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Estudo comparativo das legislações francesa e brasileira sobre franquia empresarial

18/08/2006 às 00:00
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1 − INTRODUÇÃO

            O presente estudo levanta as semelhanças e diferenças entreas legislações francesa e brasileira sobre franquia empresarial, com o intuito de apresentar proposição legislativa que incorpore os benefícios garantidos aos franqueados na França.

            Para a realização deste estudo, foram compulsados, no direito francês, o Código Comercial, o Código Civil e o Código Penal, além de algumas leis esparsas. Entre as normas comunitárias, foi consultado o Regulamento (CE) nº 2.790, de 1999. Foi examinado o Código Europeu de Deontologia da Franquia elaborado pela Federação Européia da Franquia. Na legislação brasileira, foram objeto de pesquisa a Lei de Franquia, o Código Civil atual (Lei n° 3.071, de 1916), o Código Civil recém-sancionado (Lei n° 10.406, de 2002) e o Código de Processo Civil (Lei n° 5.869, de 1973).

            No quadro comparativo das legislações francesa e brasileira, anexado a este estudo, estão apontadas as diferenças observadas, dentre as quais algumas encontram-se destacadas neste texto.


2 − LEGISLAÇÃO FRANCESA1

            Em 1989, com o advento da Lei Doubin, a França, após os Estados Unidos e a Província de Alberta (Canadá), foi um dos primeiros países a adotar algum disciplinamento jurídico do instituto da franquia empresarial.

            Atualmente, esse instituto é regulado no art. L. 330-3 do Código Comercial, que impõe ao franqueador a entrega de um documento de informações verazes acerca da rede de franquia em negociação, no prazo de vinte dias antes da formalização de qualquer compromisso entre as partes (assinatura do contrato de franquia ou antecipação de alguma importância). Trata-se do princípio da transparência − full and fair disclosure −, isto é, do princípio da revelação total e veraz dos dados empresariais.

            O teor desse documento, denominado Documento de Informação Pré-Contratual (Documento Doubin), está definido no Decreto n° 91-337, de 4 de abril de 1991. O franqueador deve fornecer dados que revelem a identidade da sociedade (sede social, forma jurídica, capital, registro na junta comercial ou inscrição no órgão de fiscalização do exercício profissional do corpo de diretores, referências bancárias); o estado real de sua marca (número e data do depósito de marca, etc.); as demonstrações financeiras anuais da sociedade; a duração, as condições de renovação, de resilição e de cessão do contrato proposto; o campo das exclusividades; e o histórico da rede. Se uma empresa houver deixado de fazer parte da rede ao longo do ano precedente ao da entrega do Documento Doubin, dele deve constar o motivo (expiração, resilição ou anulação do contrato de franquia).

            O franqueador que não obedece ao prazo legal de vinte dias para a entrega do Documento Doubin, sujeita-se à cominação da pena de multa. A multa, para as pessoas físicas, é de, no máximo, 10.000 F (1.500 euros)2, podendo chegar a 20.000 F (3.000 euros), na reincidência; enquanto que, para as pessoas jurídicas, o valor máximo da multa é igual ao quíntuplo daquele previsto para as pessoas físicas. No entanto, se reincidente, a multa aplicável à pessoa jurídica pode atingir o décuplo do valor estabelecido para as pessoas físicas.

            É de salientar que o Código Civil, no capítulo do efeito das obrigações e, em especial, na seção que cuida dos danos resultantes da inexecução das obrigações, estabelece:

            Art. 1.152.

Quando o contrato define que aquele que o deixar de cumprir pagará uma certa importância a título de indenização por danos, o lesado não pode ser indenizado pela outra parte com uma quantia exorbitante nem inferior.

            Não obstante, o juiz pode, mesmo de ofício, atenuar ou aumentar a multa que tinha sido contratada, se ela é manifestamente excessiva ou irrisória. Toda determinação contrária será considerada não-escrita.

