constituição brasileira, ou mesmo no sistema infraconstitucional, que disponha acerca da atribuição para investigar pessoas que possuem prerrogativa de foro.
4.1. A casuística no Supremo Tribunal Federal
Passemos, pois, à análise de casos concretos de inquéritos em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal para apurar notícias de crimes atribuídos a detentores de prerrogativa de foro. No Inquérito nº. 1504/DF (DJ 28.06.99, p.25), em trâmite perante aquela corte, o Min. Celso de Mello, em despacho datado de 17.06.1999, reconheceu a possibilidade de inquérito policial e investigação pela Polícia Judiciária em desfavor de Senador Federal, conforme se lê a seguir (trechos):
"Imunidade parlamentar em sentido formal (CF, art. 53, § 1º, in fine). Garantia inaplicável ao Inquérito Policial. Precedente (STF) e doutrina. - O membro do Congresso Nacional - Deputado Federal ou Senador da República - pode ser submetido a investigação penal, mediante instauração de Inquérito Policial perante o Supremo Tribunal Federal, independentemente de prévia licença da respectiva Casa legislativa. A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido formal somente tem incidência em juízo, depois de oferecida a acusação penal... Com efeito, a garantia da imunidade parlamentar em sentido formal não impede a instauração de inquérito policial contra membro do Poder Legislativo. Desse modo, o parlamentar - independentemente de qualquer licença congressional - pode ser submetido a atos de investigação criminal promovidos pela Polícia Judiciária, desde que tais medidas pré-processuais de persecução penal sejam adotadas no âmbito de procedimento investigatório em curso perante órgão judiciário competente: o Supremo Tribunal Federal, no caso de qualquer dos investigados ser congressista (CF, art. 102, I, "b")..."
A questão foi mais claramente analisada pela Primeira Turma daquele Tribunal em habeas corpus impetrado por Deputado Federal contra ato de Delegado de Polícia Federal da cidade de Maringá/PR que instaurara inquérito policial para investigá-lo:
"DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL CONTRA DEPUTADO FEDERAL, INSTAURADO POR DELEGADO DE POLÍCIA. "HABEAS CORPUS" CONTRA ESSE ATO, COM ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO S.T.F. E DE AMEAÇA DE CONDUÇÃO COERCITIVA PARA O INTERROGATÓRIO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO S.T.F. PARA O JULGAMENTO DO "WRIT". INDEFERIMENTO DESTE. 1. Para instauração de Inquérito Policial contra Parlamentar, não precisa a Autoridade Policial obter prévia autorização da Câmara dos Deputados, nem do Supremo Tribunal Federal. Precisa, isto sim, submeter o Inquérito, no prazo legal, ao Supremo Tribunal Federal, pois é perante este que eventual ação penal nele embasada poderá ser processada e julgada. E, no caso, foi o que fez, após certas providências referidas nas informações. Tanto que os autos do Inquérito já se encontram em tramitação perante esta Corte, com vista à Procuradoria Geral da República, para requerer o que lhe parecer de direito. 2. Por outro lado, o Parlamentar pode ser convidado a comparecer para o interrogatório no Inquérito Policial (podendo ajustar, com a autoridade, dia, local e hora, para tal fim - art. 221 do Código de Processo Penal), mas, se não comparecer, sua atitude é de ser interpretada como preferindo calar-se. Obviamente, nesse caso, não pode ser conduzido coercitivamente por ordem da autoridade policial, o que, na hipótese, até foi reconhecido por esta, quando, nas informações, expressamente descartou essa possibilidade. 3. Sendo assim, nem mesmo está demonstrada qualquer ameaça, a esse respeito, de sorte que, no ponto, nem pode a impetração ser considerada como preventiva. 4. Enfim, não está caracterizado constrangimento ilegal contra o paciente, por parte da autoridade apontada como coatora. 5. "H.C." indeferido, ficando, cassada a medida liminar, pois o Inquérito Policial, se houver necessidade de novas diligências, deve prosseguir na mesma Delegacia da Polícia Federal em Maringá-PR, sob controle jurisdicional direto do Supremo Tribunal Federal". (HC 80592/PR, Min. Sydney Sanches, julgado em 03/04/2001, Primeira Turma, DJ 22.06.2001, p. 23).
