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Colisão entre direitos fundamentais

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11/08/2006 às 00:00
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3. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

3.1. Do Direito Natural aos Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais, analisados em sua perspectiva histórica, fornecem elementos para a compreensão do Estado de Direito e da própria democracia, na vertente substancial idealizada por Ferrajoli, além de serem fatores indicativos do abuso do poder.

A afirmação histórica dos direitos fundamentais enquanto o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo ordenamento jurídico de um Estado em um determinado tempo, remonta uma longa história com origens no direito natural. É bem verdade que afirmam alguns juristas que só há que se falar em direitos fundamentais a partir da positivação de tais direitos nas primeiras Constituições2. Como bem elucida Perez Luño (apud SARLET, 2003, p. 40),

A positivação dos direitos fundamentais é o produto de uma dialética constante entre o progressivo desenvolvimento das técnicas de seu reconhecimento na esfera do direito positivo e a paulatina afirmação, no terreno ideológico, das idéias da liberdade e dignidade humana.

Todavia, é inegável a contribuição do jusnaturalismo clássico, tendo em vista grande parte dos direitos fundamentais atualmente reconhecidos pela ordem positiva serem direitos há muito considerados direitos naturais pelos jusfilósofos. O direito natural pode ser então encarado uma espécie de pré-história dos direitos fundamentais.

A doutrina jusnaturalista, influenciada por preceitos morais e religiosos, com nuances do direito canônico, concebia que o ser humano, pelo fato de sua existência, era titular de direitos incondicionáveis, imutáveis e inalienáveis, constituindo uma ordem jurídica pré-estatal ou mesmo supra-estatal. Tais direitos possuíam o condão de limitar o poder estatal, além de legitimarem seu exercício.

A partir do século XVII, as idéias contratualistas, associadas ao racionalismo de Kant e Hugo Grocio, promoveram o processo de laicização do direito natural, inspirando o movimento Iluminista do Estado Liberal, que preconizava o apelo à razão como fundamento do Direito. É nesse período que começa a ser cogitada a noção de universalidade dos direitos naturais, que culminou na Declaração de Direitos da Virgínia e na Declaração dos Direitos do Homem, em 1789 na França.

Outrossim, a contribuição do jusnaturalismo para a afirmação de um Direito universalmente válido teve reflexos importantes tanto na teoria constitucional quanto no movimento de codificação que marcou o século XIX. (LAFER, 1998, p. 38).

Esse processo de codificação, mais especificamente de constitucionalização dos direitos ditos naturais, desponta como uma segunda fase na caracterização dos direitos fundamentais.

Com o advento da Revolução Francesa e a posterior criação do Estado Liberal, foi deflagrado um movimento de progressiva recepção de direitos, liberdades e deveres individuais que podem ser considerados como precursores dos direitos fundamentais. (PÉREZ LUÑO, 1995, p. 33).

Com efeito, o constitucionalismo do século XVIII tem como característica o reconhecimento estatal dos direitos estabelecidos nas primeiras declarações. O conceito de Constituição é então indissociável do conceito de Estado Liberal, com sua postura individualista abstrata e primando pela liberdade, segurança e propriedade, na luta contra o abuso de poder.

É, porém, no Estado Democrático de Direito que o processo de democratização política se sobressai, influenciando de sobremaneira a matéria dos direitos fundamentais na medida em que exalta as garantias de igualdade nas relações dos indivíduos entre si e entre o Estado soberano (ANDRADE, 2001, p. 52).

O modelo garantista imposto pelo Estado constitucional traduz uma dupla sujeição do direito ao direito, que afeta a legitimação formal e substancial das normas jurídicas. A democracia torna-se ao mesmo tempo condição e garantia dos direitos fundamentais, que constituem a base moderna do princípio da igualdade.

Hodiernamente, são considerados direitos fundamentais os direitos subjetivos que correspondem universalmente a todos os seres humanos, entendendo por direito subjetivo qualquer expectativa positiva ou negativa adstrita a um sujeito por uma norma jurídica, inseridos na ordenamento positivo constitucional.

Nesse sentido, Robert Alexy (1997, p. 241) ensina que há a posição de uma liberdade jurídica para realizar determinadas ações, a de um direito frente ao Estado para que este não obstaculize certas ações, isto é, a de um direito a ações negativas e a de um direito de ações positivas do Poder Público.

