A Lei nº 1.638/2006 do Estado de Rondônia dispõe sobre a reestrutura e reorganização do Plano de Carreira, Cargos e Remuneração dos Servidores do Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN/RO e dá outras providências, na norma estabeleceu-se que a atribuição para lavrar auto de infração de trânsito pertence apenas aos que ocupam o cargo de Agente de Trânsito.
Ocorre que, em 2011, o DETRAN/RO por intermédio de sua diretoria, editou a portaria nº 1594/GAB/DETRAN-RO, estendendo a mesma atribuição acima mencionada para os ocupantes do cargo de Auxiliares em Fiscalização de Trânsito.
Na prática, o ato administrativo da diretoria do órgão de trânsito ampliou a competência fixada pela lei estadual, já que esta conferiu a prerrogativa de fiscalização e lavratura de auto de infração de trânsito apenas ao ocupantes de cargo de agente de trânsito.
Diante desse cenário, a partir de 2011, diversos autos de infrações foram lavrados por servidores que ocupam o cargo de auxiliares em fiscalização de trânsito com base na portaria nº 1594/GAB/DETRAN-RO.
Autuações estas que resultaram em penalidades de multas, suspensão do direito de dirigir, cassação da CNH, necessidade do condutor passar por curso de reciclagem, e o cancelamento da permissão para dirigir (popularmente conhecida como cancelamento da carteira provisória).
Em 2018 o Ministério Público do Estado de Rondônia emitiu a recomendação técnica nº 001/2018/5ªPJ/3ªTIT ao DETRAN, cujo teor é:
Considerando que a portaria nº 1594/GAB/DETRAN-RO alterou as atribuições concernentes ao cargo de Auxiliar em Fiscalização de Trânsito, fato este que está em desacordo com os ditames legais, vem, por meio deste, RECOMENDAR que a modificação seja realizada por meio de lei.
Também em 2018, a procuradoria jurídica do DETRAN/RO, por meio do despacho nº 1105/2018/PROJUD/DETRAN/RO, manifestou-se no mesmo sentido sugerido pelo Ministério Público do Estado de Rondônia.
Tais documentos motivaram ao DETRAN/RO por intermédio de sua diretoria, editar a portaria nº 270/GAB/DETRAN-RO, revogando a portaria nº 1594/GAB/DETRAN-RO de 2011, que havia estendido a prerrogativa de realizar autuação por infração de trânsito aos auxiliares em fiscalização de trânsito.
Ou seja, a portaria jamais deveria ter existido, tendo em vista sua ilegalidade, e jamais poderia ter produzidos efeitos no mundo jurídico, sob pena de desrespeitar a Lei 1.638/2006 do Estado de Rondônia.
Com isso, abre-se a possibilidade daqueles que foram penalizados indevidamente por este vício reaverem a situação administrativamente e por meio de uma ação judicial, podendo buscar por meios legais a anulação das multas pagas ilegalmente viabilizando o ressarcimento destes valores, derrubar a suspensão do direito de dirigir ou a cassação da CNH, e até mesmo reverter o cancelamento da carteira provisória, desde que a situação não tenha sido abarcada pela prescrição do direito.
No âmbito do Estado de Rondônia, o Poder Judiciário inclusive já proferiu decisões neste tipo de caso.
Nos autos do processo nº 7000589-90.2019.822.0009, que tramitou na 1ª vara do juizado especial cível de Pimenta Bueno, discutiu-se a respeito de um auto de infração de trânsito lavrado por auxiliar em fiscalização de trânsito, ao invés de Agente de Trânsito.
O auto de infração do caso referia-se a conduta tipificada no art. 165 do Código de Trãnsito Brasileiro, que diz respeito a dirigir sob a influência de álcool.
A decisão judicial mencionou "em que pese e edição da referida portaria pelo dirigente máximo do órgão executivo estadual de trânsito, não se vislumbra possibilidade legal de alteração das prerrogativas/atribuições legais de cargo público mediante tal ato administrativo".
Por fim, a sentença condenou o DETRAN/RO a restituir ao autor o valor pago pela multa (R$ 2.934,70), corrigidos monetariamente desde o efetivo pagamento, com juros, além de declarar a nulidade do auto de infração, o que por consequência, inviabiliza também a aplicação da pena de suspensão do direito de dirigir e o curso de reciclagem.
O precedente ventilou a seguinte tese jurídica:
Recurso inominado. Juizado Especial da Fazenda Pública. Auto de infração. Auxiliar de fiscalização de trânsito. Impossibilidade de autuação. Nulidade.
Se mostra irregular o ato da autarquia estadual de trânsito que estende prerrogativas/atribuições impostas por Lei a auxiliares de fiscalização, sendo, portanto, nulos de pleno direito os autos de infração impostos pelos mesmos.
RECURSO INOMINADO CÍVEL, Processo nº 7000589-90.2019.822.0009, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Turma Recursal - Porto Velho, Relator (a) do Acórdão: Juiz José Augusto Alves Martins, Data de julgamento: 08/06/2020
Ou seja, durante o período de 2011 até 2018 houveram diversos auto de infrações legais em todo o Estado de Rondônia, passível de nulidade e questionamento de todas as penalidades aplicadas.
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Fontes:
- RECURSO INOMINADO CÍVEL, Processo nº 7000589-90.2019.822.0009, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Turma Recursal - Porto Velho, Relator (a) do Acórdão: Juiz José Augusto Alves Martins, Data de julgamento: 08/06/2020
- Portaria nº 1594 /GAB/DETRAN-RO de 01 de janeiro de 2011.
- Portaria nº 270/GAB/DETRAN-RO de 21 de maio de 2018.
- Lei nº 1.638/2006 do Estado de Rondônia.
- Recomendação técnica nº 001/2018/5ªPJ/3ªTIT.
- Despacho nº 1105/2018/PROJUD/DETRAN/RO