A Segunda Turma adotou o mesmo entendimento, fazendo menção ao sistema acusatório:
I. STF: competência originária: ´habeas corpus´ contra decisão individual de Ministro de Tribunal superior, não obstante susceptível de agravo. II. Foro por prerrogativa de função: inquérito policial. 1. A competência penal originária por prerrogativa não desloca por si só para o Tribunal respectivo as funções de polícia judiciária. 2. A remessa do inquérito policial em curso ao Tribunal competente para a eventual ação penal e sua imediata distribuição a um relator não faz deste "autoridade investigadora", mas apenas lhe comete as funções, jurisdicionais ou não, ordinariamente conferidas ao Juiz de primeiro grau, na fase pré-processual das investigações. III. Ministério Público: iniciativa privativa da ação penal, da qual decorrem (1) a irrecusabilidade do pedido de arquivamento de inquérito policial fundado na falta de base empírica para a denúncia, quando formulado pelo Procurador-Geral ou por Subprocurador-Geral a quem delegada, nos termos da lei, a atuação no caso e também (2) por imperativo do princípio acusatório, a impossibilidade de o Juiz determinar de ofício novas diligências de investigação no inquérito cujo arquivamento é requerido (HC 82507/SE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.12.2002, pg 0092).
E posteriormente:
"Competência. Parlamentar. Senador. Inquérito Policial. Imputação de crime por indiciado. Intimação para comparecer como testemunha. Convocação com caráter de ato de investigação. Inquérito já remetido a juízo. Competência do STF. Compete ao Supremo Tribunal Federal supervisionar inquérito policial em que Senador tenha sido intimado para esclarecer imputação de crime que lhe fez indiciado." (Rcl 2349/TO, rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/Acórdão Min. Cezar Peluso, julg. 10.03.2004, DJ 05.08.2005, p. 007, Ement. Vol. 2199-01 p. 0074).
Mais recentemente, a Min. Ellen Gracie recusou pedido do Procurador-Geral da República de instauração de inquérito a ser conduzido diretamente pelo Supremo Tribunal Federal:
1. O Ministério Público Federal promoveu diligências junto à Receita Federal, à Controladoria-Geral da União e autoridades americanas (f. 4), e obteve documentação (f. 07/21) que noticia ter um Deputado Federal remetido ao exterior, através de Contas CCC-5, no período de 1999/2002, a vultosa importância de cento e noventa e sete milhões, novecentos e um mil, duzentos e cinqüenta e um reais e oitenta centavos. O expressivo numerário, segundo o Ministério Público Federal, precisa ser investigado no tocante à sua origem e regularidade. Principalmente é preciso saber se a vultosa importância foi declarada à Receita Federal nas declarações de imposto de renda. A documentação obtida pelo Ministério Público Federal deu origem a procedimento administrativo que foi autuado na Procuradoria-Geral da República. E com base nesse procedimento, o Procurador-Geral da República requereu, na petição de f. 02/03, o seguinte: "Ante o exposto, requer o Ministério Público a autuação deste procedimento como inquérito penal originário, com o indiciamento do Deputado Federal RONALDO CEZAR COELHO, pelo cometimento, em tese, de crime de sonegação fiscal. 6. Solicita, ainda, que seja realizada a quebra do sigilo fiscal do ora indiciado, referente aos anos-base de 1999 a 2002." (f. 3). 2. Entre as funções institucionais que a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público, está a de requisitar a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). Essa requisição independe de prévia autorização ou permissão jurisdicional.Basta o Ministério Público Federal requisitar, diretamente, aos órgãos policiais competentes.Mas não a esta Corte Suprema.Por ela podem tramitar, entre outras demandas, ação penal contra os membros da Câmara dos Deputados e Senado. Mas não inquéritos policiais. Esses tramitam perante os órgãos da Polícia Federal.Eventuais diligências, requeridas