A lei nº 11.334, de 25 de julho de 2006, mediante alteração do art. 218 do Código de Trânsito Brasileiro, promoveu a redução de multas por excesso de velocidade e reclassificou as infrações.
Com as alterações introduzidas, as infrações ficaram assim classificadas, com a imposição de penalidades previstas nos artigos 258 e 259 do Código de Trânsito Brasileiro:
a)excesso superior à máxima de velocidade permitida em até 20%: infração média, punida com multa de R$ 85,13 e perda de 4 pontos;
b)excesso superior à máxima de velocidade permitida em mais de 20% até 50%: infração grave, punida com a multa de R$ 127,69 e perda de 5 pontos;
c)excesso superior à máxima de velocidade permitida em mais de 50%: infração gravíssima, punida com a multa de R$ 574,62 e perda de 7 pontos.
Não entraremos no exame do mérito da nova disposição legal no que concerne à segurança no trânsito, mas não se pode deixar de notar que a lei previu a possibilidade e a probabilidade de um veículo ultrapassar 180 km horários, pois estipulou para essa hipótese a multa de R$ 574,62 e a perda de 7 pontos. Supor que alguém possa desenvolver tal velocidade em estradas brasileiras é algo assustador.
Contudo, a redução da multa não deixa de ser um fator positivo no que se refere ao combate daquilo que ficou conhecido como a ‘indústria das multas’. O uso indiscriminado de equipamentos eletrônicos, aliado a uma legislação voltada para arrecadação pecuniária, levou muitos proprietários de veículos a uma situação de clandestinidade.
Não podendo arcar com as pesadas multas, esses proprietários ficavam sem poder obter o licenciamento anual de seus veículos, por força do disposto no § 2º , do art. 131 do CTB, que exige o pagamento prévio de tributos e multas vinculados ao veículo objeto de licenciamento.
Outro fator de inibição da ‘indústria das multas’ foi a medida liminar obtida, recentemente, pelo Ministério Público Estadual, em ação civil pública, no sentido de proibir o uso de Radar Móvel (normalmente escondido em lugares estratégicos) para flagrar os incautos motoristas com excesso de velocidade.
Assim, Executivo e Legislativo unem esforços para atenuar a situação dos proprietários de veículos atingidos por uma legislação injusta, a serviço de alguns grupos econômicos.
Interessa neste artigo analisar, sucintamente, os efeitos do novo dispositivo legal no tempo.
A irretroatividade da lei é a regra geral. As normas jurídicas devem sempre ser voltadas para o futuro como expressão do imperativo da segurança jurídica. Daí a prescrição do art. 5º, XXXVI da CF:
‘A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’.
Mas, a Constituição Federal estabeleceu em seu art. 5º, XL a retroatividade da lei benigna, in verbis:
‘A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’.
Esse princípio constitucional tem plena aplicação no campo do Direito Administrativo Penal como nos casos das multas de trânsito.
É perfeitamente possível, com base em analogia, buscar a aplicação retroativa de preceito que minimiza a multa de qualquer natureza, penal, tributária ou administrativa.
O princípio de justiça que norteou a ação do legislador do trânsito, levando em conta a proporcionalidade do quantum da multa cominada em relação a cada infração praticada pelo condutor do veículo, há de ser reconhecido não bastasse o fato de que a retroatividade da lei benigna é um princípio constitucional revelador dos direitos e garantias individuais, e como tal, protegido pela cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV da CF).
Como decorrência desse princípio constitucional, o Código Tributário Nacional dispôs em seu art. 106:
Art. 106 . A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II – tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a)quando deixe de defini-lo como infração;
b)quando deixe de trata-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
c)quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.
À sombra desse dispositivo do CTN formou-se a jurisprudência no sentido da aplicação retroativa da multa moratória benéfica, expressa nos termos da ementa adiante transcrita:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – MULTA MORATÓRIA – REDUÇÃO – APLICAÇÃO DO ART. 61 DA LEI 9.430/96 A FATOS GERADORES ANTERIORES A 1997 – POSSIBILIDADE – RETROATIVIDADE DA LEGISLAÇÃO MAIS BENÉFICA – ART. 106 DO CTN.
O Código Tributário Nacional, por ter natureza de lei complementar, prevalece sobre lei ordinária, facultando ao contribuinte, com base no art. 106 do referido diploma, a incidência da multa moratória mais benéfica, com a aplicação retroativa do art. 61 da Lei 9.430/96 a fatos geradores anteriores a 1997
Esse princípio da retroatividade benéfica, que tem aplicação em qualquer jurisdição, não se restringe ao campo do direito tributário. Tem aplicação também em relação às multas de trânsito por ter o aludido princípio natureza constitucional. E mais, tanto as multas tributárias, administrativas ou de trânsitos são cobradas coativamente pelo mesmo processo executivo regido pela Lei nº 6.830/80, que dispõe em seu art. 2º:
‘Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não-tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal’.
Dessa forma, as multas aplicadas anteriormente deverão ser revistas pelo órgão julgador, enquanto não julgados definitivamente os respectivos processos .