2. A Teoria Geral do Direito
Teoria (do grego, teoria, 'contemplação', 'reflexão', 'introspecção', de theoréo, 'olho', 'observo', composto por thea, 'espetáculo', por sua vez, derivado de thâuma, 'visão', e, horao, 'vejo') indica, na linguagem comum, uma ideia nascida com base em alguma hipótese, conjectura, especulação ou suposição, mesmo abstrata, sobre a realidade. Também designa o conhecimento, descritivo, puramente racional, ou a forma de pensar e entender algum fenômeno, a partir da observação. Na Grécia, teoria significava "festa solene, procissão ou embaixada que as cidades helênicas enviavam para representá-las nos jogos olímpicos ou para consultar os oráculos (relação entre o homem e a divindade).
Ciência. Etimologicamente a palavra ciência vem do latim (scientia) e significa conhecimento, sabedoria. A ciência tem como base um corpo de princípios, de teorias organizadas, metódica e sistematicamente, construindo uma área do saber humano, relativa a um fenômeno ou objeto de estudo. Diga-se que, a Ciência não é acumulação de “verdades”, mas, um campo aberto onde há uma luta constante entre as teorias, os princípios e as concepções de mundo.
A Teoria Geral do Direito é o estudo dos conceitos fundamentais e universais do Direito e das características que são comuns a todos os Sistemas Jurídicos. Ela busca uma visão compreensiva sobre a epistemologia, vale dizer, a origem, a natureza e os limites do Direito, suas ideologias, metodologias e conceitos gerais, e também, sobre a natureza e aplicação das leis, dentro de uma Sistema de Normas.
A Teoria Geral do Direito. Conhecida em outros países como Théorie Générale du Droit, Teoria Generale del Diritto, Teoría General del Derecho, General Theory of Law, Allgemeine Rechtslehre ou Allgemeine Rechstheorie, é uma disciplina que se dedica à análise dos conceitos jurídicos fundamentais que são comuns aos diferentes Sistemas Jurídicos ou ramos do Direito. Vale dizer, ela busca estudar o Ordenamento Jurídico em sua totalidade, a partir da observação dos vários Sistemas Jurídicos, definindo, assim, os grandes eixos de construção e aplicação do Direito.
A ideia de uma Teoria Geral do Direito surgiu para se contrapor às Teorias Específicas de cada ramo do Direito, mas, a partir do momento em que a Teoria Geral do Direito ampliou seu campo de pesquisa, envolvendo questões fundamentais de definição e de estrutura do Direito, deixou de ser simplesmente a parte geral e propedêutica da dogmática jurídica, e constituiu-se em uma Teoria explicativa do fenômeno jurídico.
A Teoria Geral do Direito teve um desenvolvimento na Alemanha a partir da segunda metade do Século XIX. Autores como Ernst Rudolf Bierling e Felix Somló, tinham como objetivo estudar conceitos comuns entre todos os ramos do Direito, visando indicar a unidade do Sistema Jurídico. A Teoria era Geral porque apresentava-se como parte geral do estudo do fenômeno jurídico como um todo.
Ernest Rudolf Bierling (1841-1919)15 formulou a Teoria Psicológica do Positivismo Jurídico Empírico. Nesta perspectiva, buscou demonstrar a autoridade do Direito, objetivo primordial da Escola Empírica, na concepção de reconhecimento. Vale dizer, que o Direito é aquilo que é, reconhecido como tal, pela comunidade, sendo este reconhecimento, um comportamento duradouro e habitual. Concebe ainda que, a interpretação da lei deva investigar a vontade real do legislador, não o espírito da lei, e, não sendo possível obter a vontade real deste, deve-se voltar para a interpretação segundo a Boa-fé.
