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Princípios constitucionais e interpretação constitucional

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Idéia recorrente em nossos trabalhos recentes refere-se a importância de uma Constituição democrática, que se baseie em princípios que permitam uma constante evolução interpretativa, condicionada pelos princípios universais de direitos humanos, processos e procedimentos democráticos constitucionalmente previstos, e pela livre expressão da vontade consciente dos cidadãos.

Em artigo intitulado "A Constituição Democrática", concluímos que a estrutura constitucional ideal para a Construção do Estado democrático será a de uma Constituição escrita, rígida, principiológica, sintética, codificada e desvinculada de qualquer modelo social e econômico, por isto ortodoxa nos seu princípios, valores e regras procedimentais assecuratórias da democracia participativa.

É necessário ressaltar a importância da existência de mecanismos eficazes de controle da constitucionalidade, uma vez que estes mecanismos serão responsáveis pela supremacia da Constituição, acrescentando que o nosso sistema deve ainda evoluir para formas de controle direto por parte dos cidadãos, titulares do poder estatal, e portanto os verdadeiros guardiães da Constituição.

Neste artigo, extrato de obra maior publicada em forma de livro, procuramos definir o significado e importância dos princípios e seu papel na interpretação constitucional.

A interpretação constitucional pode nos permitir leitura sistêmica do texto constitucional estabelecendo através dos mecanismos estudados pelo prof. Washington Peluso Albino de Souza quando se refere ao princípio da economicidade, uma Constituição que consagra a indivisibilidade dos direitos fundamentais, uma hierarquização de princípios aplicáveis e variáveis de acordo com a situação concreta, e a partir daí, a construção de um conceito mais amplo de cidadania e de democracia, ultrapassando a idéia restrita da democracia como a simples consagração do direito do voto, para chegar-se a idéia de democracia enquanto processo em constante evolução, que permita a criação de cidadãos através da inclusão dos indivíduos, e que possibilite, conseqüentemente, sua participação na construção do seu próprio futuro, fora de uma perspectiva assistencialista, meramente clientelista, do Estado Social.

Como se vê, através da correta interpretação do texto de 1988, confrontado com a realidade social e econômica vivida, pode-se revolucionar o sistema constitucional, saindo de uma equivocada leitura assistencial e clientelista do texto, para a construção de Constituição democrática. A partir daí, podemos concluir, que a garantia constitucional oferecida à propriedade privada, condicionada que está à sua função social, e aos valores e princípios maiores da Constituição, implica em uma garantia da propriedade individual desde que não confronte com os objetivos constitucionais, o que destrói a idéia da propriedade privada dos meios de produção como direito inatingível, e a economia capitalista como garantia constitucional. Devemos observar, que, nos seus princípios fundamentais, a Constituição estabelece como objetivo do Estado, a justiça social, a democracia plural na perspectiva dos direitos humanos, o que implica na democracia política, econômica e social, assim como a redução das desigualdades sociais e regionais e a eliminação da pobreza

A interpretação sistêmica pode nos levar a construir uma interpretação complemente nova do texto constitucional, ressaltando os aspectos essenciais democráticos que garantem a visão de uma Constituição enquanto processo que legitimaria todas as mudanças que a sociedade requer.

Difícil é este caminho de mutação do texto constitucional, uma vez que parte do Judiciário ainda lê a legislação infraconstitucional distante dos seus princípios, o que corresponde na realidade a situações como a prisão de lideres rurais que querem trabalhar, comer, morar, estudar, não havendo punição para banqueiros e administradores públicos e privados que desviam ilegalmente recursos.

Logo, o processo de mutação constitucional pode permitir este rompimento com a leitura neoliberal da constituição.


1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Já tivemos oportunidade de classificar, em outros trabalhos, as regras presentes na Constituição, dividindo-as em:

a) regras em sentido restrito, que regulam situação específica, tendo grau de abrangência menor em relação as outras regras. Ex: taxa de juros de doze por cento ao ano.

b) regras expressas em sentido amplo (princípios), que se aplicam a diversas situações, direcionando e condicionando a aplicação da regras constitucionais em sentido restrito e as diversas normas infraconstitucionais.

Estes princípios constitucionais muitas vezes se complementarão e em algumas situações se chocarão, conflito este que será solucionado através da ideologia constitucionalmente adotada, como princípio maior, ou valor maior que possibilitará eliminar os antagonismos do texto constitucional, aplicando o princípio da economicidade, que baseado neste valor, irá apontar qual princípio será aplicado ao caso concreto.