A previsão no âmbito constitucional é pressuposto de existência dos direitos fundamentais. Quando inseridos na ordem internacional, sem qualquer previsibilidade em nível nacional, está-se diante dos direitos humanos, que muito embora guardarem íntima proximidade com os direitos fundamentais, configuram realidades distintas.

Assim é que os direitos humanos relacionam-se com os documentos de direito internacional, independente do vínculo do indivíduo com qualquer ordem jurídico-positiva, e que, portanto, aspiram à validade universal, de caráter supranacional, ao passo que os direitos fundamentais são os direitos do ser humano reconhecidos pelo Estado, que os insere na Constituição, se manifestando como "direitos positivos de matriz constitucional" (SARLET, 2003, p. 34).

De observar-se que a doutrina por vezes confunde as terminologias direitos fundamentais, direitos humanos e direitos do homem (este último é expressão típica do jusnaturalismo clássico), utilizando-as para um mesmo significado. Inobstante as semelhanças indicadas, há que se atentar para a distinção que traduz-se, a grosso modo, na positivação em nível constitucional dos direitos epigrafados. Contudo, é inegável a história dos direitos fundamentais acompanha a afirmação histórica dos direitos humanos, até porque, como opina Marcelo Campos Galuppo (IN: SAMPAIO, 2003, p. 233),

Os direitos fundamentais representam a constitucionalização daqueles direitos humanos que gozaram de alto grau de justificação ao longo da história dos discursos morais, que são, por isso, reconhecidos como condições para a construção e o exercício dos demais direitos.

Enquanto institutos de direito constitucional positivo, os direitos fundamentais possuem dois sentidos, a saber, o formal e o material, conforme assentes na Constituição em sentido formal ou na Constituição em sentido material (MIRANDA, 2000, p. 8).

Há ainda os sentidos objetivo e subjetivo dos direitos fundamentais. Nesse contexto, tomados a partir de um critério objetivo, os direitos fundamentais podem ser pensados como uma estrutura produtora de efeitos jurídicos, reforçando a imperatividade dos direitos individuais. Por outro lado, a faceta subjetiva dos direitos fundamentais revelam as faculdades, a proteção e as garantias institucionais de defesa. A importância da teoria da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais será melhor explicitada adiante.

3.2. As Dimensões dos Direitos Fundamentais

Costuma-se falar em gerações de direitos fundamentais, identificando-as com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade consagrados na Revolução Francesa. Assim é que existe a primeira geração, correspondente aos direitos individuais de liberdade, a segunda geração, relativa aos direitos sociais e a terceira geração, que equivale aos direitos difusos e coletivos.

Em primeiro lugar, cumpre observar a imprecisão da terminologia geração, eis que a noção transmitida é a de que cada geração vem substituir outra, que revela-se defasada. Por isso, a doutrina vem adotando a expressão dimensão, haja vista denotar coexistência, é dizer, cada nova dimensão dos direitos fundamentais harmoniza-se com a já existente, sem obstá-la, em um processo qualitativamente cumulativo, aberto e mutável.

Ademais, a correlação entre os ideais da Revolução Francesa e as dimensões dos direitos fundamentais não é de todo adequada por não fazer referência ao direito à vida nem ao princípio da dignidade da pessoa humana (SARLET, 2003, p. 60). Outrossim, desconsidera, para parte da doutrina, a existência dos recentes direitos fundamentais de quarta dimensão.

Luigi Ferrajoli (2002, p. 54) ensina que as diversas dimensões dos direitos fundamentais correspondem a gerações de movimentos revolucionários: desde as revoluções liberais contra o absolutismo até as Constituições deste século, incluindo a italiana de 1948 e a espanhola de 1978, nascidas em no contexto da resistência ao facismo.

Cada dimensão dos direitos fundamentais traduz o resultado de reivindicações concretas decorridas por situações de violação ou ameaça a bens elementares do ser humano em um dado momento histórico. A teoria dimensional dos direitos fundamentais não indica apenas o caráter cumulativo do processo evolutivo e a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas "afirma sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, no âmbito do moderno direito internacional dos direitos humanos" (SARLET, 2003, p. 51).

3.2.1. Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão

Os direitos fundamentais de primeira dimensão foram os que inauguraram o movimento de constitucionalização dos direitos já aludido anteriormente. Sua afirmação histórica é produto do pensamento liberal-burguês, de cunho individualista, e traz em seu bojo os direitos civis e políticos, tais como o direito à vida, à nacionalidade etc., constituindo a dimensão mais expressiva e consolidada em nível mundial.