            Como se percebe, no caso da inexecução de obrigação por uma das partes, esse dispositivo defende o cidadão francês contra o recebimento de uma indenização irrisória, quando credor, ou contra o pagamento de uma quantia exorbitante, quando devedor. Desse modo, se houver descumprimento de uma das cláusulas do contrato de franquia por parte do franqueador, está assegurado pelo art. 1.152 que a indenização a ser recebida pelo franqueado não será irrisória. Analogamente, se o franqueado deixar de executar uma obrigação, o mesmo art. 1.152 garante que a indenização a ser paga pelo franqueado não será excessiva.

            Note-se que, naquele País, o contrato de franquia deve estar em conformidade com o direito francês, o direito comunitário e o Código Europeu de Deontologia da Franquia (1972). Segundo esse Código, o franqueador é o iniciador de uma rede de franquia constituída por ele próprio e por franqueados, sendo que a disposição do franqueador é a de assegurar a perenidade. Além de outras obrigações, as duas partes sempre devem agir com eqüidade em seu relacionamento mútuo.


3 − LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

            O direito brasileiro adota normas internacionalmente reconhecidas, tais como a Circular de Oferta de Franquia e o contrato escrito. A Lei n° 8.955, de 15 de dezembro de 1994, que disciplina o instituto da franquia empresarial, prevê a obrigatoriedade da apresentação de Circular de Oferta de Franquia (COF) por parte do franqueador. O prazo fixado na norma brasileira é de dez dias. A Circular de Oferta de Franquia corresponde ao Documento Doubin previsto na legislação francesa.

            O art. 4°, parágrafo único, da Lei n° 8.955, de 1994, define que, na hipótese de descumprimento do prazo legal de dez dias da entrega da COF, "o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir a devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos". Esse dispositivo "aplica-se, também, ao franqueador que veicular informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis´´´´.

            No direito civil, mencione-se que não existe preceito idêntico ao art. 1.152 do Código Napoleônico na Lei n° 3.071, de 1° de janeiro de 1916 − Código Civil Brasileiro − CCB, em vigor, cujo art. 159, que dispõe sobre a obrigação de reparar o dano, é imperfeito por apresentar essa lacuna legal de não coibir o pagamento de valores excessivos ou ínfimos. Hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, quanto ao aspecto substancial, não há garantia plena contra abusividade, exceto na norma consumerista. Contudo, essa proteção existe, de maneira tênue, no art. 916 e seguintes e, do ponto de vista processual, no art. 644, parágrafo único, da Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 − Código de Processo Civil. O art. 924 do CCB permite ao juiz determinar a redução proporcional da pena estipulada (multa ou indenização) apenas na hipótese de descumprimento parcial da obrigação de uma das partes contratantes.

            Na Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 − Código Civil −, que vigerá a partir de 11 de janeiro de 2003, a combinação dos arts. 186, 187, 402 a 405, 476, 478, 778 e 927 tem resultado pouco semelhante ao disposto no art. 1.152 do Código Civil Francês.

            De qualquer modo, essa disposição do direito francês concede ao juiz plena liberdade para rever os valores contratados, o que não ocorre na Lei n° 3.071, de 1916, nem na Lei n° 10.406, de 2002. Em suma, no ordenamento jurídico brasileiro, não há proteção tão ampla contra abusividade quanto na França.


4 − DA EXCLUSIVIDADE TERRITORIAL

            Nenhum dos dois países impõe a exclusividade territorial. Não obstante, na França, a maioria dos contratos de franquia a prevêem. Esta cláusula permite ao franqueado desenvolver sua empresa com maior serenidade, pois lhe é assegurado que o franqueador não procurará vender os mesmos produtos através de um outro intermediário no território de atuação que lhe é reservado. Entretanto, a extensão do território inicialmente definido pode evoluir (o mais freqüentemente no sentido de uma redução), em função da estratégia comercial do franqueador, de sua notoriedade e de sua clientela. Sem embargo, o descumprimento da cláusula de exclusividade territorial pelo franqueador pode ensejar o pagamento de indenização por danos ao franqueado e até mesmo a resilição do contrato, se o juiz considerar que se trata de cláusula essencial do contrato.

