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Direitos trabalhistas e previdenciários do empregado doméstico

18/08/2006 às 00:00

Resumo:


  • A profissão de trabalhador doméstico tem sido historicamente menosprezada, principalmente em países em desenvolvimento, devido a preconceitos culturais e sociais.

  • A legislação brasileira, como a Lei nº 5.859/72 e as Leis nºs 10.208/2001 e 11.324/2006, buscou instituir direitos trabalhistas e previdenciários para os empregados domésticos, como acesso ao FGTS e seguro-desemprego.

  • Embora essas leis representem avanços significativos, ainda há questões pendentes, como a inclusão do empregado doméstico no salário-família e no FGTS, que foram vetadas pelo Presidente da República devido a questões financeiras e de equilíbrio da Previdência Social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A profissão de trabalhador doméstico tem sido pouco considerada nos países subdesenvolvidos, apesar de sua importância para a família, em virtude de discriminação social e preconceito.

Sumário: 1. Introdução. 2. A profissão do empregado doméstico, segundo a Lei nº 5.859/72. 3. Instituição de direitos trabalhistas e previdenciários para o empregado doméstico, por força das Leis nºs 10.208/2001 e 11.324/2006. 4. Conclusão.


1. Introdução

            A profissão de trabalhador doméstico tem sido, ao longo do tempo, pouco considerada nos países subdesenvolvidos, apesar de sua importância para a família. Isso se deve a um traço cultural, de discriminação social e preconceito em relação a determinadas atividades.

            Tradicionalmente, os trabalhos domésticos, nesse ambiente, são de um modo geral banalizados, exercidos por pessoas desprovidas de instrução e sem qualificação profissional. Em tais condições, são reservados a humildes serviçais, mediante contraprestação consistente em ínfima remuneração pecuniária, paga de forma irregular e sem garantia alguma, ou, simplesmente, no fornecimento de alimentação, vestuário e outros bens de utilidade pessoal. Reflexo desse preconceito é o fato de que alguns empregados domésticos ainda recusam a assinatura de suas CTPS, para que nelas não seja mencionada sua profissão, que reputam humilhante.

            Os serviços domésticos são exercidos, quase exclusivamente, por mulheres, sejam empregadas, seja a própria dona-de-casa, pois não são considerados adequados para homens (preconceito machista?). Seu regime, nas regiões menos desenvolvidas, lembra o da servidão, em face da vinculação do prestador aos membros da unidade familiar, especialmente a patroa.

            De início se aplicavam aos empregados domésticos alguns preceitos do Código Civil atinentes à locação de serviços. Sua atividade foi regulamentada pelo Decreto nº 16.107, de 30.7.23, e pelo Decreto-Lei nº 3.078, de 27.11.41. Este os definiu como os que laboravam em residências particulares mediante remuneração e lhes atribuiu direito a aviso prévio de oito dias, após um período de experiência de seis meses. Poderiam eles rescindir o contrato em caso de atentado à sua honra ou integridade física, de mora salarial ou falta de cumprimento da obrigação patronal de proporcionar-lhe ambiente para alimentação e habitação em condições de higiene, com direito a indenização de oito dias.

            A CLT – editada em 1º de maio de 1943 – expressamente exclui os empregados domésticos do âmbito de sua aplicação (artigo 7º, "a").

            A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, dispõe sobre a profissão de empregado doméstico, conferindo-lhe direito a férias e aos benefícios e serviços previstos na Lei Orgânica da Previdência Social, na qualidade de segurado obrigatório.

            A Constituição Federal de 1988, no § único do artigo 7º, estendeu à categoria dos domésticos direitos previstos naquele dispositivo para os trabalhadores urbanos, rurais e avulsos (incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV).

            A Lei n° 10.208, de 23 de março de 2001, acrescentou dispositivos à Lei n° 5.859, de 11 de dezembro de 1972, para facultar o acesso do empregado doméstico ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao seguro-desemprego.

            Agora, a Lei nº 11.324, de 19 de julho de 2006, alterando dispositivos das Leis nº 9.250/95, 8.212/91, 8.213/91 e 5.859/72, bem como revogando dispositivo da Lei nº 605/49, contemplou os obreiros domésticos com direitos de natureza previdenciária e trabalhista.


2. A profissão do empregado doméstico, segundo a Lei nº 5.859/72

            A Lei n° 5.859, de 11.12.72, dispõe sobre a profissão de empregado doméstico de modo sucinto e parcimonioso quanto aos direitos a ele conferidos.

            Tais direitos concernem, apenas, a dois: um, de natureza trabalhista (férias); outro, de caráter previdenciário (benefícios e serviços previstos na Lei Orgânica da Previdência Social).

            Esse diploma legal define o empregado doméstico, vinculando seu conceito a prestação de serviços: a) de natureza contínua; b) de finalidade não lucrativa; c) à pessoa ou à família no âmbito residencial destas.

            Assim, inadmitiu existência do vínculo empregatício no caso de trabalho intermitente, conquanto habitual (v.g, o da faxineira que labora uma vez por semana). No tocante ao local do trabalho, compreende-se como tal, por exemplo, uma granja que a família utiliza apenas para lazer, considerada, assim, extensão do âmbito residencial.