A titularidade dos direitos de primeira dimensão pertence ao indivíduo considerado em si mesmo (liberdades clássicas). São oponíveis ao Estado, é dizer, correspondem a uma prestação negativa do Poder Público, configurando direitos de oposição ou de resistência, que procuram evitar a intervenção estatal na esfera da vida privada.

3.2.2. Direitos Fundamentais de Segunda Dimensão

O reconhecimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão decorre do constitucionalismo antiliberal do Estado Social concebido no século XX, consagrados mormente nas Constituições pós II Guerra.

Em virtude de exigirem uma conduta positiva do Estado a vim de proporcionar sua efetivação, propiciando um "direito de participar do bem estar social" (LAFER, 1998, p. 127), os direitos de segunda dimensão receberam, por certo tempo, tratamento de normas programáticas, até a formulação do preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º, CF/88).

A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange os direitos sociais, econômicos, cultuais e as chamadas liberdades sociais, tendo estrita conexão com os princípios de igualdade e justiça social.

3.2.3. Direitos Fundamentais de Terceira Dimensão

Ainda não plenamente reconhecida em sua eficácia, a terceira dimensão dos direitos fundamentais representa os direitos difusos e coletivos, cuja titularidade não se concentra mais no indivíduo em si, pertencendo a toda coletividade, tais como direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à autodeterminação dos povos.

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Surgiram da compreensão de que a qualidade de vida e a solidariedade entre os seres humanos, independente de etnia, são tão importantes quanto a liberdade e a igualdade.

Inexiste, ao contrário do que ocorre com os direitos de primeira e segunda dimensões, uma homogeneidade na postura do Estado de modo a garantir a efetividade dos direitos. É dizer, em determinados casos, como o direito à paz, redunda em uma prestação negativa, ao passo que o direito ao desenvolvimento exige uma conduta positiva.

Os direitos fundamentais de terceira dimensão são extremamente heterogêneos e complexos, e a proteção, muitas vezes, revela-se ineficaz quando realizada somente no plano nacional, exigindo também uma garantia internacional.

3.2.4. Direitos Fundamentais de Quarta Dimensão

Há uma tendência mundial em reconhecer a existência de direitos fundamentais de quarta dimensão, que representam os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.

Os direitos fundamentais de quarta dimensão decorrem da globalização política na esfera da normatividade jurídica, correspondendo à fase última de institucionalização do Estado social (BONAVIDES, 2003, p. 571).

Muito embora existam autores (entre nós, Paulo Bonavides) que sustentem o reconhecimento desta quarta dimensão de direitos fundamentais, o fato é que diante da imprecisão da proposta, tais direitos estão longe da institucionalização, seja em âmbito nacional como em âmbito internacional.

Urge observar que, no que tange o reconhecimento de novos direitos fundamentais, há o perigo de banalização do conceito da fundamentalidade, colocando em risco seu prestígio jurídico. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2002, p. 67-68) critica multiplicação dos direitos fundamentais, referindo-se a uma inflação de direitos, que acaba por vulgarizá-los e desvalorizá-los.

Desse modo, importa a imposição de critérios rígidos para que sejam reconhecidos novos direitos fundamentais, no intuito de preservar a relevância valorativa da fundamentalidade da qual revestem-se tais direitos.

3.3. O Regime dos Direitos Fundamentais

Ainda que os direitos fundamentais não sejam homogêneos, é possível identificar elementos comuns quanto aos princípios, características, e métodos interpretativos, a fim de estabelecer um regime jurídico geral.

O regime dos direitos fundamentais está sopesado em uma tríade de princípios, quais sejam, princípio da universalidade, princípio da igualdade e princípio de acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efetiva.

Por princípio da universalidade entende-se que a titularidade dos direitos fundamentais está pulverizada por todos os sujeitos de direito, tenham eles ou não nacionalidade brasileira.

Conquanto guarde similitude com o princípio da isonomia, a universalidade adota um critério meramente quantitativo, ou seja, estabelece quem são os destinatários da norma de direito fundamental, ao passo que a igualdade pressupõe critério qualitativo, impondo que a incidência da norma de dê da mesma forma a todos os seus destinatários.

A Constituição brasileira, ao contrário da Declaração Universal da ONU, não distingue com precisão os dois princípios, estando ambos consubstanciados no mesmo preceito (art. 5º, caput). Por este dispositivo legal, estão suscetíveis às normas de direitos fundamentais todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil.