no contexto de uma investigação contra membros do Congresso Nacional, podem e devem, sim, ser requeridas perante esta Corte, que é o Juiz natural dos parlamentares federais, como é o caso da quebra do sigilo fiscal. Mas o inquérito tramita perante aqueles órgãos policiais e não perante o Supremo Tribunal Federal. Não parece razoável admitir que um Ministro do Supremo Tribunal Federal conduza, perante a Corte, um inquérito policial que poderá se transformar em ação penal, de sua relatoria. Não há confundir investigação, de natureza penal, quando envolvido um parlamentar, com aquela que envolve um membro do Poder Judiciário. No caso deste último, havendo indícios da prática de crime, os autos serão remetidos ao Tribunal ou Órgão Especial competente, a fim de que se prossiga a investigação. É o que determina o art. 33, § único da LOMAN. Mas quando se trata de parlamentar federal, a investigação prossegue perante a autoridade policial federal. Apenas a ação penal é que tramita no Supremo Tribunal Federal. Disso resulta que não pode ser atendido o pedido de instauração de inquérito policial originário perante esta Corte. E, por via de conseqüência, a solicitação de indiciamento do parlamentar, ato privativo da autoridade policial. Resta a quebra do sigilo fiscal. Mas essa quebra deverá ser requerida no âmbito do inquérito policial que o Ministério Público Federal pretende seja instaurado. Nesse inquérito, disciplinado no CPP, poderá o parlamentar justificar a regularidade da remessa do numerário, ou até mesmo impugnar a idoneidade da documentação apresentada.De qualquer sorte, não há, ainda, qualquer comprovação de que o parlamentar tenha se recusado a apresentar suas declarações do imposto de renda. 3. Diante do exposto, determino sejam os autos devolvidos à Procuradoria-Geral da República para as providências que entender cabíveis.(Pet 3248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Julg. 28.10.2004, DJ 23.11.2004, p. 41).
O Superior Tribunal de Justiça acompanhou o Supremo Tribunal:
"PROCESSUAL PENAL - NOTÍCIA CRIME - INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL - INADMISSIBILIDADE - CPP, ART. 5º, II - PRECEDENTE DO STF (AGPET 2805-DF).
- Consoante recente entendimento esposado pelo STF, não é admissível o oferecimento de notícia-crime à autoridade judicial visando à instauração de inquérito policial.
- O art. 5º, II, do CPP confere ao Ministério Público o poder de requisitar diretamente ao delegado de polícia a instauração de inquérito policial com o fim de apurar supostos delitos de ação penal pública, ainda que se trate de crime atribuído à autoridade pública com foro privilegiado por prerrogativa de função.
- Não existe diploma legal que condicione a expedição do ofício requisitório pelo Ministério Público à prévia autorização do Tribunal competente para julgar a autoridade a ser investigada.
- É vedado, no direito brasileiro, o anonimato (art. 5º, IV, da CF/88). Agravo Regimental improvido" (AgRg na NC 317/PE, Agravo Regimental na Notícia-Crime 2003/0071820-2, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especial, DJ 23.05.2005, p.118).
Em sentido contrário, porém, o Ministro Marco Aurélio atendeu pedido similar do Procurador-Geral da República, instaurando inquérito para apurar suposto crime cometido pelo presidente do Banco do Central (Inquérito nº. 2206/DF), e realizando diretamente diligências investigatórias requeridas pela Procuradoria-Geral da República (Despacho de 07.08.2005, DJ de 16.08.2005, p. 008). O curioso neste caso é que, logo após o surgimento das primeiras notícias de crime supostamente praticado pela citada autoridade, foi editada a Medida Provisória nº. 207, de 13.08.2004, que lhe deu status de Ministro e lhe permitiu ter o Supremo Tribunal Federal como juízo natural nas causas penais. A Medida Provisória – que ficou conhecida na época como "blindagem" – foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente (ADI nº 3.289-5/DF).
