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A intimação pessoal da Defensoria Pública

06/01/2021 às 14:30
Leia nesta página:

Pode-se afirmar que constitui prerrogativa da Defensoria Pública a intimação pessoal para todos os atos do processo, mediante a entrega dos autos, sob pena de nulidade?

Dispõe o artigo 134 da Constituição Federal:  

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação da EC 80/2014) 

 A Constituição Federal reserva à Defensoria Pública a importante missão de defesa dos necessitados. 

Ademais, há de se lembrar que a Defensoria Pública da União tem “a prerrogativa não só da intimação pessoal, mas da intimação pessoal com a entrega dos autos”, conforme dispõe o artigo 44 da Lei Complementar 80/94.  O artigo 5º, § 5º, da Lei 1.060/50  determina que “Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”.  

Esse entendimento é objeto de repetição no artigo 370,  4º, do CPP.  

A Defensoria Pública é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, é por meio dela que lhe é incumbido o dever de orientar e defender todos os cidadãos necessitados em todos os graus de jurisdição. Assim sendo, sua intimação pessoal trata-se de uma prerrogativa funcional, expressamente prevista em lei. 

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Turma, que, a despeito da presença de defensor público na audiência de instrução e julgamento, a intimação da Defensoria Pública somente se concretiza com a entrega dos autos com vista, em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa.  

Dessa forma, a falta de intimação acarreta a nulidade absoluta do ato, sendo nula a certidão de intimação que venha a ser realizada sem a observância dessa prerrogativa.  

Aliás, entendeu-se no julgamento do HC 262058/MT, Relator Ministra Alderita Ramos de Oliveira, Desembargadora Convocada do TJ/PE, DJe de 31 de maio de 2013, que a ausência de intimação pessoal do defensor público ou dativo é causa de nulidade absoluta por cerceamento de defesa. Mas é necessário que a intimação do defensor público seja feita por mandado na pessoa do mesmo membro oficiante da causa.  

O  Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 181059, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 24 de fevereiro de 2012, concluiu que a decretação da nulidade absoluta de um acórdão é imperiosa quando se verifica que o julgamento do recurso foi realizado sem que se procedesse à intimação pessoal do Defensor Público. 

Nessa linha de entendimento tem-se o HC 97.797/PA, 2º Turma, Relator Ministro Celso de Mello, DJe de 9 de outubro de 2009, quando se concluiu pela imposição da decretação da nulidade do respectivo acórdão diante do que definiu o ordenamento jurídico quando se reafirmou a indispensabilidade da pessoal intimação dos Defensores Públicos em geral (LC 80/94, artigo 44, I; artigo 89, I e artigo 128, I), inclusive dos Defensores Públicos dos Estados-Membros.  

Destaca-se ainda decisão do seguinte teor:  

“É nula, por violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, a audiência de instrução realizada sem a presença da Defensoria Pública, não intimada pessoalmente para o ato, máxime quando a prova acusatória nela colhida tiver embasado a condenação do paciente. A atuação da Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado (art. 134, CF), não pode ser considerada fungível com a desempenhada por qualquer defensor ad hoc, sendo mister zelar pelo respeito a suas prerrogativas institucionais. (HC 121.682, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 30-9-2014, Primeira Turma, DJE de 17-11-2014.) 

Trago à colação o Habeas Corpus n. 237.202 - RJ do STJ (2012/0061166-2; relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura), onde se disse: 

 1. A falta de intimação pessoal do defensor público ou dativo da sessão de julgamento do recurso de apelação torna nulo o acórdão proferido, por cerceamento de defesa. Precedentes.

2. Ordem concedida para declarar a nulidade absoluta do julgamento do recurso de apelação, a fim de que o referido recurso seja novamente julgado, agora com a prévia intimação pessoal da Defensoria Pública ou Defensor Dativo da data da sessão de julgamento.

Constitui prerrogativa da Defensoria Pública a intimação pessoal para todos os atos do processo, mediante a entrega dos autos, sob pena de nulidade. Com esse entendimento, em decisão unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a intempestividade de um recurso de apelação interposto ao Superior Tribunal Militar (STM) e concedeu o Habeas Corpus (HC) 125270 para determinar que a apelação de um condenado, assistido pela Defensoria Pública da União (DPU), seja submetida a novo julgamento. Na decisão tomada nesta terça-feira (23), o ministro Teori Zavascki destacou que a prerrogativa de intimação pessoal dos membros da Defensoria Pública tem amparo no artigo 370, parágrafo 4º, do Código de Processo Penal; no artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/1950; e no artigo 44, inciso I, da Lei Complementar 80/1994.  Entendeu o Supremo Tribunal Federal, por sua Segunda Turma, que a intimação pessoal com entrega dos autos é prerrogativa da Defensoria Pública.  

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No caso em análise, o defensor público e o representante do Ministério Público Militar estiveram presentes à audiência de leitura da sentença, em 7/2/2014. Os autos foram remetidos à acusação em 10/3/2014 e devolvidos ao juiz processante em 13/3/2014. A DPU interpôs recurso de apelação em 11/3/2014, mas o STM o considerou intempestivo. Para a corte militar, o prazo recursal passaria a contar a partir da ciência da DPU do inteiro teor da sentença condenatória, corroborando suas prerrogativas e o princípio da ampla defesa, e harmonizando-se ainda com o princípio da celeridade. 

O ministro Teori Zavascki observou que houve realmente a intimação na audiência, mas os autos foram remetidos ao Ministério Público e a lei determina que a DPU seja intimada com a entrega dos autos. “Não há nenhum  precedente específico no STF sobre esse caso, mas, conforme destacado no artigo 44, inciso I, da Lei complementar 80/1994, constitui prerrogativa dos membros da DPU “receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”. 

Não se trata de afronta ao principio da igualdade.  

Na matéria, Celso Antônio Bandeira de Mello (O conteúdo jurídico do principio da igualdade, São Paulo, RT, 1978) começa por observar que qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações pode ser escolhido pela lei, como fator discriminatório, donde se segue que, de regra, não é o traço de diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao principio isonômico. Todavia as discriminações legislativas são compatíveis com a cláusula igualitária apenas tão-somente quando existe um vinculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida. Não basta, porém, a existência desta correlação; é ainda necessário que ela não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição.  

No caso destaca-se que a necessidade de intimação pessoal da Defensoria Publica decorre de legislação específica que concede prerrogativas que visam facilitar o bom funcionamento do órgão no patrocínio dos interesses daqueles que não possuem recursos para constituir defensor público.  

A Defensoria Pública é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, atuando na defesa de verdadeiro direito impositivo, inserido no artigo 1º da Constituição Federal, que é a dignidade da pessoa humana.  

Dir-se-á que a mera ciência da decisão condenatória não supre a necessidade de intimação pessoal e da entrega dos autos. Somente tendo acesso a todas as peças do processo é que o defensor público estará habilitado ao estudo deles e à instrumentalização dos remédios processuais cabíveis.  

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A intimação pessoal da Defensoria Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6398, 6 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87575. Acesso em: 22 dez. 2024.

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