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Contratação temporária de pessoal na Administração Pública:

desvirtuamento do uso da exceção prevista no art. 37, IX, da Constituição Federal

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Resumo:


  • A Constituição de 1988 estabeleceu a exigência de concurso público para investidura em cargos públicos, promovendo uma moralização no serviço público e planejamento nas contratações.

  • A exceção prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, que permite contratações temporárias para atender a necessidades excepcionais de interesse público, tem sido utilizada por entidades públicas para burlar a obrigatoriedade do concurso público.

  • O Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) têm atuado na fiscalização das contratações de pessoal, buscando garantir a observância da regra do concurso público e coibindo práticas irregulares que desrespeitam os princípios constitucionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

I - Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5/10/1988, trouxe importante previsão no que tange à exigência rígida de que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público (art. 37, inciso II). A partir dessa data, houve nítida moralização no serviço público, passando a haver planejamento e programação das contratações de pessoal, pelos diversos órgãos e entidades da Administração Pública, em todas as suas esferas – federal, estadual e distrital.

Esse novo cenário ganhou força com deliberação do Tribunal de Contas da União no sentido de que, após a Carta Magna de 1988, mesmo as chamadas empresas estatais – empresas públicas e sociedades de economia mista –, apesar do regime privatístico que as rege (parágrafos 1º e 2º do art. 173 da Carta Magna), estão submetidas ao requisito de concurso público previsto de forma geral no art. 37, inciso II, da Carta Política. Como regra de transição para as estatais, e considerando os princípios hermenêuticos da razoabilidade e da proporcionalidade, admitiu o TCU que a obrigatoriedade fosse imposta somente a partir de 06/06/1990, data em que publicou deliberação que pacificou definitivamente a matéria (TC 006.658/89-0, Sessão Plenária de 16/5/1990, Ata nº 21/1990; DOU de 6/6/1990, página 10.835 – Ministro-Relator Luciano Brandão).

Fincada a premissa geral inafastável de necessidade de concurso público, os órgãos de fiscalização da Administração Pública, como o Tribunal de Contas da União – TCU, o Ministério Público do Trabalho – MPT e o Ministério Público Federal – MPF, deparam-se, atualmente, com uma nova "onda", ou se poderia denominar de técnica, para esquivar-se da mencionada regra constitucional. Trata-se da exceção prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, qual seja a contratação por prazo determinado para atender a "necessidade temporária de excepcional interesse público", da qual certas entidades e órgãos públicos têm-se valido para deixar de realizar procedimento formal de contratação de servidores, tema que se passa a examinar de forma detida.


II - Possibilidades e limites da contratação temporária na Administração Pública

O mencionado inciso IX do art. 37 da Constituição Federal estabelece a exceção pela qual pode haver contratação por prazo determinado, mas, para tanto, exige que se encontrem presentes dois requisitos:

a) a previsão expressa em lei;

b) a real existência de "necessidade temporária de excepcional interesse público".

Para uma correta interpretação do alcance do instituto jurídico previsto na referida norma, há que se examinar pormenorizadamente cada uma dessas exigências.

2.1 Previsão expressa em lei

Muito já se escreveu a respeito da efetividade das normas constitucionais, sendo que José Afonso da Silva, em duas importantes obras relativas à hermenêutica constitucional ("Aplicabilidade das Normas Constitucionais" e "Direito Constitucional Positivo"), formulou definição, atualmente clássica entre nós, consistente nas espécies de normas de eficácia imediata, contida e limitada. Enquanto dispositivos com eficácia imediata prescindem de lei regulamentadora, aqueles de eficácia contida e limitada necessitam de diploma superveniente para explicar o seu alcance. Distinguem-se essas duas espécies na medida em que as normas de eficácia contida produzem efeitos desde logo, podendo ser restringidas por regulamentação posterior, ao passo que normas de eficácia limitada não promanam efeitos concretos antes da edição de lei regulamentadora.

Ressalte-se que não se deseja negar quaisquer efeitos às normas de eficácia limitada pois, mesmo antes do necessário regramento, já têm o condão de emitir certos efeitos, como o de vincular o legislador ordinário – o denominado efeito paralisante.

