6. CONCLUSÃO
A imperfeição na redação do Código Florestal, especialmente na letra do parágrafo único do artigo 2º, acrescido pela Lei 7.803/89, não pode servir de justificativa para a aplicabilidade de restrições das áreas de preservação permanente para os perímetros urbanos definidos por lei municipal e para as regiões metropolitanas e aglomerações urbanas.
A Constituição Federal ampara o entendimento supra. Inicialmente, cumpre asseverar que o Município possui competência para promover o ordenamento territorial (CF, art. 30, VIII) e para proteger o meio ambiente (CF, art. 23). O artigo 182 da Magna Carta confere a tônica da tutela dos recursos naturais em área urbana ao estabelecer que, ao disciplinar o uso e ocupação do solo urbano, deve o Município "ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes" e, também, que "a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor". Como o plano diretor já contempla a proteção dos recursos naturais nas áreas urbanas (Lei 10.257, arts. 1º e 2º), o Código Florestal somente pode ser aplicado às cidades naquilo que for compatível com o espaço urbano, inclusive no que tange às restrições previstas no seu artigo 2º.
Não se pode perder de vista que a legislação ambiental brasileira, na esteira da normatização ambiental em todo o mundo, foi erigida e necessariamente há de ser interpretada como suporte jurídico para o desenvolvimento sustentável, não se admitindo que dos textos legais sejam extraídas estéreis conclusões que, em última instância, prejudiquem o bem-estar social, no caso, das comunidades urbanas que necessitam de obras de infra-estrutura, de construção de novas moradias e de centros comerciais.
A organização de áreas urbanas deve seguir regras próprias e adequadas à realidade urbana, o que, muitas vezes, no que concerne à proteção ao meio ambiente, serão distintas daquelas normas aplicáveis ao meio rural. Desse modo, urge a flexibilização da tutela dos recursos naturais nas cidades, de modo a conciliá-la com o crescimento econômico e com o interesse social.
Notas
01 Del Grossi, S. R. De Uberabinha a Uberlândia: os caminhos da natureza - Contribuição ao estudo da geomorfologia urbana. Tese de Doutorado. São Paulo, 1991.
02 A Constituição do Estado da Bahia identifica novas áreas de preservação permanente, mas o dispositivo terá vigência plena apenas quando for criada a lei regulamentadora a que se reporta o caput do seu artigo 215.
03 "Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
§ 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo."
04 "Art. 4º, § 2º A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico."
05 "Art. 4º, §3º O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.
§ 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor."
06 Parágrafo único acrescido pela Lei nº 7.803, de 18/07/89.
07 Araújo, S. M. V. G. de, Consultora Legislativa da Área XI Meio Ambiente e Direito Ambiental, Organização Territorial, Desenvolvimento Urbano e Regional, no artigo As Áreas de Preservação Permanente e a Questão Urbana, www2.camara.gov.br/publicacoes/ estnottec/tema14/pdf/207730.
08 Magri, R. V. R. e Borges, A. L. M. Vegetação de Preservação Permanente e área urbana – uma interpretação do parágrafo único, do art. 2º, do Código Florestal. In Revista do Direito Ambiental, ano I, vol. 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, junho de 1996.
09 Fink, D. R. e Pereira, M. S. Vegetação de Preservação Permanante e Meio ambiente urbano. In Revista do Direito Ambiental, ano I, vol. 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, junho de 1996.
10 Amadei, V. C. e Amadei, V. de A. Como lotear uma gleba: o parcelamento do solo urbano em seus aspectos essenciais. São Paulo: Universidade SECOVI SP, 2001.