Felix Somló (1873-1920) esloveno, advogado, jurista, Filósofo do Direito, sociólogo, e Professor da Universidade de Budapest, Hungria. Fundou a Sociedade de Ciências Sociais com a participação de Harkányi Edével e Pikler Gyulával. Publicou a obra “Parlamentarismo”, que era pioneira dos estudos jurídicos húngaros. Ele argumentou que o parlamentarismo é apenas um fenômeno temporário, que é uma marca de um certo ponto de desenvolvimento de um Governo. O foco de sua pesquisa era em a relação entre o corpo humano e suas circunstâncias e o ambiente. Esta foi a essência do embate entre a intervenção do Estado e do individualismo. Nesse sentido, Somló estabeleceu o lugar e o significado natural da intervenção estatal, no processo natural de desenvolvimento social. Em 1903, a Sociedade de Ciências Sociais realizou uma reunião, na qual, Felix Somló apresentou um estudo intitulado a Teoria do Desenvolvimento Social e Algumas Aplicações Práticas. A Revista Século XX, veículo de divulgação da Sociedade de Ciências Sociais, publicou o estudo na edição de março de 1903.
Assim, a Teoria Geral do Direito definiu como objeto de estudo o Direito Positivo, deixando de lado questões clássicas da Filosofia do Direito, como relação do Direito com a Justiça, a Moral, os valores, a verdade, etc. Dessa forma, a Teoria Geral do Direito apresenta-se como Teoria das Normas Jurídicas e a Filosofia do Direito, como Teoria dos Valores do Direito.
O termo mais usado na língua inglesa para designar a Teoria Geral do Direito é Jurisprudence, ainda que alguns autores utilizem a expressão Legal Theory ou, raramente, General Theory of Law.
Jeremy Benthan (1748-1832)16, Filosofo e jurista, que se apresenta como ponto de referência para a reflexão jusfilosófica do pensamento utilitarista, publicou em 1789, a obra An introduction to the principles of morals and legislation (Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação) na qual, propõe uma distinção conceitual entre a Local Jurisprudence e a Universal Jurisprudence. A primeira estudaria o conteúdo da legislação de determinados países e a segunda, os elementos comuns a todas as legislações do mundo, o que faria dela bastante restrita, limitando-se aos poucos conceitos jurídicos que são utilizados em todas as Nações.
John Austin (1790-1859)17, jurista inglês, é considerado fundador da Teoria Geral do Direito na Inglaterra. Ele distingue entre a particular jurisprudence e a general jurisprudence, sendo essa última, a ciência que estuda os princípios e conceitos comuns aos Ordenamentos Jurídicos das Nações civilizadas, pois, são mais aperfeiçoados e apresentam fortes semelhanças. A Jurisprudence é definida como a disciplina que “estuda questões teóricas, que dizem respeito à natureza das leis e dos Sistemas Jurídicos, a relação do Direito com a Justiça e a Moralidade e à natureza social do Direito”. É considerado efetivamente como o pai do Positivismo Jurídico, tendo sido o responsável pela junção entre as visões do Utilitarismo e entre a Escola Histórica Alemã, de forma a formular toda a Teoria Básica do Positivismo. Publicou o livro: The Providence of Jurisprudence Determined (A Determinação do Âmbito da Teoria do Direito), definindo o Direito, como direito posto pelos superiores políticos aos inferiores políticos.
A Teoria do Direito é exterior em relação à Dogmática Jurídica, pois, seu objetivo não é interpretar determinado Direito Positivo. Porém, ao mesmo tempo, ela não é completamente exterior, como seriam a sociologia ou psicologia jurídica, por exemplo, que se desvinculam do Direito Positivo. Essa determinação topológica, no entanto, não é plenamente consensual e existe bastante controvérsia, principalmente no que diz respeito à distinção entre Filosofia do Direito e Teoria do Direito.
Norberto Bobbio (1909-2004)18, foi Professor da Universidade Turim, Filósofo, político, historiador do pensamento político, escritor e Senador vitalício italiano. Entre as muitas obras, em 1955, publicou a obra “Estudos Sobre a Teoria Geral do Direito”. Na linha de pesquisa e desenvolvimento do seu pensamento sobre o Direito, Bobbio, publicou também em 1993, a obra Teoria Geral do Direito, a qual, consubstancia esta Teoria, em duas dimensões, vale dizer, a Teoria da Norma Jurídica e a Teoria do Ordenamento Jurídico.