Cabe, nesse ponto, breve digressão para ressaltar importante contribuição para a hermenêutica jurídica nacional oferecida pelo juiz gaúcho Ingo Wolfgang Sarlet [1]. Segundo o magistrado, além da clássica lição de José Afonso da Silva, ao se proceder ao exame da eficácia de determinado dispositivo legal, há que se levar em conta, ainda, aquilo que denomina de "densidade normativa". Assim, dispositivos com baixa densidade normativa têm naturalmente de ser regulamentados e o seu reconhecimento apenas pode se dar por meio da construção jurisprudencial consistente, em cotejo com os princípios constitucionais. De outro giro, previsões legais com alta densidade normativa dispensam essas fases, irradiando desde a sua edição os efeitos que lhe são próprios.

Quanto à norma prevista no inciso IX do 37 da Constituição Federal, não há dúvida de que se trata de norma de eficácia limitada e de baixa normatividade, ou seja, previsão constitucional que necessita de regulamentação para que possa produzir efeitos, sem a qual permanecerá no ordenamento jurídico, de forma latente, mas sem emanação de efeitos concretos. Não é difícil chegar-se a essa conclusão pois, na moderna hermenêutica constitucional, deve-se dar preponderância aos princípios norteadores de determinado ordenamento jurídico, entendimento traduzido contemporaneamente nos estudos da "normatividade dos princípios", também denominada pós-positivismo, empreendidos por diversos constitucionalistas, podendo-se citar, por todos, Luís Roberto Barroso, em sua obra-marco sobre a matéria [2].

Nessa quadra, deve-se obervar que, no seio da Constituição Brasileira de 1988, o concurso público é verdadeiro princípio constitucional, mesmo porque representa vetor axiológico perfeitamente alinhado com os princípios contidos no caput do multicitado art. 37 da Carta Política, quais sejam os da impessoalidade, legalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Assim, sendo o concurso público regra profundamente delineada no ordenamento brasileiro, sua exceção, a contratação temporária sem concurso, deve ser interpretada restritivamente, sob pena de ferir-se de morte todo o sistema cuidadosamente construído pelo constituinte de 1988.

Força é convir, portanto, que apenas com a superveniência de lei regulamentadora determinado ente da federação poderá implementar a contratação temporária sem concurso público. No caso da União, essa lei já foi editada, qual seja a de nº 8.745/1993, que estabelece precisos critérios para a realização de contratação temporária, exigindo, entre outros requisitos, áreas pré-definidas, período limitativo e necessidade de processo seletivo simplificado.

2.2 Existência real de "necessidade temporária de excepcional interesse público"

Além da edição de lei autorizativa, é, ainda, preciso verificar, no caso concreto da contratação, aquilo que a própria Constituição denomina de necessidade temporária de excepcional interesse público. A expressão é de clareza ofuscante, não deixando dúvidas: eventual contratação temporária obrigatoriamente deve-se dar apenas em casos excepcionais, em que eventual demora cause danos ao interesse público ou, mais especificamente, ao princípio da continuidade do serviço público.

Há, contudo, que se ter em conta que a necessidade excepcional não pode ter sido gerada pela inércia do administrador público. Ou seja, é princípio norteador da Administração o planejamento, estando até mesmo positivado no art. 6º, inciso I, do Decreto-Lei nº 200/1967, devendo os órgãos e entidades públicas adequar as suas projeções de contratação de pessoal às necessidades do serviço e à disponibilidade orçamentária.

Assim, mostra-se irregular a atuação do gestor público que, ao longo de anos, não implementa procedimentos de concurso público e, em dado momento, efetua contratação excepcional temporária, sem concurso, sob o argumento de que, caso não a promova, advirão prejuízos à prestação de serviços públicos. Nesse caso de desvirtuamento do sistema, deve ser identificada a gestão irregular do patrimônio público e promovida a apenação do administrador público faltoso. Essa irregularidade, consistente na ausência de planejamento e conseqüente contratação temporária, tem sido verificada em todas as esferas do serviço público, principalmente em pequenos municípios, nos quais praticamente não são realizados concursos públicos, promovendo-se, além de contratação inadequada, com arrimo no art. 37, inciso IX, da Constituição Federal, outras formas de desvirtuamento da regra do concurso público, como a contratação de cooperativas de mão-de-obra e terceirizações fora do permissivo jurisprudencial fixado na Súmula nº 331, item III, do Tribunal Superior do Trabalho [3].

A conduta reta do administrador público é autêntico corolário dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Este, conforme sustenta Celso Antônio Bandeira de Mello, impõe à Administração, "segundo cânones de lealdade e boa-fé, proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos". Segundo o princípio da impessoalidade, o professor ressalta que "nem favoritismos nem perseguições são toleráveis" na Administração Pública brasileira [4].