Interessante notar, também, que o referido inquérito tramita tendo todos os despachos do relator publicados, pela Internet inclusive [06], tal qual o processo judicial, não assegurando o sigilo e tampouco preservando a imagem de investigados, conforme a sistemática do Código de Processo Penal, além de ser objeto de incidentes e atos processuais não existentes nos inquéritos policiais, como agravo regimental, votos e pedidos de vista dos demais Ministros – tornando tais investigações mais formais e menos céleres.
5. Conclusão
Parte da doutrina, pouco habituada a investigações desta natureza, tem defendido que a investigação pré-processual de pessoas detentoras de foro privativo por prerrogativa de função deva ser conduzida pelos magistrados que oficiem perante os Tribunais competentes para processá-los criminalmente.
A ausência de normas constitucionais e infraconstitucionais (exceção feita à Lei Orgânica da Magistratura Nacional e às Leis Orgânicas do Ministério Público) acerca da investigação de autoridades que possuam prerrogativa de foro nos leva a concluir que a mesma deva ser conduzida segundo a regra geral, ou seja, pelas autoridades policiais. Em tais casos, cabe apenas observar que o inquérito deve ser remetido no prazo legal ao Tribunal com competência para julgar o investigado, adotando-se o mesmo procedimento nas representações para prática de atos sujeitos a reserva jurisdicional (medidas cautelares, quebra de sigilo, etc).
Também não há que se falar em autorização do Tribunal para a instauração do inquérito, pois não compete a ele a valoração da notícia do crime.
E nem há que se invocar a aplicação analógica da Lei Orgânica da Magistratura Nacional que dispõe que a investigação criminal de magistrados deva ser feita pelo Tribunal com competência para o processo. A referida norma legal objetiva apenas assegurar a independência do Poder Judiciário, de forma a evitar que o Poder Executivo, por meio do inquérito policial, utilize investigações criminais para pressionar magistrados. Prova disso, é que os membros do Ministério Público, detentores de garantias semelhantes às da magistratura, só podem ser investigados por sua própria instituição, excluindo-se, portanto, não apenas o Poder Executivo (polícia judiciária), como o próprio Poder Judiciário (Tribunal) com competência para processá-los e julgá-los.
Tampouco há que se invocar os regimentos internos dos nossos Tribunais. Com efeito, as normas regimentais mencionadas, embora se refiram a autoridades sujeitas a jurisdição daqueles Tribunais, fazem referência exclusivamente aos crimes cometidos nas dependências dos Tribunais. É o que se denota do parágrafo que acompanha tais normas, ao dispor que nos demais casos – isto é, nos casos de crimes cometidos em suas dependências por pessoas outras que não as autoridades mencionadas e portanto não sujeitas ao processo perante o Tribunal – o inquérito poderá ser conduzido por magistrado ou pela autoridade competente. As disposições regimentais buscaram, igualmente, preservar a independência do Poder Judiciário, tal qual as resoluções do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, já mencionadas.
Parece-nos, pois, que todas as normas infraconstitucionais citadas que atribuem poderes investigatórios a magistrados devam ser reinterpretadas sob a luz da nova Constituição. As hipóteses ainda existentes de investigações judiciais não resguardam sequer as garantias mínimas que o sistema dos Juizados de instrução possuem na Europa, entre elas, a de que no julgamento não haja participação da autoridade que realizou a investigação.
