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Da uniformização de jurisprudência no direito brasileiro

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Tem-se reconhecido cada vez mais a importância da jurisprudência no ordenamento jurídico pátrio, mormente quando se discute alternativas para desembaraçar o Poder Judiciário. Sob essa ótica podemos considerar a tendência de atribuição de eficácia vinculante aos precedentes jurisprudenciais, a exemplo da Emenda Constitucional de nº. 45, de 30 de dezembro de 2004, que instituiu a súmula vinculante, a ser emitida pelo Superior Tribunal Federal, e do regimento interno de diversos tribunais brasileiros, que têm vetado a seus membros a adoção de tese contrária às suas súmulas.

À margem da polêmica discussão acerca da constitucionalidade do chamado efeito vinculante, porém, a uniformização de jurisprudência representa intrinsecamente tema de fundamental importância, independentemente da força cogente que os precedentes exerçam. Como é cediço que a coercibilidade da norma encontra-se justamente na sua efetiva aplicação pelo Poder Judiciário, a uniformização reforça a segurança no próprio ordenamento jurídico, porque se reconhece desde logo pela sociedade a exegese da norma, consagrada pelas súmulas emitidas pelos nosso Órgãos Colegiados.

Conforme aponta Araújo (2002, p. 11), especialmente em face das alterações no Código de Processo Civil e na Consolidação das Leis do Trabalho instituídas pela lei de nº. 9.756, de 17 de dezembro de 1998, a uniformização será essencial para que se obtenha a celeridade dos procedimentos recursais pretendidos pelas alterações da nossa lei adjetiva. Com efeito, a uniformização representa verdadeira otimização no trâmite processual, seja pela possibilidade dos Julgadores se referenciarem em casos efetivamente idênticos, seja pela redução de litígios fundados em teses minoritárias, o que Dinamarco batizou de jurisprudência lotérica [21].

Por outro lado, não se pode perder de vista que a jurisprudência não poderá ser uniformizada se em atropelo às garantias constitucionais do devido processo legal. Ou seja, a uniformização jamais deverá ocorrer se em detrimento de princípios tais como a Persuasão Racional do Juiz ou da Inafastabilidade do Judiciário. Muito embora nosso ordenamento evite ao máximo a existência de dissidência, inegável a possibilidade de que esta ocorra, como conseqüência natural do processo jurisdicional difuso e em contribuição ao ininterrupto desenvolvimento do Direito. Neste sentido as palavras de Maior (apud JAMBO, 2005) [22]:

Interpretar é extrair o sentido da lei no caso concreto. Há vários sentidos possíveis dentro do ordenamento – muito embora existam limites a respeitar, daí porque se falar em interpretação possível. Assim, se juízes chegam a conclusões distintas, e seus fundamentos são justificáveis, racionais e obedecem aos princípios gerais, é porque o ordenamento comporta que essa variedade de sentidos venha a existir. (g.n.)

A esse respeito, Reale (op. cit., p. 171-172) recorda um caso singular, em que, em um curto espaço de tempo, duas causas idênticas foram levadas à apreciação por câmaras diversas de determinado Tribunal. Recorda o doutrinador que cada câmara defendeu uma das teses, concluindo, após citar esse episódio, que "é da própria natureza da jurisprudência a possibilidade desses contrastes, que dão lugar a formas técnicas cada vez mais aperfeiçoadas de sua unificação".

Partindo deste ponto de vista, podemos extrair ao menos um elemento positivo na divergência jurisprudencial: trata-se da prerrogativa dos Julgadores de formarem seu livre convencimento, ditando novos rumos à exegese legal sempre que confrontados com novo contexto fático, evitando-se, assim, a estagnação do Direito. Espera-se do Julgador, ademais, a análise pormenorizada do caso sub judice, cujas peculiaridades eventualmente possam conduzir a resultado diverso da interpretação habitual dos demais aplicadores da lei.

Ou seja, muito embora inatacáveis os princípios do devido processo legal, bem como a perspectiva de que o valor intrínseco das teses jurídicas possa prevalecer sobre os precedentes consagrados, ainda assim faz-se necessário reconhecer a importância de institutos que se prestem à uniformização jurisprudencial, sob pena de enfrentarmos consideráveis prejuízos no entendimento do Direito e nas próprias relações sociais tuteladas.