III - Contratação de professores nas universidades públicas

Um exemplo de desvirtuamento nas contratações temporárias que pode ser apontado é o caso dos professores nas universidades públicas. Segundo esclarece Flávio Roberto Ferreira de Lima [5], a referida seleção é regulamentada pelos §§ 1º e 2º da Lei nº 8.745/1993, com redação dada pela Lei nº 9.849/1999, os quais dispõem que a contratação de professor substituto será realizada exclusivamentepara suprir falta de membros docentes da carreira, nas hipóteses decorrentes de exoneração ou demissão, falecimento, aposentadoria, afastamento para capacitação e afastamento ou licença de concessão obrigatória.

Professor substituto é aquele que não mantém vínculo efetivo com a instituição pública de ensino, sendo contratado mediante processo seletivo simplificado. Este processo de seleção exige que a instituição de ensino faça ampla divulgação, inclusive através do Diário Oficial da União (art. 3º da Lei nº 8.745/93). Ocorre, contudo, que, ao arrepio dessa regulamentação, certas universidades têm se esquivado de realizar concurso público regular para promover contratações temporárias desmotivadas, apesar de haver previsão de que o professor substituto apenas poderá ser contratado em situações de "falta de docente da carreira".

A matéria também foi objeto de detido estudo pelo Professor Jair Vanderlei Krewer [5], que aponta outros malefícios gerados para essas instituições. Uma vez que a remuneração oferecida é baixa, aduz o docente, "os processos seletivos são obrigados a diminuir as exigências quanto à qualificação profissional: se encontrar profissionais que estejam dispostos a trabalhar em troca de salários tão baixos já é difícil, imagine quão pior se torna essa mesma missão em se tratando de profissionais qualificados, com especializações e cursos de pós-graduação? Assim, verifica-se que o resultado desta caça ao tesouro travada pelas universidades federais em busca de seus professores substitutos não tem sido muito proveitosa, os reflexos são percebidos nas constantes manifestações acadêmicas em busca da melhoria na qualidade do ensino público superior".

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As conseqüências diretas desse tipo de política de pessoal, além da inconstitucionalidade manifesta, são o recrutamento de professores iniciantes, sem experiência prática e com pouco conhecimento teórico. E pior: justamente quando o profissional contratado começa a adquirir mais experiência e adequa-se à política da instituição, seu contrato se encerra.


IV - Atuação do Tribunal de Contas da União na fiscalização das contratações de pessoal

O Tribunal de Contas da União foi incumbido, pelos arts. 71 e 72 da Carta de 1988, conjuntamente com o Congresso Nacional e em auxílio a este, de realizar o controle externo da Administração Pública Federal, exercendo, nesse mister, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades que compõem a denominada Administração Pública Indireta. Devem ser examinados, entre outros, os aspectos de legalidade, legitimidade e economicidade.

Essa atribuição é implementada mediante prestações de contas ou por qualquer fiscalização realizada pelo Tribunal, seja por promoção ex officio, seja em atendimento a representações ou denúncias dirigidas ao Tribunal, ou, ainda, por solicitação do Congresso Nacional. Nesses casos, deve a Corte de Contas investigar as contratações de pessoal dos órgãos e entidades federais para averiguar a obediência à regra constitucional do concurso público e, caso existente contratação temporária, averiguar a observância aos requisitos previstos na Constituição Federal e na Lei nº 8.745/1993.

Nesse sentido, pode-se registrar, como exemplo da fiscalização exercida pelo TCU, o Acórdão nº 109/1999, proferido pelo Plenário, mediante o qual foi considerada procedente denúncia encaminhada à Corte de Contas e aplicadas multas aos responsáveis pelo então Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER. Naquela ocasião, houve pronta reprimenda à política de contratação de advogados por aquele órgão a título de "colaboradores eventuais", em inobservância à regra do concurso público prevista no art. 37, inciso II, da Constituição Federal e sem observar os requisitos específicos da mencionada Lei nº 8.745/1993.