Na Teoria da Norma Jurídica, afirma que,
A melhor maneira de compreender a experiência jurídica é considerar o Direito como um conjunto de normas ”. Acreditamos ser livres, mas, na verdade estamos envoltos numa densa rede de regras de conduta. Se deixarmos de nos referir aos indivíduos e contemplarmos a vida complexa das sociedades, pode-se notar que há um ponto de vista normativo no estudo da história, segundo o qual, as civilizações se caracterizam por ordenamentos de regras que contém as ações dos homens que delas participaram (p.15).
Destaque-se que, a Teoria da Norma Jurídica, não apenas exalta uma concepção jurídica, mas, um verdadeiro contributo para uma Teoria Geral do Direito. A Teoria da Norma Jurídica se afirmou como o paradigma, e todas as considerações e análises críticas às teorias jurídicas suas contemporâneas, são o seu bastante alicerce, que cimentam o fortalecimento de uma doutrina que ainda hoje, se releva como fundamental e necessária, para fazer face aos problemas do Direito atual. Norberto Bobbio parte da definição de Direito como “um conjunto de normas ou regras de conduta” de forma a acentuar o cariz (face) de normatividade. O ser humano na sua vivência em sociedade, vê-se envolto numa teia de procedimentos, aos quais, está adstrito, sejam estes de raiz, moral, social, religioso ou jurídico.
Em outra perspectiva, a Teoria do Ordenamento Jurídico é uma tentativa de resolver alguns problemas que a Teoria da Norma Jurídica não havia conseguido resolver, ou havia dado uma resposta insatisfatória, como, por exemplo, a questão da completude e das antinomias. Assim, ele analisa a norma jurídica e o Ordenamento Jurídico; a unidade do Ordenamento Jurídico; a coerência do Ordenamento Jurídico; a completude do Ordenamento Jurídico; e Ordenamentos Jurídicos em relação entre si. Bobbio, sustenta que,
A exigência da nova pesquisa nasce do fato de que, na realidade, as normas jurídicas nunca existem sozinhas, mas, sempre num contexto de normas que tem relações específicas entre si (e essas relações serão em grande parte o objeto do nosso estudo). Esse contexto de normas costuma ser denominado “ordenamento”. E, convém observar desde do o início que a palavra “direito”, dentre os seus muitos significados, também quer dizer “ordenamento jurídico”, por exemplo, nas expressões “direito romano”, “direito italiano”, direito canônico”, etc. (p.185).
Bobbio declara que sua obra pode ser considerada uma continuação ou complementação do trabalho de Hans Kelsen, especialmente, na sua obra “Teoria Geral do Direito e do Estado”.
O saudoso Professor e Jusfilósofo, Miguel Reale19, quando analisa a Teoria Geral do Direito, afirma que,
É claro, portanto, que a Ciência Jurídica se eleve ao plano de uma Teoria Geral do Direito, que, como veremos com mais profundidade, ao volvermos a este assunto, representa a parte geral comum a todas as formas de conhecimento positivo do Direito, aquela, na qual, se fixam os princípios ou diretrizes capazes de elucidar-nos sobre a estrutura das regras jurídicas e sua concatenação lógica, bem como, sobre os motivos que governam os distintos campos da experiência jurídica. Alguns autores distinguem entre Teoria Geral do Direito e Enciclopédia Jurídica, atribuindo a esta, a tarefa de elaborar uma súmula de cada uma das disciplinas do Direito, numa espécie de microcosmo jurídico. Enciclopédia quer dizer mesmo "conhecimento ou visão de natureza circular", o que, a bem ver, redundaria numa sequência de problemas distribuídos em função do Direito Constitucional, Civil, Penal etc. Parece-nos de bem reduzido alcance esse cinerama jurídico, que só pode ser avaliado por quem já percorreu cada um dos ramos do Direito. É à Introdução ao Estudo do Direito que cabe, a nosso ver, dar uma noção geral de cada disciplina jurídica, mas sem a pretensão de realizar uma síntese das respectivas questões fundamentais (nosso grifo).