Segue o direito pátrio a orientação do direito europeu no sentido de conceder a todo o indivíduo a proteção aos direitos fundamentais. No direito português, a Constituição de 1976 é expressa ao consagrar o princípio da universalidade em seu art. 12º, que dispõe todos os cidadãos gozarem dos direitos e estarem sujeitos aos deveres consignados em seu texto.

O princípio da universalidade decorre da própria natureza e historicidade dos direitos fundamentais, que surgiram com o papel de preservar a dignidade da pessoa humana em todos os seus aspectos. Desde o início de sua história, os direitos fundamentais ressaltam a tendência universal, englobando todos os seres humanos.

Parece óbvia a idéia de que os direitos fundamentais abrangem a todos os indivíduos nacionais e aos estrangeiros residentes no Brasil. Também é clara a compreensão de que o vínculo jurídico criado a partir da nacionalidade (não se distingue brasileiro nato e naturalizado) faz com que, ainda que fora do país, os brasileiros continuem detendo a titularidade de tais direitos. Todavia, essa inferência lógica não se aplica quando o sujeito de direito for uma pessoa jurídica.

Mais uma vez silenciou a Constituição brasileira, que não traz elementos para o exame da possibilidade de pessoas jurídicas serem sujeitos de direitos fundamentais.

Contudo, o estudo comparado do regime dos direitos fundamentais, associado às construções pátrias em sede doutrinária e jurisprudencial, ensina que as pessoas jurídicas podem ser titulares de direitos fundamentais, desde que tais direitos revelem-se compatíveis com sua natureza.

As pessoas colectivas só têm os direitos compatíveis com a as natureza, ao passo que as pessoas singulares têm todos os direitos. E, como nota o Tribunal Constitucional, tem de reconhecer-se que, ainda quando certo direito fundamental seja compatível com essa natureza, e, portanto, susceptível de titularidade colectiva, daí não segue que a sua aplicabilidade nesse domínio vá se operar exactamente nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que decorre relativamente às pessoas singulares (...) Cada pessoa colectiva somente pode ter os direitos conducentes à prossecução dos fins para que exista, os direitos adequados à sua especialidade (MIRANDA, 2000, p. 219-220).

Assim é que os direitos que adotam um referencial de existência humana, tal qual o direito à vida, não abrangem as pessoas jurídicas. Porém, não é preciso esforço para perceber que direitos como a liberdade de imprensa, liberdade de domicílio, liberdade de reunião e direito à imagem são extensivos às pessoas jurídicas.

Ao lado do princípio da universalidade, e com ele semelhante, conforme acima referido, figura o princípio da igualdade ou isonomia, que deve ser observado tanto no momento da criação quanto no momento da aplicação do direito.

Parte de um conceito filosófico de que todos os homens são iguais, cabendo ao direito respeitar e viabilizar essa igualdade através das normas jurídicas e dos mecanismos de garantia. A igualdade surge indissociável da própria liberdade individual, haja vista ser um pressuposto para a "uniformização do regime das liberdades individuais a favor de todos os sujeitos de um ordenamento jurídico" (CANOTILHO, 2002, p. 426).

No Brasil, o princípio da isonomia é consagrado no art. 5º, caput, CF/88, que estatui todos serem iguais perante a lei, sem qualquer sorte de distinção.

A igualdade assume assim não apenas a qualidade de direito fundamental, mas sobressai-se como princípio informador do próprio regime geral dos direitos fundamentais, devendo sempre ser considerado em todas as fases de concretização do direito.

Concluindo o tríplice sustentáculo axiológico do regime geral dos direitos fundamentais, aparece a garantia da tutela jurisdicional efetiva, que equivale dizer a proteção institucionalizada aos direitos fundamentais, assegurando o acesso ao direito e aos tribunais (jurisdição constitucional das liberdades).

De nada adianta a existência de direitos fundamentais se não houver organização estatal através de seus órgãos jurisdicionais a fim de conceder a devida proteção, garantindo a efetividade dos direitos. Por isso, através da jurisdição constitucional das liberdades, o Poder Público exerce a atribuição de fazer valer os direitos fundamentais, assegurando a prevalência de sua integridade diante de lesão ou ameaça de lesão.

Nesse aspecto, é de extrema relevância o papel dos remédios constitucionais enquanto instrumentos de defesa em face de uma dada situação de violação dos preceitos constitucionais, restaurando o equilíbrio existente anteriormente à ingerência ilegítima na esfera da ação individual livre.