O que ocorria no DNER era claro: os gestores do órgão permaneciam inertes em sua obrigação de promover concursos públicos para contratação de servidores efetivos para o cargo de advogado e, ao depararem-se inevitavelmente com a necessidade dos referidos serviços, lançavam mão da contratação temporária que, por se perpetuarem por várias gestões, transmudavam-se em "permanentes". Essa irregularidade específica nesse órgão já havia sido objeto de determinação do TCU e, ante tal fato, o Relator do feito, Exmº Ministro Walton Alencar Rodrigues, assim se manifestou:

"A questão da contratação de advogados, a título de colaboradores eventuais, já foi objeto de anterior determinação à administração central do DNER, por ocasião da apreciação do Relatório da Auditoria, realizada em agosto de 1996, no processo TC-625.413/96-2 (Sessão da 2ª Câmara de 30.10.97, Relação 77/97, Ata 35/97), com expressa determinação no sentido de adotar medidas em relação a tais contratos e promover ‘a apuração da responsabilidade pelas contratações irregulares, inclusive daquelas que infringiram o art. 6º da Lei 8.745/93, na forma que dispõe seu parágrafo único, e pelas prorrogações dos contratos em desacordo com o disposto no ´´caput´´ do art. 4º do último diploma legal citado’. Estes dados comprovam que, a despeito da determinação do TCU, os advogados contratados continuaram a atuar em 1996 e 1997, assistindo razão à instrução ao afirmar, no item 41, que o DNER vem ‘preferindo buscar refúgio nas entrelinhas legais a resolver definitivamente seus problemas’ relacionados ao caso das contratações irregulares. É evidente também, a utilização da permissão legal, outorgada pelos dispositivos da Lei 8.745/93, em moldes absolutamente discrepantes com os significados que deles se extraem, o que revela, data venia, deletério intuito de fraudar a vontade legal, realizando contratações não autorizadas pelo legislador, com violação a princípios basilares da boa administração".


V - Competência da Justiça do Trabalho e atribuição constitucional do Ministério Público do Trabalho – MPT

O Poder Judiciário como um todo também tem emitido deliberações contrárias à inobservância dos critérios fixados pelo inciso IX do art. 37 da Carta Política. Nessa seara, substanciosa jurisprudência vem se formando no âmbito da Justiça do Trabalho. Com o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 263 da Seção de Dissídios Individuais 1 (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho, aquela Corte superior abandonou o entendimento anterior, no sentido de que o servidor contratado para exercer funções temporárias era submetido necessariamente a uma relação jurídica de natureza administrativa.

Com a anterior orientação do TST, em todas as hipóteses em que havia contratação temporária, fosse regular ou irregular, o vínculo que se formava entre o servidor público e o ente contratante era administrativo, atraindo, assim, a competência da Justiça Federal, Estadual ou Distrital, de acordo com a esfera da Administração Pública.

A partir de setembro de 2004, com o cancelamento do referido verbete jurisprudencial, as contratações temporárias de órgãos públicos em desvirtuamento ao previsto na legislação devem ser regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Claro que, a contrario sensu, se houver lei autorizativa para essa contratação excepcional e esta se der nos termos e limites fixados, o vínculo do servidor será administrativo ou "celetista" de acordo com a previsão na lei correspondente, do ente público contratante.

Essa modificação interpretativa da Corte Laboral teve o salutar efeito de ensejar a atuação do Ministério Público do Trabalho, que tem ajuizado ações civis públicas em face de entes estatais que se esquivam da obrigatoriedade de realizar concurso público. O cabimento de ações coletivas tem sido possível devido ao fato de que toda a coletividade é atingida quando determinado administrador público abstém-se de promover o constitucional concurso público: seja porque a moralidade pública é atingida, seja porque todos os cidadãos são concorrentes em potencial a um cargo público. Há, assim, o direito subjetivo público de todo cidadão de participar dos certames para provimento dos cargos públicos e, além disso, interesse da sociedade em vê-los providos com o devido respeito às formalidades legais.

As ações coletivas ajuizadas pelo MPT nesses casos atendem ao estabelecido no art. 129, III, da Constituição Federal, que especifica ser atribuição do Ministério Público a promoção da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos ou coletivos.

