Capa da publicação Correição parcial ainda é possível?
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Uma aplicação da correição parcial

10/01/2021 às 11:20

Resumo:


  • A correção parcial é uma medida que pode ser utilizada quando não há recurso específico previsto na lei para corrigir atos processuais do juiz que caracterizam abuso ou inversão tumultuária do processo.

  • Embora haja debate doutrinário e jurisprudencial sobre sua subsistência e constitucionalidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu sua aplicabilidade em casos específicos.

  • Segundo a decisão da Sexta Turma do STJ, a correção parcial é cabível contra decisões judiciais que causem tumulto processual, desde que não exista recurso processual específico para tal situação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Ainda faz sentido admitir correição parcial contra decisão judicial que causa tumulto ao andamento do processo, v.g., invertendo fases processuais, se não houver recurso específico na legislação processual?

A correição parcial é remédio que faz as vezes de recurso.

Estamos diante da correição parcial ou reclamação.

Trata-se de um sucedâneo recursal.

É uma medida administrativa ou disciplinar destinada a levar ao conhecimento do tribunal superior a prática de ato processual pelo juiz, consistente em error in procedendo caracterizador de abuso ou inversão tumultuária do andamento do processo, quando para o caso não existir um recurso previsto na lei processual. A finalidade da correição parcial é fazer com que o tribunal corrija o ato que subverteu a ordem procedimental, de modo a colocar o processo novamente nos trilhos.

É medida geralmente prevista em Leis de Organização Judiciária.

Não é propriamente matéria de processo, razão por que não se aplica para o caso a chamada competência privativa que é dada à União Federal em legislar sobre matéria de processo.

A correição parcial foi utilizada sob o Código de Processo Civil de 1939, como se fora verdadeiro recurso de agravo de instrumento. Daí a razão por que se a entendia inconstitucional, já que não prevista em lei federal consoante já previa a Constituição de 1946, que, nesse ponto, foi acompanhada pela Constituição de 1988.

A doutrina, outrossim, solidificou-se o entendimento de que se a decisão enseja a  probabilidade de causar dano irreparável permitirá a utilização do mandado de segurança, medida que se substitui a correição parcial.

Para Nelson Néry Júnior (Princípios fundamentais – Teoria geral dos Recursos, 4ª edição, pág. 63), a discussão que existe na doutrina e na jurisprudência em torno da questão da subsistência ou não da correição parcial no sistema vigente ainda no CPC de 1973, revogado em 2015, é absolutamente estéril.

Pontes de Miranda (Comentários ao CPC de 1973, volume VII, pág. 310), Barbosa Moreira (Comentários ao CPC, n. 286, pág. 468/469), dentre outros, admitiam a correição parcial em face daquele diploma processual.

Frederico Marques (Manual de direito processual civil, volume III, n. 655, pág. 205), Ribas Malachini (Correição parcial), Mendonça Lima (Introdução aos recursos civis, n. 164, pág. 232), dentre outros, tinham opinião contrária.

Para Nelson Néry Jr (obra citada, pág. 64) o remédio é inconstitucional e já o era desde que fora instituído, de modo que não se trata de discutir a sua subsistência.

Mas, na esfera federal, há a Lei 5.010, de 30 de maio de 1966, artigo 6º, I, que o prevê, mas lhe dando caráter meramente administrativo, como se lê do texto que organizou a Justiça Federal, a qual submete o julgamento da correição parcial ao Conselho de Justiça Federal.

Ter-se-ia a inconstitucionalidade diante de dois argumentos: a) se a medida for processual, o legislador estadual agiu em desconformidade com a Constituição Federal, que confere competência legislativa em matéria processualmente unicamente a União; b)  se administrativa, infringe a independência da função jurisdicional, porque sujeita atos jurisdicionais a controle de órgãos administrativos, consoante lição de Frederico Marques (obra citada).

O Superior Tribunal de Justiça enfrentou a questão recentemente.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, via de regra, é cabível correição parcial contra decisão judicial que causa tumulto ao andamento do processo, v.g., invertendo fases processuais, desde que não haja previsão de recurso específico na legislação processual.

A decisão (REsp 1851323/MG) teve como relatora a ministra Laurita Vaz:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. ARTS. 140, 932, INCISO VIII E PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N.º 211 DO STJ. EXTINÇÃO DA AÇÃO PENAL. INTERPOSIÇÃO DE CORREIÇÃO PARCIAL. ERRO GROSSEIRO. RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. PRAZO DOS RECURSOS ADEQUADOS. NÃO OBSERVÂNCIA. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. APLICAÇÃO. INVIABILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

1. As matérias de que cuidam os arts. 140, 932, inciso VIII e parágrafo único, e 938, § 1.º, do Código de Processo Civil, não foram debatidas pelo Tribunal de origem, apesar da oposição de embargos de declaração. Carecem do necessário prequestionamento, nos termos da Súmula n.º 211 do Superior Tribunal de Justiça.

2. Via de regra, é cabível correição parcial contra decisão judicial que causa tumulto ao andamento do processo, v.g., invertendo fases processuais, desde que não haja previsão de recurso específico na legislação processual.

3. É extreme de dúvidas que não cabe correição parcial contra decisão de Juiz de primeiro grau que extingue a ação penal, pois há previsão de recurso próprio na legislação processual. O fato de que, na visão do Parquet, teria sido utilizado fundamento de natureza administrativa, não faz excluir o cabimento do recurso previsto na legislação processual. A interposição da correição, no caso concreto, constituiu erro grosseiro.

4. A decisão do Juízo singular pecou pela falta de clareza. Entretanto, apesar dessa mácula, era evidente que o recurso adequado para a sua impugnação não era a correição parcial. Ao encerrar a ação penal, por falta de justa causa, o recurso cabível seria a apelação, nos termos do art. 593, inciso II, do Código de Processo Penal. Contudo, a decisão também extinguiu a punibilidade, sendo admissível que fosse impugnada por recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, inciso VIII, segunda parte, do mesmo Estatuto. Caso o Ministério Público tivesse interposto algum desses recursos, poderia ter havido o conhecimento da insurgência acusatória.

5. A dúvida objetiva que poderia existir e que autorizaria a aplicação do princípio da fungibilidade era entre o cabimento de apelação ou de recurso em sentido estrito, mas era manifesto não ser hipótese de correição parcial.

6. Além de o Ministério Público ter interposto correição parcial, que era manifestamente incabível, não foram observados os prazos dos recursos que poderiam ser admitidos no caso concreto. Em ambos os casos, o lapso recursal era de 5 (cinco) dias.

7. A necessidade de que não haja erro grosseiro e de que seja observado o prazo do recurso cabível, para aplicação do princípio da fungibilidade, não constitui “invenção jurisprudencial sem fundamento e desprovida de lógica jurídica”, mas tem suas raízes no devido processo legal. Destarte, todos litigantes em um processo judicial têm o dever de observar as regras processuais, incluindo-se os recursos adequados e os respectivos prazos, cabendo ao Julgador zelar pelo seu cumprimento.

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp 1851323/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 20/11/2020)

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Com o devido respeito, seria caso de interposição de mandado de segurança, no prazo decadencial previsto na legislação infraconstitucional.

De toda sorte, há um importante precedente a ser aplicado pelos estudiosos do direito em casos similares.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Uma aplicação da correição parcial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6402, 10 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87805. Acesso em: 24 dez. 2024.

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