Exemplo destes princípios será a função social da propriedade, a igualdade jurídica, a soberania, o interesse social entre muitos outros.

c) regras deduzidas em sentido amplo que são os princípios elaborados a partir da aplicação do texto constitucional a determinadas situações específicas, princípios estes que evoluem e se modificam com situações históricas diferentes, sendo o produto do processo de mutação constitucional que advém da interpretação sistêmica da Constituição inserida em determinada realidade social, política e econômica.

Estes princípios deduzidos surgem muitas vezes a partir do confronto de duas ou mais regras expressas em sentido amplo, ou entre estas e regras expressas em sentido restrito.

O professor Washington Albino enumera alguns princípios deduzidos, quando da análise da ordem econômica constitucional, referindo ao princípio ou como prefere o autor, regra do equilíbrio, regra da primazia da realidade econômica, entre outras. 1

Para melhor compreensão podemos citar a regra da primazia da realidade econômica, que determina que ao se aplicar as normas constitucionais referentes a ordem econômica não se pode ignorar os dados da realidade econômica. Esta regra surge da aplicação das regras de direito econômico presentes na Constituições que muitas vezes, para ter eficácia, têm que ser adotadas através de políticas públicas que não permitem sua implementação imediata, mais gradativa, pois se implementadas imediatamente podem acarretar o comprometimento de vários outros princípios constitucionais.

A primazia da realidade econômica pode ser deduzida a partir da obrigatoriedade de um salário mínimo capaz de atender as necessidades do trabalhador e de sua família, com educação, saúde, habitação, vestuário, lazer, alimentação, etc. O cumprimento desta regra em sentido restrito não pode se dar apenas com uma lei que venha aumentar o valor do salário, pois isto traria conseqüências muitas vezes piores, mas deve ser entendida como norma de aplicação combinada com políticas públicas referentes a saúde e educação pública gratuita e de qualidade, ao lazer da população em geral, políticas econômicas referente ao setor produtivo, direcionando a produção de bens de consumo que se destinem a maioria da população, etc.;

d) finalmente a Ideologia Constitucionalmente adotada, estudada na ora do prof. Washington Albino, entendida como o conjunto de regras e princípios integrados de forma sistêmica apontando um valor síntese capaz de indicar a direção interpretativa diante de situações fáticas, em que os princípios pareçam ser antagônicos.

O professor Ivo Dantas, em livro intitulado "Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional", faz estudo sobre o significado da expressão "princípios", citando vários autores e concluindo:

"Para nós, PRINCÍPIOS são categoria lógica e, tanto quanto possível, universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estrutura ideológica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade."2

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao tratar do tema, realiza algumas ponderações, nas quais explica:

"os juristas empregam o termo ‘princípio’ em três sentidos de alcance diferente. Num primeiro, seriam ‘supernormas’, ou seja, normas (gerais ou generalíssimas) que exprimem valores e que por isso, são ponto de referência, modelo, para regras que as desdobram. No segundo, seriam standards, que se imporiam para o estabelecimento de normas específicas - ou seja, as disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou determinadas matérias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o termo tem uma conotação prescritiva; no derradeiro, a conotação é descritiva: trata-se de uma ‘abstração por indução’.3

A classificação adotada, por nós, neste trabalho, sugere uma visão um pouco semelhante dos princípios constitucionais, ressaltando, entretanto, que nos mantemos apenas no nível da norma constitucional, entendendo que os princípios jurídicos são na sua essência fundamentais, pois ponto de partida de interpretação e elaboração de todo ordenamento jurídico.

Uma importante questão deve ser respondida neste momento pois irá ajudar a compreender a nossa perspectiva de princípios constitucionais e o importante papel que desempenham na interpretação, evolução e mutação da Constituição e na elaboração e interpretação do ordenamento jurídico infraconstitucional: qual é a hierarquia existente entre princípios expressos, princípios deduzidos, regras em sentido restrito e a ideologia constitucionalmente adotada?


2. A INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

A interpretação legal é responsável pela criação da norma e sua evolução. Toda lei enseja interpretação, e o processo hermenêutico tem, sem dúvida, relevância superior ao próprio processo de elaboração legislativa, uma vez que será através da interpretação da lei que esta será aplicada e inserida dentro de um contexto fático específico, sendo adequada a toda uma realidade histórica e os valores dela decorrentes.