É justamente a falta de realização do necessário concurso público que faz nascer a lesão aos direitos difusos da sociedade – direitos esses que são considerados espécies do gênero direitos coletivos lato sensu – na perfeita dicção do parágrafo único, inciso I, do art. 81 do CDC. Segundo essa norma, difusos são os interesses transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

A respeito, lúcida é a lição de Cândido Rangel Dinamarco [6], valendo-se do entendimento de José Carlos Barbosa Moreira:

"O Ministério Público é por definição a instituição estatal predestinada ao zelo do interesse público no processo. O interesse público que o Ministério Público resguarda não é o puro e simples interesse da sociedade no correto exercício da jurisdição como tal – que também é uma função pública – porque dessa atenção estão encarregados os juízes, também agentes estatais eles próprios. O Ministério Público tem o encargo de cuidar para que, mediante o processo e o exercício da jurisdição, recebam o tratamento adequado certos conflitos e certos valores a ele inerentes. Aceitando a premissa de que a Constituição e a lei são autênticos depositários desses valores, proclama aquela que ao MP incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127). São indisponíveis, antes de todos, os direitos e interesses transindividuais qualificados como difusos, coletivos ou individuais homogêneos, cuja transgressão é capaz de trazer abalos mais ou menos sensíveis ao convívio social, ou impactos de massa (Barbosa Moreira)"

Além da competência jurisdicional e das atribuições do Ministério Público, outro importante aspecto deve ser mencionado relativamente à matéria ora tratada: o fato de o administrador público não promover concurso público e contratar servidores temporários de forma diversa do que prevê o ordenamento jurídico brasileiro é causa do instituto que vem sendo denominado de "improbidade administrativa trabalhista".

A improbidade administrativa é prevista de forma genérica no § 4º do art. 37 e no art. 15, inciso V, da Constituição Federal e regulamentada pela Lei nº 8.429/1992, dando ensejo à suspensão dos direitos políticos, à perda da função pública, à indisponibilidade dos bens e ao ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível.

Será trabalhista a improbidade administrativa quando, além de atentar contra a moralidade e demais princípios e regras constitucionais da Administração Pública, o ato administrativo ofender, ainda, o ordenamento trabalhista que consubstancia, por exemplo, como dito acima, o direito dos cidadãos em ocupar cargos públicos regidos pela CLT. Nessas condições, vale registrar recentíssima decisão paradigma proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, de 17/03/2006, que, confirmando sentença proferida por Juiz do Trabalho daquela Região, foi assim ementada:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS SOCIAIS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar a improbidade administrativa trabalhista, assim como os demais interesses difusos e coletivos decorrentes das relações de trabalho".

Também nesse sentido já se manifestou o Ministro Marco Aurélio, do STF, de forma monocrática, acolhendo a competência da Justiça do Trabalho relativamente a essa matéria (AI nº 298733/AM, DJ de 14/02/2001, p. 29).

Após a Emenda Constitucional nº 45/2004, que ampliou o universo de atuação da Justiça do Trabalho, esse entendimento restou ainda mais nítido, havendo, por exemplo, o Ministro Carlos Brito declarado que "são, agora, da competência da Justiça do Trabalho todas as ações oriundas da relação de trabalho" (apud Ministro Cezar Peluso, CC 7204, pub. No DJ de 09/12/2005).

As repercussões da contratação irregular são tão sérias e espraiam-se por ramos tão diversos no tocante à responsabilidade do administrador público que, segundo sustenta a doutrina especializada na matéria, é viável até mesmo a imputação pessoal dos prejuízos ao gestor público. Nesse sentido, vale reproduzir o entendimento da Procuradora do Ministério Público do Trabalho Viviann Rodrigues Mattos, Vice-Coordenadora Nacional da Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública – CONAP/MPT, em recente obra publicada [7]:

"Frise-se que, em relação aos trabalhadores lesados que estavam de boa-fé, admitidos sem concurso público, a reparação do dano pelo agente ímprobo autoriza, também pela via coletiva, o reconhecimento de vínculo trabalhista diretamente com o administrador público, quando a contratação for efetuada em desacordo com a regra do art. 37, caput, incisos II e IX, e § 2º, da Constituição Federal, e as verbas decorrentes ainda não tiverem sido arcadas pelo erário. Medida esta, aliás, que encontra consonância com o disposto no art. 37, § 2º, da Lex Fundamentalis, c/c o art. 12, inciso II, da Lei nº 8.429/1992".

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Sobre o autor
Marco Antonio Sevidanes da Matta

analista de controle externo do Tribunal de Contas da União, bacharel em Direito e Engenharia, pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTA, Marco Antonio Sevidanes. Contratação temporária de pessoal na Administração Pública:: desvirtuamento do uso da exceção prevista no art. 37, IX, da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1120, 26 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8695. Acesso em: 22 dez. 2024.

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