O Prof. Eduardo C.B Bittar20, advogado, Professor associado do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito, da Faculdade de Direito da USP, Membro Titular do Grupo de Pesquisas Direitos Humanos, Democracia, Política e Memória, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), ao se referir sobre a Teoria Geral do Direito, afirma que,
(...) Mas, guardadas estas características dos movimentos internos da Ciência do Direito atualmente, uma Teoria Geral do Direito continua sendo um empreendimento útil para uma compreensão abrangente do Direito, desde que baseada na interdisciplinaridade com outras fronteiras científicas das Ciências Humanas, no diálogo inter-áreas, das Ciências do Direito e, também, situada diante dos desafios concretos da realidade brasileira. A capacidade de trânsito inter-áreas faz da Teoria Geral uma Teoria poliglota, e, também, uma Teoria polivalente, abrangente e basilar do Direito. A Teoria do Humanismo Realista (THR) entende que a Ciência do Direito, não é capaz de produzir o entendimento sobre a complexa e mutável ‘realidade social’, sem recorrer à interdisciplinaridade, à interconexão entre saberes e ao diálogo com as Ciências Humanas (Antropologia; Sociologia; História; Filosofia; Ciência Política; Semiótica), para exercer a sua função social - no plano da reflexão, da crítica e da epistéme - com precisão, acuidade e responsabilidade.
Evguiéni Bronislávovitch Pachukanis (1891-1937)21, ou Eugênio Pasukanis (em russo Евгений Брониславович Пашуканис), foi um jurista soviético, membro do Partido Bolchevique, e ainda hoje, considerado o mais proeminente teórico marxista no campo do Direito, da Ludwig-Maxmilians-Universität, na Alemanha e da Universidade São Petersburgo, Rússia, na sua obra mais destacada, a Teoria Geral do Direito e Marxismo, traz a lume, os grandes problemas à Teoria do Direito, na sociedade soviética. Assim, Pachukanis, define que,
A Teoria Geral do Direito pode ser definida como o desenvolvimento dos conceitos jurídicos fundamentais, ou seja, os mais abstratos. Estes, incluem definições como “norma jurídica”, “relação jurídica”, “sujeito de direito”, etc. Graças a sua natureza abstrata, tais conceitos, são igualmente aplicados a outros ramos do direito, seus significados lógico e sistemático permanecem inalterados, independentemente do conteúdo a que se aplicam.
Diga-se que, a Teoria Geral do Direito, ao longo dos tempos, vem propiciando e fornecendo o perfil de um Estado Social, onde o princípio da função social, irradia-se em todos os ramos do Direito, indistintamente, que integram o Sistema Jurídico de cada Estado, harmonizando-se com os principais conceitos de Direito Positivo.
É bem verdade que o art. 4º, do Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/194222, que aprovou as Normas de Introdução ao Direito Brasileiro - LINDB, concebe ao juiz ou magistrado, no julgamento do caso concreto, como fontes formais para aplicação do Direito, a Lei, a analogia, os costumes e os Princípios Gerais do Direito.
2.1. A Hermenêutica Jurídica.
Tendo em vista a natural evolução da Teoria Geral do Direito, com a utilização dos métodos de hermenêutica, a forma de interpretar a norma jurídica (lei) de maneira criteriosa, gramatical e exegética, foi cedendo espaço para incorporar ao modelo de interpretação, a doutrina e a jurisprudência, consubstanciando-se como novas fontes de Direito, de modo a preencher as principais lacunas, dubiedades e contradições que trafegam, inexoravelmente no Sistema Jurídico de um Estado Social.
Nesta perspectiva, a hermenêutica jurídica é o ramo da Teoria da Geral do Direito, destinada ao estudo e ao desenvolvimento dos métodos e princípios da atividade de interpretação. A finalidade da hermenêutica, enquanto domínio teórico, é proporcionar bases racionais e seguras para uma interpretação dos enunciados normativos. A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito. Registre-se que, a hermenêutica jurídica é a Teoria Científica da arte de interpretar.