A simplificação dos processos de aplicação da lei à realidade social, são decorrentes de práticas autoritárias e burocráticas onde a vontade do administrador, e os atos administrativos por ele praticados, tem por vezes maior importância do que a vontade constitucional.

Neste sentido, uma passagem importante do livro de José Lamego, "Hermenêutica e Jurisprudência": 4

"A hermenêutica rompe o hermetismo do universo dos signos, abrindo o texto e o discurso ao ‘mundo’. Para a Hermenêutica, o interprete não ‘descodifica’ apenas um sistema de signos, mas ‘interpreta’ um texto. Subjacente a este conjunto de idéias está a rejeição pela Hermenêutica de uma concepção de linguagem com função meramente instrumental - a linguagem como ‘signo’ ou mera ‘forma simbólica’- considerando-a, ao invés, como uma ‘instituição social’ complexa. As expressões têm sentido apenas no contexto dos distintos jogos de linguagem, que são complexos de discurso e de acção. A aprendizagem de uma linguagem ‘natural’ implica a participação em práticas e a comparticipação de critérios que regem o seu desempenho. A ‘gramática’ da linguagem só poderá ser elucidada de ‘dentro’, a partir do conhecimento das regras constitutivas do ‘jogo’ e não mediante apelo a ‘metalinguagens’.

Para GADAMER, a interpretação do texto equivale a um diálogo entre o autor e o intérprete sobre aquilo que no texto é mencionado. Nesse diálogo o intérprete apropria-se do discurso expresso no texto e prossegue a elaboração intelectiva do objecto feita pelo autor. Ao retomar a noção da hermenêutica de applicatio, GADAMER tem em vista a interpretação que constitui um aditamento de sentido: todo o acto de interpretação constitui um aditamento de sentido ao texto."5

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O processo de interpretação de texto requer do interprete conhecimento de todo sistema constitucional, sua interpretação diante de uma dada realidade histórica, assim como uma leitura do dispositivo legal objeto de interpretação dentro de uma leitura sistemática do seu texto, inserida no ordenamento jurídico infraconstitucional, e no ordenamento constitucional. 6

Uma série de princípios, preceitos e normas têm que ser de conhecimento do interprete, assim como a correta relação entre estas normas, especialmente no que se refere à hierarquia e os mecanismos de superação dos possíveis antagonismos entre princípios.

Partindo das normas infra constitucionais, fácil estabelecer uma hierarquia entre estas, onde saindo de um ato administrativo normativo, passamos pela lei até chegar à Constituição. Numa federação, a hierarquia entre as normas elaboradas pelos diferentes entes federados, só existirá quando se tratar de competência legislativa concorrente, onde mais de um ente federado poderá legislar sobre a mesma matéria. Nos outros casos, não há que se falar neste tipo de hierarquia, pois estaremos diante de competências exclusivas ou privativas, onde cada ente federado tem suas competências estabelecidas pela Constituição, não podendo um ente interferir na competência do outro ente federado. Regra que deve ser observada na interpretação das normas infra constitucionais, será a necessidade de se adequar a leitura destas normas aos princípios, regras e a ideologia constitucionalmente adotada, sob pena de se inverter a hierarquia das leis, onde a norma mais simples e inferior consegue eficácia que a Constituição não consegue.

O objetivo primeiro da interpretação deverá ser a criação de condições para que a norma interpretada tenha eficácia sempre no sentido da realização dos princípios e valores constitucionais, e principalmente, sempre, da ideologia constitucionalmente adotada.

Este direcionamento pode fazer diminuir a enorme distancia que muitas vezes ocorre entre a interpretação realizada pela jurisprudência e pela doutrina. De nada adianta a leitura de uma norma que venha a ser absolutamente inaplicável a uma realidade histórica que não mais comporta aquela interpretação, o que ocorre, por vezes, com o doutrinador, que em análises dissociadas de situações concretas, cria normas impossíveis. Entretanto o oposto não pode ocorrer, que seria o interprete responsável pela aplicação da norma ao caso concreto, deixar de dar o seu correto direcionamento valorativo, oferecido pela Constituição e especialmente pela ideologia adotada, fundamentando sua interpretação em valores outros que não os consagrados pela Constituição (entenda-se Constituição como a sua interpretação construída democraticamente em um momento histórico).

