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Criminologia da complexidade:

reflexões epistemológicas

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09/03/2021 às 13:35
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CONCLUSÃO

O objetivo da Criminologia da complexidade é conhecer não só a variabilidade do objeto de estudo mas também os diferentes fatores que determinam a sua ocorrência na sociedade, utilizando para isso novos arranjos teóricos híbridos, sintéticos, pluridimensionais, ou integradores do conhecimento que ajudem na produção de políticas públicas voltadas à prevenção do crime; na pacificação da sociedade; na humanização das penas; no tratamento dos condenados; e na reinserção social dos ex-presidiários. 

O desafio transdisciplinar da Criminologia da complexidade não é produzir uma síntese fechada do conhecimento; nesse sentido deve propor um método refinado que incentive a abertura dos saberes e a dialogicidade entre os sistemas programáticos disponíveis.

Na Criminologia da complexidade, os programas de pesquisa já existentes preservam até certo ponto a sua integridade epistemológica, mas realizam a dialética entre a estrutura ordenada e a desordem externa trazida pelos dados empíricos ou pelas críticas dos programas adversários. Nesse processo, surgem inevitavelmente reformulações progressivas dentro e fora de cada programa de pesquisa.

Nesse paradigma, é o pesquisador que constrói o ambiente de conversação entre os programas conflitantes, fazendo com que cada um deles se torne disposto ao diálogo, com a preocupação virtuosa de ligar o que se encontra desligado; de juntar o que se acha disjuntado. Nesse contexto, o pesquisador coordena a mediação do conhecimento, produzindo um ambiente empreendedor favorável para que os programas de pesquisa tenham igual chance de participação e de diálogo.

O resultado do processo dialógico usando a mediação do conhecimento tem o propósito de alcançar o equilíbrio das ideias ou a convergência das abordagens conflitantes a fim conhecer novos temas emergentes da realidade ou mesmo reeditar pelo olhar da complexidade as análises tradicionais já existentes.

A Criminologia da complexidade procura aperfeiçoar e ampliar os laços de solidariedade minimamente existentes entre a Biologia, o Direito Penal, a Sociologia, a Ética, a Psicologia, a Política criminal, entre outras áreas.

Com essa finalidade, as Criminologias crítica e pós-crítica podem impedir que a Criminologia etiológica oriente práticas nazistas e antiéticas. Mas a Criminologia etiológica não pode tolerar, de outro modo, que o pesquisador ignore a natureza biológica do ser humano.

Também, na contramão da Criminologia crítica, a abordagem etiológica condena a demonização da Biologia, lembrando que Direito e Medicina já praticam há muito tempo uma solidariedade histórica construtiva, especialmente quando a Psiquiatria forense avalia se o criminoso é digno de ser ou não responsabilizado penalmente.

A respeito dos laços históricos entre Medicina e Direito Penal é necessário recordar que:

[...] as pesquisas em torno do tema confirmam a importância que os laudos psiquiátricos assumem para as decisões judiciais em matéria penal, uma vez que a maior parte dos magistrados tenderia a aceitar como válidos os resultados das avaliações realizadas pelos peritos e a emitir suas sentenças de conformidade com eles. Trata-se de um indicador bastante específico da confiança que o poder judiciário deposita na profissão médica, confirmando assim, uma aliança de larga data entre ambos os universos (MITJAVILA & MATHES, 2012, p. 1390).

As atividades do programa de pesquisa da Criminologia da complexidade começam com a interação dos programas já existentes, fiscalizando-se mutuamente.

Esse diálogo crítico numa espécie de check and balance ético não se acomoda, uma vez que o pesquisador promove a construção de novas organizações transversais ou unidades epistemológicas híbridas, transdisciplinares, que devem ter obrigatoriamente alguma utilidade social.

O processo dialógico do conhecimento depende da cooperação dos programas auxiliares. Ao contrário, não havendo interatividade construtiva e real abertura do conhecimento entre as unidades epistemológicas invocadas dificilmente a Criminologia da complexidade poderá progredir e atender à expectativa transdisciplinar.

A ontologia do programa procedimental de pesquisa da Criminologia da complexidade pode conciliar inicialmente a Biologia com a Sociologia, o Direito Penal, a Psiquiatria, a Psicologia, a Ética e a Ciência Política (RIVERO, 2016). Nesse sentido, a metodologia deve estabelecer técnicas próprias a fim de derrubar obstáculos não só epistemológicos, ou conceituais, mas também políticos, devido às “relações de poder e às disputas que isolam os campos disciplinares” (RIVERO, 2016, p. 263).

Acompanhando a proposta integrativa do conhecimento nos termos do filosofo Edgar Morin, a Criminologia da complexidade não pretende estudar fragmentos soltos deixados pelas ciências mestras e procura, ao contrário, realizar um esforço conjunto de reunificação do saber, sintetizando diferentes abordagens na busca de uma unidade epistemológica transdisciplinar (RIVERO, 2016, p. 72).

A axiologia da pesquisa deve refutar a hiperespecialização do conhecimento (RIVERO, 2016), acreditando nesse sentido que estamos próximos do ideal transdisciplinar, conforme sugerem acontecimentos recentes “que têm contribuído para que cada vez mais se desenvolvam abordagens integradoras” (RIVERO, 2016, p. 73).

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Com a teoria da complexidade o pesquisador analisa as causas do comportamento criminoso que precisa ser reconhecido como um fenômeno multifatorial e circunstancial (RIVERO, 2016).

Segundo o filósofo Edgar Morin:

Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. A complexidade é, portanto, a união entre a unidade e a multiplicidade e produtos são necessários à sua própria produção (ESTRADA, 2009, p. 90).