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            O Regulamento (CE) nº 2.790, de 22 de dezembro de 1999, limita o campo das exclusividades territoriais. Com essa norma, o franqueador não pode proibir seus franqueados de proceder às operações de publicidade fora de seu território exclusivo, visto que essa publicidade não é pessoal. Concretamente, isso significa que os franqueados podem conduzir campanhas de publicidade para afixação de outdoors fora de seu território, mas não podem enviar correspondências pessoais aos consumidores. De modo análogo, o franqueador não pode colocar obstáculo à criação de um site na Internet para um franqueado, visto que isso está em conformidade com as obrigações previstas no contrato e não prejudica a imagem da marca. Em compensação, o franqueado não pode enviar e-mail publicitário aos internautas situados fora de seu território.

            O art. 3°, X, da Lei n° 8.955, de 1994, determina que, na Circular de Oferta de Franquia, seja especificado se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre determinado território de atuação e, caso positivo, em que condições (alínea a); e se há possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações (alínea b).

            No Brasil, pode ser incluída a cláusula de exclusividade territorial nos contratos de franquia. O fato é que, muitas vezes, o franqueado, ao avaliar a minuta de contrato proposta, não observa a omissão dessa modalidade de cláusula ou não considera relevante tal aspecto, ou ainda, não logra a inclusão dessa cláusula durante a fase de negociação dos termos contratuais com o franqueador. Dessa forma, o franqueado pode escolher livremente a franquia que lhe convier, exercendo o seu livre-arbítrio. Trata-se do respeito à livre escolha e à liberdade de contratar, inerentes à livre iniciativa. Parece-nos, salvo melhor juízo, não haver como propor, mediante projeto de lei, a exclusividade territorial − delimitação do território de atuação de cada franqueado −, pois tal decisão cabe às partes.


5 − CONCLUSÕES

            Existem algumas diferenças entre as legislações francesa e brasileira. Parece-nos que o maior benefício conferido ao franqueado francês é um dispositivo do Código Civil (art. 1.152), e não do Código Comercial. Tal disposição reprime o pagamento de valores exorbitantes ou irrisórios. Contudo, o franqueado brasileiro não encontra esse amparo amplo em nosso ordenamento jurídico.

            Parece-nos que, na realidade brasileira, não é razoável conceder essa ampla liberdade ao juiz, tendo em vista a possibilidade de o contratante agir de má-fé, ciente de que no futuro poderá alegar a aplicação de tal dispositivo. Assim, ficaria fortalecido o rebus sic stantibus3 em detrimento do pacta sunt servanda 4. Em outras palavras, a exceção prevaleceria sobre a regra.

            A Circular de Oferta de Franquia (COF) − instituída pela Lei n° 8.955, de 1994 − incorpora ao ordenamento jurídico brasileiro o princípio do disclosure (abertura ampla, total e veraz dos dados empresariais). O prazo de vinte dias, previsto na legislação francesa, confere maior transparência ao instituto da franquia empresarial. Sugerimos, salvo melhor juízo, a alteração da Lei n° 8.955, de 1994, com vistas a aumentar de dez para vinte ou trinta dias antes da assinatura do contrato o prazo para entrega da COF ao candidato à franquia de forma a garantir ao interessado a possibilidade de uma análise mais apurada dos dados empresariais.

            A lei francesa não dispõe sobre a garantia de exclusividade territorial ao franqueado. No entanto, a cláusula de exclusividade territorial consta da maioria dos contratos. Tal matéria também não é objeto da norma brasileira. Sugerimos, salvo melhor juízo, que não haja alteração nesse sentido.


Notas

            1

As normas mencionadas estão disponíveis no site oficial do governo francês (www.legifrance.gouv.fr), tendo sido traduzidas na Consultoria Legislativa.

            2

Ordonnance n° 2000-916, du 19 Septembre 2000.

            3

Permanecendo as coisas assim (=no estado em que se encontram).

            4

Os pactos (=contratos/compromissos) devem ser observados (=cumpridos).
Assuntos relacionados
Sobre a autora
Lúcia Helena Chiarini

consultora legislativa do Senado Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHIARINI, Lúcia Helena. Estudo comparativo das legislações francesa e brasileira sobre franquia empresarial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1143, 18 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8780. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Texto originalmente publicado no site da Consultoria Jurídica do Senado (<a href="http://www.senado.gov.br/conleg/">http://www.senado.gov.br/conleg/</a>).

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