Em outro trecho do livro, José Lamego, ao traçar regras e critérios da "Teoria da Interpretação", observa:

"Enquanto disciplina prática, a Jurisprudência dirigir-se-ia não ao conhecimento do ‘objecto’ Direito, mas seria um agir mediador na realização da ‘possibilidade’ do ‘melhor Direito’. E, nesta conformidade, o Direito não seria susceptível de ser definido em termos de propriedades descritivas (como sustenta o positivismo metodológico ou conceptual), mas comportaria uma dimensão de valor. A jurisprudência serviria, assim, à realização do ‘justo’."7

DWORKIN, denomina este "objeto" Direito como sendo o Direito no seu estágio pré-interpretativo, podendo ser identificado segundo o critério positivista das fontes. O Direito no estágio pós-interpretativo é a realização da "possibilidade" do "melhor direito", nas circunstancias concretas. Desta forma a interpretação é um agir mediador que visa não se perder em operações cognitivas e exegéticas, mas sim práticas de realização da "possibilidade". 8

DWORKIN aproxima a interpretação jurídica e a interpretação literária, estabelecendo um paralelo entre o escrever uma novela em que cada capítulo tem um autor diferente (chain novel) e a ‘construção’ do sentido das normas através das suas sucessivas concretizações. A acumulação dos capítulos precedentes estreita a margem de escolha do participante. A metáfora da novela por capítulos (chain novel) e a concepção do Direito como ‘cadeia’ (the chain of law) evoca uma idéia de coerência e racionalidade posicional, que reintegra o sentido dos episódios anteriores e ajuda, assim, à construção do ‘texto’. A metáfora interpretativa é um novo fundamento para a concepção do Direito que DWORKIN tem vindo a defender desde os seus escritos iniciais e que agora denomina de ‘integridade’. Sustenta que esta concepção reflete uma visão mais alargada do Direito." 9

A questão que nos interessa diretamente neste momento do trabalho é a da interpretação da Constituição vislumbrando como se dá a relação entre suas regras e princípios. Em outras palavras pergunta-se se há hierarquia entre as diversas normas constitucionais.

O Professor Ivo Dantas em trabalho sobre Princípios Constitucionais e interpretação observa que, uma vez que o texto constitucional estabeleceu a divisão dos princípios em gerais e setoriais, poder-se-á estabelecer uma nova hierarquia entre estes princípios, colocando no ápice da pirâmide os princípios fundamentais, e abaixo os princípios gerais voltados para determinado setor na Constituição.

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Ao falar-se em hierarquia de normas constitucionais, esta hipótese poderá sugerir uma possível inconstitucionalidade de normas constitucionais, oriundas do poder constituinte originário (isto porque é perfeitamente possível falar-se em inconstitucionalidade de norma constitucional oriunda do poder constituinte derivado ou decorrente), tese com a qual não concordamos, primeiro porque os princípios constitucionais podem facilmente superar possíveis inconstitucionalidades de regras em sentido restrito, e em segundo lugar porque a ideologia constitucionalmente adotada, juntamente com o princípio da economicidade, ajuda-nos a superar qualquer antagonismo no texto.

Desta forma preferimos no lugar de hierarquia, visualizarmos nas normas constitucionais diversos graus de abrangência, aos quais nos referimos em classificação por nós adotada, onde poderíamos ainda acrescentar, conforme bem lembra o professor Ivo Dantas, uma diferenciação entre os princípios fundamentais e os princípios gerais setoriais. Temos então: a) regras em sentido restrito; b) regras deduzidas em sentido amplo; c) regras expressas em sentido amplo setoriais; d) regras expressas em sentido amplo fundamentais; e) ideologia constitucionalmente adotada.

Este conjunto de regras constitucionais se apresentam ao interprete, que poderá com os elementos oferecidos pela hermenêutica, adequá-las, sistematiza-las e inseri-las a na realidade social, política e econômica. Este processo de interpretação não ocorrerá pela vontade de um interprete, mas de vários interpretes, que para a correta interpretação da vontade da Constituição, e sua justa aplicação, deverão estar atentos às indicações advindas das aspirações populares adequadas aos valores do texto constitucional.

Nesta constante tarefa de interpretação do texto constitucional para sua aplicação e transformação da realidade, ou em sentido contrário, a transformação ou mutação do texto imposta pela realidade, o jurista irá trabalhar com regras que não tem hierarquia mas sim graus de abrangência diferentes. Desta forma, a interpretação de uma lei poderá ser bastante diferenciada em situações também diferentes, onde seguindo valores fundamentais, princípios aplicáveis a uma situação não poderão ser usados em outra condição. Talvez o exemplo mais simples desta situação esteja no direito constitucional à resistência, onde a desobediência passa a ser regra em substituição a obediência, o que ocorre em situações normais, onde deve-se obedecer as normas e os atos administrativos legais e constitucionais.