11 Lomar, P. J. V. O Parcelamento do Solo para Fins Urbanos (Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, com as inovações da Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999). In As Leis Federais mais importantes de Proteção ao Meio Ambiente comentadas. Moraes, R. J., Azevedo, M. G. de L. e Delmanto, F. M. de A. (coordenadores). Rio de Janeiro : Renovar, 2005. (Págs. 69 e 70)
12 Maximiliano, C. Hermenêutica e aplicação do direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
13 Neves, A. C. Enciclopédia verbo da sociedade e do estado: interpretação jurídica. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1985. v. 3, p. 652-707, citado por Daniel Alves Pessoa et al, "O Método Literal na Interpretação Jurídica", http://www.prt21.gov.br/doutr19.htm
14 Borges, A. L. M. e Magri, R. V. R.Vegetação de Preservação Permanente e Área Urbana – uma interpretação do art. 2º, do Código Florestal. Revista de Direito Ambiental 2, São Paulo : RT, abr.-jun. 1996. ( Pág. 71-76)
15 Milaré, E. Direito do Ambiente : doutrina, jurisprudência, glossário. 3ª Edição – Revista, Atualizada e Ampliada. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004. (Pág. 201)
16 idem, ibidem, Pág. 295.
17 Streck, LL . Hermenêutica jurídica e(m) crise – uma exploração hermenêutica da construção do direito. Proto Alegre:Livraria do Advogado, 1999, p. 17, citado por Buhring, Maria Andréa in Alguns Aspectos da Hermenêutica Filosófica e jurídica, artigo disponível no site http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewPDFInterstitial/1795/1492.
18 Silva, V. G. da. Idem. (Pág. 74)
19 A exemplo, na cidade de Salvador/Bahia, daqueles que passam nas Avenidas Vasco da gama, Centenário ou Juracy Magalhães. Nestas avenidas, em média, as construções (edificações e via de tráfego) se iniciam a partir de 5 metros, portanto, a rigor, muitas obras deveriam ser demolidas e não poderiam estar sendo implementadas. Regiões inteiras estão comprometidas, como em Brotas, Orto Florestal, Vitória e Graça.
20 Artigos 39 e 50 da lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98).
21Silva, V. G. da. Legislação Ambiental Comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2002. (Pág. 74)
22 parágrafo único do art. 2º, acrescido pela Lei nº 7.803, de 18/07/89; §2º do artigo 4º, criado pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/01; e parágrafo único do art.22 criado pela Lei nº 7.803, de 18/07/89.
23 "i) nas áreas metropolitanas definidas em lei.".A alínea i foi acrescentada pela lei 6.535/78.
24 "No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso de solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo" (Art. 2º, parágrafo único).
25 Fernandes, Paulo Victor. Impacto Ambiental- Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: RT, 2004. (Pág. 34)
26 Em 1971, o Clube de Roma encomendou ao MIT – Instituto de Tecnologia de Massachussets-EUA, um relatório intitulado "Limites do Crescimento", onde se dizia que só se a população e a indústria parassem de crescer, seria possível assegurar a continuidade da atividade econômica e da espécie humana no Planeta; o relatório previu catástrofe ambiental dentro de 100 anos. A proposta foi criticada porque congelava desigualdades e não contemplava alterações de padrões sociais.
27 "Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor." (Art. 182, §§ 1º e 2º, CF/88)
28 Lomar, P. J. V. O Parcelamento do Solo para Fins Urbanos (Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, com as inovações da Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999). In As Leis Federais mais importantes de Proteção ao Meio Ambiente comentadas. Moraes, R. J., Azevedo, M. G. de L. e Delmanto, F. M. de A. (coordenadores). Rio de Janeiro : Renovar, 2005. (Pág. 56)
29 "Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental", Lei nº 10.257/2001.
30 "Art 21. Compete à União:
(...)
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;" Constituição Federal de 1988
31 Moraes, L. C. S. de. Código Florestal comentado: com as alterações da lei de crimes ambientais, lei nº 9.605/98. São Paulo : Atlas, 1999. (Pág. 47)
32 Bastos, C. R. Curso de Direito Constitucional. 20ª ed. – São Paulo : Saraiva, 1999. (Pág. 311)
33 Mukai, T. Direito urbano-ambiental brasileiro. 2ª Edição. Revista, atualizada e ampliada (de acordo com o Estatuto de Cidade – Lei nº 10.257/2001 e com o Código Civil, Lei nº 10.406/2002). São Paulo : Dialética, 2002.
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