Visa o instituto, portanto, como bem sustentou Vigliar (op. cit., p. 17-37) não apenas otimizar a prestação jurisdicional, mas preservar os Valores Segurança, Igualdade, Economia e Respeitabilidade nas relações entre o Estado e o Jurisdicionado.


NOTAS

01 REYNOLDS, William L. Judicial Process. p. 71-73.

02 "Nosso sistema da lei de caso utiliza a doutrina do precedente. Uma doutrina antiga, com raízes tão distantes quanto os `Years Books´, segundo o preceito de que os casos atuais devem ser decididos da mesma forma que foram decididos no passado. Um outro nome para esta doutrina é stare decisis (da antiga máxima, stare decisis et non quieta movere.) Enquanto o stare decisis é aplicado em cortes americanas hoje, espera-se que no evento em que um caso aparentemente similar não é seguido, a corte explique porque o precedente não foi aplicado (...). Finalmente, a corte pode revogar o precedente, mas igualmente deve justificar tal decisão. Ainda que nossas cortes não apliquem rigidamente o stare decisis, essa doutrina exerce uma influência muito forte. Como se pode se esperar de uma doutrina com tamanha influência, o stare decisis possui muitas virtudes. Podem ser divididos em três grupos: eficiência, previsibilidade, e uniformidade ou equanimidade."

03 Antes de adentrar ao tópico, abrimos parênteses para registrar uma questão terminológica. Conforme observa Vigliar (2003, p. 54), "fontes do Direito" são os meios pelos quais se formam ou se estabelecem as normas jurídicas; seriam, portanto, nas palavras de Monteiro (apud VIGLIAR), "os órgãos sociais de que dimana o direito objetivo". Para o presente estudo, porém, utilizaremos a expressão para designar as leis, os costumes, a jurisprudência e outras formas de expressão do Direito, posto que assim restou consagrado pela nossa doutrina.

04 RUDBRUSH, Gustav. Filosofia do Direito. São Paulo. Editora Saraiva: 1937.

05 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

06 PAULA, Alexandre de. Código de Processo Civil Anotado. V.3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.

07 FARIA, José Eduardo. Eficácia Jurídica e violência simbólica. São Paulo: Edusp, 1988.

08 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual. 1.ed. Campinas: Bookseller, 1997.

09 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, 4.ed. São Paulo: Lúmen Júris, 2001.

10 GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito Processual Civil.

11 FADEL, Sérgio Sahione. Código de Processo Civil Comentado. Rio de Janeiro, Editora Forense: 2003.

12 MIRANDA, F. Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Forense, 1974.

13 http://www.dgsi.pt

14 BUZAID, Alfredo. Uniformização de jurisprudência. Porto Alegre: Ajuris – Associação dos Juízes do RS, n. 34, 1985.

15 NEGRÃO e GOLVEIA, 2005, p. 523 APUD RSTJ 17/452 e STJ-RT 664/175.

16 Ibid., APUD JTA 37/82.

17 Ibid., APUD 57/67, RT 605/137, RJTJESP 128/253.

18 NERY JUNIOR e NERY, op. cit.. APUD TEIXEIRA, PCSTJ, 361.

19 NEGRÃO e GOLVEIA, 2005, p. 523 APUD RP 5/376, em. 194.

20 Ressalva-se a alteração instituída pela Emenda Constitucional de nº. 45 de 30 de dezembro de 2004.

21 DINAMARCO, Cândido Rangel. Prefácio em VIGLIAR, op. cit., p. 15.

22 MAIOR, Jorge Luiz. Súmulas com Efeito Vinculante. São Paulo: LTR Editora, 1997.


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Sobre o autor
Luís Felipe de Freitas Kietzmann

pós-graduando em Gestão Empresarial pela Business School São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KIETZMANN, Luís Felipe Freitas. Da uniformização de jurisprudência no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1124, 30 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8701. Acesso em: 19 abr. 2024.

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