Uma pergunta pode ficar para ser respondida neste momento: será possível admitir a mutação do texto constitucional em tal profundidade que significasse a mudança da própria ideologia constitucional?

O rompimento com os tipos constitucionais existentes, que temos sugerido em vários trabalhos, desvinculando a Constituição de qualquer modelo sócio-econômico, representa um rompimento com ideologias constitucionais específicas, onde sempre houve o estabelecimento de regras de conteúdo sócio-econômico, inclusive nas Constituições liberais onde a regra se limitava a não intervenção na ordem econômica e social. Defendemos que estas normas de conteúdo econômico devem estar estabelecidas em normas infraconstitucionais, e ainda nas Constituições Municipais, no modelo brasileiro de Federação, reformulado, para permitir uma maior descentralização. Desta forma não estaria a Constituição Federal estabelecendo nenhum tipo de Constituição, seja liberal, socialista ou neoliberal, onde adotam-se modelos sócio-econômicos obrigatórios para todos, mas sim uma Constituição que se restringiria a garantir os direitos e princípios universais, garantido mecanismos democráticos de participação popular, numa estrutura de Estado sensível as indicações da população, deixando que cada cidadão, na sua comunidade, decida sobre o seu futuro, sobre o modelo sócio-econômico, no seu município, sobre a forma de propriedade e o modelo de repartição econômica, encontrando como único limite a esta transformação democrática, os princípios de direitos humanos que possam ser considerados universais.

Entretanto para permitir o grau de mudança que pensamos para o Estado brasileiro, o processo adequado será uma nova Constituição, pois, embora o processo de mutação possa, no nosso entendimento, modificar a própria ideologia constitucional, uma vez que os princípios são conceitos e estes são obviamente mutáveis como tudo, existem limites a este processo de mutação conforme o grau de detalhamento do texto, sendo que o diploma de 1988, pela sua conformação analítica, implicaria em diversos problemas de difícil superação.


Notas

1 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito Econômico, ob. cit.

2 DANTAS, Ivo. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 1995, pág. 59. CANOTILHO, JJ. Gomes. MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra Editora, 1991. CAMPOS, German Bidart. El Derecho de la Constitución y su Fuerza Normativa, Buenos Aires, EDIAR, 1995.

3 PECES BARBA, Gregório. Los Valores Superiores. Madrid, Tecnos, 1986. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional do Trabalho - Estudos em Homenagem ao prof. Amauri Mascaro do Nascimento, Ed. Ltr, 1991, Vol. I, pp. 73-74.

4 LAMEGO, José. Hermeneutica e Jurisprudência. Lisboa, Fragmentos, 1990. VALDES, Jorge Tapia. Hermeneutica Constitucional. La Interpretación de la Constitución em Sudamerica. Chile, Editorial Jurídico do Chile, 1973. WOLFE, Chiristopher. La Transformación de la Interpretación Constitucional, Madrid, Civitas, 1991.

5 LAMEGO, José. Hermeneutica e Jurisprudência, ob. cit. pp. 181-182.

6 CANARIS, Claus Willtelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenhian, 1989.

7 LAMEGO, José. Hermeneutica e Jurisprudência, ob. cit., p. 201.

8 LAMEGO, José. Hermeneutica e Jurisprudência, ob. cit., p. 257. DWORKIN, Ronald. Diritti Previ sul serio. Bologna, Societá Editrice Il Mulino, 1982. BELTRAN, Miguel. Originalismo e Interpretación - Dworkin vs. Bork: una polémica Constitucional, Mdrid, Civitas.

9DANTAS, Ivo. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional, ob. cit., pg. 86.

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Sobre o autor
José Luiz Quadros de Magalhães

Especialista, mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais<br>Professor da UFMG, PUC-MG e Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros.<br>Professor Visitante no mestrado na Universidad Libre de Colombia; no doutorado daUniversidad de Buenos Aires e mestrado na Universidad de la Habana. Pesquisador do Projeto PAPIIT da Universidade Nacional Autonoma do México

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. -2236, 18 mai. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87. Acesso em: 5 nov. 2024.

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