No direito constitucional brasileiro, os remédios constitucionais compreendem o habeas data (art. 5º, LXVIII), o mandado de segurança (art. 5º, LXIX e LXX), o mandado de injunção (art. 5º, LXXI), o habeas data (art. 5º, LXXII), a ação popular (art. 5º, LXXIII), a ação civil pública (art. 129, III) e a argüição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF (art. 102, §1º).

Ademais, no âmbito da criação do direito, o art. 60, §4º, IV, CF/88 aduz que os direitos fundamentais são protegidos do poder reformador através da elevação de seu status a cláusulas pétreas, constituindo parte do núcleo imodificável da Constituição.

Os direitos fundamentais possuem quatro características elementares, a saber, historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade.

Com exceção da historicidade, as demais características decorrem do fato dos direitos fundamentais serem direitos personalíssimos. É dizer, os direitos fundamentais, inerentes à dignidade da pessoa humana, não revestem-se de caráter econômico-patrimonial, de modo que são insuscetíveis de transmissão a título gratuito ou oneroso, vedado qualquer ato no sentido da disposição de sua titularidade, muito embora o sujeito ativo possua a faculdade de deixar de exercê-los, sem que, contudo, a exigibilidade reste prejudicada em razão da inércia.

Conforme fora anteriormente relatado, os direitos fundamentais estão inseridos dentro de um contexto histórico que se inicia ainda na Antigüidade Clássica, quando se cogitou a existência de um direito natural, ganhando os contornos atuais após as revoluções burguesas e sociais compreendidas entre os séculos XVIII e XX, e que hodiernamente abrangem três (ou quatro) dimensões distinta de direitos.

Conclui-se que os direitos fundamentais vivem em constante transformação, e seu conteúdo varia de acordo com o momento histórico e com a cultura do povo que os consagrou.

Em relação a esta perspectiva cultural, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (IN: SAMPAIO, 2003, p. 248) expõe que o estudo dos direitos fundamentais tal qual hoje se revela é produto da cultura ocidental e a validade universal destes direitos só é patente nos limites das civilizações ocidentais. Esta concepção é um dos entraves que o direito internacional dos direitos humanos deve ultrapassar para que consiga sua afirmação.

Dada sua acentuada relevância no contexto do Estado social, as normas de direitos fundamentais apresentam interpretação diferente em relação a toda sorte de normas jurídicas. A interpretação dos direitos fundamentais está atrelada à concepção de Estado, de cidadania e democracia, restando impossível exercer a atividade interpretativa empregando unicamente os recursos utilizados na análise das demais regras.

Paulo Bonavides (2003, p. 605), citando o jurista alemão Konrad Hesse, assevera que, em sede de interpretação constitucional, e, por via de conseqüência, de direitos fundamentais, ater-se às regras tradicionais significa desvirtuar o fim da interpretação, desconsiderando "a íntima estrutura e as condicionalidades do processo interpretativo, o que equivale a postergar a tarefa de uma interpretação correta".

As regras de direitos fundamentais devem ser interpretadas à luz de método peculiar, proveniente da nova hermenêutica, denominado concretizador ou concretista, que impõe o sentido da norma só poder ser extraído em sua completude diante da situação subjetiva, vedada a interpretação restritiva, levando em consideração sobretudo o caráter histórico dos direitos fundamentais.

A este respeito, Daniel Sarmento (2000, p. 134) esclarece que a interpretação é feita em dois momentos: um de índole objetiva, que corresponde a um juízo prévio do conteúdo da norma em abstrato (pré-compreensão) e outro de índole subjetiva, em que é procedida a análise a partir do caso concreto, condicionando a aplicação da norma de direitos fundamentais ao contexto da situação material. A técnica concretista possui viés criativo, que confere sentido à norma de direito fundamental, aperfeiçoando-a no bojo da realidade apresentada.

É óbvio que o método concretista, por ser utilizado na esfera da jurisdição constitucional das liberdades, atende aos princípios da supremacia da Constituição, da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público da interpretação conforme a Constituição, da unidade da Constituição e da razoabilidade.

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Sobre a autora
Ana Carolina Lobo Gluck Paul

mestranda em Direito Civil comparado pela PUC/SP, professora de Direito Civil na Faculdade do Pará, advogada em Belém(PA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAUL, Ana Carolina Lobo Gluck. Colisão entre direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1136, 11 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8770. Acesso em: 22 nov. 2024.

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