Na praticologia da Criminologia da complexidade o roteiro de trabalho inclui algumas tarefas especiais (RIVERO, 2016):

  1. Estudar não apenas o crime que é resultado da imputação penal e dos valores culturais de uma época, mas principalmente a violência, o comportamento agressivo e a contribuição dos fatores individuais e sociais que causam conflitos.
  2. Evitar na pesquisa a exclusividade dos dados penais, judiciários, policiais, burocráticos, pois é fato notório que existe seletividade nas instituições ao estigmatizar o indivíduo (geralmente pobre e negro) como criminoso e delinquente. Em compensação, a Criminologia da complexidade deve estudar mais profundamente os comportamentos violentos, observando a interação do indivíduo com a família e a comunidade.
  3. No campo jurídico, a pesquisa deve apontar a existência da complexidade do crime, havendo diversas situações e variáveis que atuam na ocorrência do mesmo tipo penal.
  4. Deve-se garantir a participação da Biologia e Psicologia no estudo dos tipos penais.
  5. Não descartar o livre arbítrio da pessoa, porém, é preciso reconhecer que fatores biológicos e sociais reduzem ou aumentam a liberdade de escolha da pessoa em praticar ou não determinando comportamento violento ou criminoso.
  6. Por último, é preciso deixar claro na pesquisa que a medida punitiva sobre a criminalidade e o ato violento não é a única solução, nem a melhor em muitos casos. De modo complementar, e obrigatoriamente, a pesquisa deve valorizar as políticas preventivas, especialmente ligadas à Saúde Pública que repercutem na Segurança Pública. 

Segundo Rivero (2016, p. 262):

A possibilidade de se construir programas e políticas preventivas é absolutamente viável dentro dessas perspectivas, da mesma forma como faz parte da sua agenda contemporânea.  [...]. Do mesmo modo como tem ocorrido na Medicina, os estudos criminológicos poderiam ser classificados conforme níveis de evidências, orientando de maneira mais precisa a construção e a implementação de políticas públicas de segurança.

Finalmente, a contextualização do programa de pesquisa da Criminologia da complexidade deve considerar que existe uma tradição intelectual separatista do conhecimento.  A fim de superar esse quadro, “é importante que se discuta de maneira interativa o alcance e as limitações de conceitos e categorias”, como violência, agressividade, conflito, crime e delinquência, reintegrando as Ciências Naturais e Humanas na busca de uma nova unidade programática denominada “Criminologia biossocial” (RIVERO, 2016, p.80).


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Jéssica Pascoal dos Santos. Pedofilia: aspectos éticos, clínicos e forenses. São Paulo: Faculdade de Direito, Largo de São Francisco, Programa de pós-graduação; dissertação de mestrado, 2014.

BARATTA Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à Sociologia do Direito Penal Tradução: Juarez Cirino dos Santos.3.ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.

CARVALHO, Salo. Antimanual de criminologia. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o Homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997.

ESTRADA, Adrian Alvarez. Os fundamentos da teoria da complexidade em Edgar Morin. Revista Akrópolis, Umuarama, v. 17, n. 2, p. 85-90, abr./jun. 2009. Disponível em: www.revistas. unipar.br; acesso em: 11 jul. 2019.

FERRI, Enrico. Sociologia Criminal. Sorocaba (SP): Minelli, 2006.

GOFFMAN, Erwing. Estigma: notas sobre a manipulação da imagem deteriorada. Tradução: Mathias Lambert Data da Digitalização. São Paulo: LTC, 2004.

______. Manicômios, prisões e conventos. Tradução: Dante Moreira Leite. São Paulo: Editora Perspectiva S.A: 1974.

INTRODUCTION to Critical criminimology. Open University, 2016. Disponível em: http://www.open.ac.uk/courses/qualifications/q92; acesso em 09 set. 2020.

MITJAVILA, Myriam Raquel & MATHES, Priscilla Gomes. Doença mental e periculosidade criminal na psiquiatria contemporânea: estratégias discursivas e modelos etiológicos. Rio de Janeiro: Physis, Revista de Saúde Coletiva, 22 [ 4 ]: 1377-1395, 2012.

MONTARROYOS, Heraldo. Pesquisa jurídica: como se faz? Rio de Janeiro: Publit, 2017.

MORIN, Edgar. O método: A natureza da natureza. Vol 1. 2. Ed. Publicações Europa-América, 1987 [?]. Depósito Legal n.15555/87.

POLANY, Michael. Ciência, fé e sociedade. Tradução Eduardo Beira. Universidade do Minho (Portugal), 2014.

RIVERO, Samuel Malafaia. Neurocriminologia: (re) pensando a criminologia a partir de diferentes ângulos e abordagens. Porto Alegre: PUC-RS, Programa de pós-graduação de Ciências Criminais; dissertação de mestrado; 2016.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Os discursos sobre crime e criminalidade. Disponível em: http://icpc.org.br/wpcontent/uploads/2012/05/os_discursos_sobre_crime_e_criminalidade.pdf; acesso em: 11 jul. 2019.

SANTOS, Haroldo Lima dos. Neurociência e o comportamento criminoso: implicações para o Direito Penal. Revista FABE, Bertioga (SP), vol. 8, 2018.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl & OLIVEIRA, Edmundo. Criminologia e política criminal. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2010.

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Sobre o autor
Heraldo Elias Montarroyos

Professor de Criminologia; associado 4, da FADIR - UNIFESSPA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTARROYOS, Heraldo Elias. Criminologia da complexidade:: reflexões epistemológicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6460, 9 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88040. Acesso em: 16 nov. 2024.

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