Ademais, eventuais receios da magistratura existentes quando da edição da Lei Complementar nº. 35/1979, bem como da origem das normas regimentais acerca da atribuição para investigação de crimes cometidos nas dependências de Tribunais, não se justificam diante das inovações da Constituição atual. Com efeito, não é mais possível à polícia judiciária a prática, sem ordem judicial, de um grande número de atos que antes a dispensavam: busca domiciliar, quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico, prisão para averiguação, etc. De tal maneira, a simples garantia de não indiciamento em inquérito policial e a sua necessária "supervisão" judicial e ministerial são suficientes para legitimá-lo como instrumento de investigação pré-processual de quaisquer crimes.
Nota-se que nossos Tribunais não são vocacionados para investigar, não por despreparo ou desinteresse dos nossos Juízes. O que se observa é que nenhum deles possui estrutura e pessoal especializado para a realização de investigações.
O livro Juízes no banco dos réus, escrito pelo jornalista Frederico Vasconcelos, relata mais de uma década de investigações de crimes atribuídos a magistrados federais de São Paulo, incluindo a mais famosa delas, a Operação Anaconda. Como se depreende daquela obra, algumas irregularidades cometidas por magistrados federais de São Paulo já eram de conhecimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região havia mais de uma década. O mais conhecido dos magistrados presos no curso da Operação já havia sido afastado de suas funções por 4 anos, na década de 90, em virtude das investigações realizadas pelo Tribunal, tendo retornado ao exercício da magistratura por decisão do Superior Tribunal de Justiça, pela falta de conclusão das investigações.
Somente anos depois, já no curso da Operação Anaconda, foi possível reunir provas contra o referido magistrado e outros de seus colegas. A história da Operação Anaconda retrata muito bem as dificuldades existentes em investigações conduzidas por Tribunais. Primeiramente por constituir uma exceção na realidade brasileira. Segundo, porque se demonstrou que, por falta de regulamentação, há diversas dúvidas acerca do procedimento a ser adotado nas investigações em curso nos Tribunais (por exemplo, o papel da polícia judiciária e do Ministério Público na fase pré-processual). Terceiro, porque talvez parte do êxito das investigações seja devido ao fato de que ela se iniciou nos moldes tradicionais, ou seja, pela polícia judiciária, sob supervisão de Juiz Federal de primeira instância e acompanhamento pelo Ministério Público, tendo como alvo inicial os integrantes da quadrilha que não possuíam prerrogativa de foro. A remessa ao TRF da 3ª Região só se deu quando já havia indícios robustos de crimes cometidos por magistrados.
A investigação criminal pré-processual exige um dinamismo e informalismo para os quais nossas cortes não estão preparadas. Com efeito, além das medidas tomadas em gabinetes, a investigação criminal exige agentes preparados para sair nas ruas, entrevistar pessoas, colher informações nos mais diversos bancos de dados, realizar vigilância e filmagens, atos estes que, muitas vezes, não são registrados nos autos e cuja realização não pode simplesmente ser determinada ao órgão policial através de cotas ou despachos do Juiz, por serem realizadas, às vezes, de forma imediata após a constatação de sua necessidade.
Ao permitir a realização de investigações criminais por seus Ministros – justamente em casos envolvendo grandes autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo – o Supremo Tribunal Federal coloca em xeque o sistema acusatório, único apto a resguardar a imparcialidade do Juiz. Uma eventual mudança no entendimento da Corte Suprema, justamente quando se noticia a intenção de Ministros que presidiram os dois mais importantes Tribunais do país de abandonar a magistratura para concorrer a cargos eletivos, mostrar-se-ia extremamente inoportuna, além de abrir espaço para questionamentos acerca da imparcialidade na condução de tais investigações.
Acrescente-se, ainda, que tais investigações nem mesmo podem ser comparadas às atividades do Juiz de instrução na Europa, considerando que naquele continente o julgamento não é realizado pelo próprio magistrado investigante, mas por outro juízo. No presente caso, nenhuma disposição legal ou regimental há que exclua o Ministro relator (investigante) do julgamento, muito pelo contrário (Lei nº. 8038/1990).