            A atividade exercida na condição de empregado doméstico não tem finalidade lucrativa, ou seja, não visa à produção de bens ou serviços destinados à obtenção de ganho. Destarte, inclui-se nessa situação o motorista particular que serve a pessoa da família exclusivamente em sua vida privada, sem conotação profissional, bem assim o caseiro, ou zelador, que cuida da granja cujos frutos ou animais não são comercializados, servindo apenas para o consumo da família.

            A referida lei estabeleceu em vinte dias úteis o período das férias anuais do empregado doméstico. À época, a CLT assim dispunha sobre a matéria, em relação aos empregados urbanos em geral, o que nos leva a crer que o regulamento da profissão dos domésticos, na espécie, tomou como parâmetro o dispositivo consolidado.

            O Decreto-Lei nº 1.535, de 15.4.77, alterando o Capítulo IV do Título II da CLT relativo a férias, fixou em trinta dias corridos o período de gozo de férias anuais, quando o empregado não houver cometido mais de cinco faltas injustificadas ao serviço no período aquisitivo (artigo 130, I, sem dúvida, recepcionado pela Constituição Federal de 1988). Por isso, sempre entendemos que esse critério devia ser adotado para o cômputo das férias do empregado doméstico, como expressão da mens legis (a Lei nº 5.859/72 foi inspirada, nesse ponto, no comando da CLT). Nesse sentido tem se manifestado a jurisprudência especializada.


3. Instituição de direitos trabalhistas e previdenciários para o empregado doméstico, por força das Leis nºs 10.208/2001 e 11.324/2006

            Houve considerável ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciários do empregado doméstico, bem assim instituição de benefício fiscal para o empregador doméstico, pela edição das Leis n°s 10.208, de 23 de março de 2001, e 11.324, de 19 de julho de 2006.

            A Lei nº 10.208/2001, na qual foi convertida a Medida Provisória n° 2.104-16, de 23 de fevereiro de 2001, alterou dispositivos da Lei nº 5.859/72 para facultar o acesso do empregado doméstico ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao seguro-desemprego.

            A inclusão do empregado no FGTS fica ao critério do empregador, a quem compete fazer o requerimento nesse sentido. O seguro-desemprego é devido ao doméstico no valor de um salário mínimo, por um período máximo de três meses, de forma contínua ou alternada.

            Esse benefício será concedido ao empregado inscrito no FGTS, despedido sem justa causa, que houver trabalhado como doméstico por, no mínimo, quinze meses nos últimos vinte e quatro meses contados da dispensa. Deverá ser requerido a partir de sete até noventa dias contados da dispensa, podendo ser renovado a cada período de dezesseis meses decorridos do desligamento que originou o benefício anterior. Considera-se justo motivo para a despedida qualquer das hipóteses previstas no artigo 482 da CLT, exceto as referidas nas alíneas "c" e "g" e no seu parágrafo.

            A Lei nº 11.324/2006, decretada já no curso do processo eleitoral, resultou de um embate político entre a Oposição e o Governo. Através dela o Congresso Nacional procurou equiparar em direitos o empregado doméstico aos empregados urbanos e rurais já contemplados com o elenco constante do artigo 7° da Constituição, eis que àquele a Lei Maior assegura apenas alguns desses direitos (parágrafo único). O Presidente da República, invocando razões de interesse público e inconstitucionalidade, vetou alguns dos dispositivos aprovados pelo Parlamento.

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            No que tange aos direitos trabalhistas, a Lei n° 11.324/2006 estabeleceu:

            a) férias anuais remuneradas de trinta dias com o acréscimo de, pelo menos, um terço sobre o salário normal, após doze meses de trabalho prestado à mesma pessoa ou família;

            b) estabilidade provisória à empregada doméstica gestante, sendo vedada sua dispensa arbitrária ou sem justa causa desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto;

            c) a proibição de o empregador efetuar descontos do salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, ressalva feita, em relação a esta, para o caso de se tratar de local diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviços, e desde que essa possibilidade tenha sido expressamente acordada entre as partes;

            d) vedação de incorporação dos valores pecuniários das referidas despesas na remuneração para quaisquer efeitos, negando-se-lhes natureza salarial;

            e) extensão ao empregado doméstico do direito ao repouso semanal remunerado, ao revogar a alínea "a" do artigo 5° da Lei n° 605, de 5 de janeiro de 1949.

            Em relação a benefício de ordem fiscal, instituiu-se a faculdade de o empregador doméstico deduzir, até o exercício de 2012, ano calendário de 2011, a contribuição patronal paga à Previdência Social incidente sobre valor da remuneração correspondente a um empregado doméstico, por cada declaração (em modelo completo de Declaração de Ajuste Anual), mesmo no caso de declaração em conjunto. Tal dedução não poderá exceder o valor da contribuição patronal calculada sobre 1 (um) salário mínimo mensal, sobre o 13º salário e sobre a remuneração adicional de férias, referidos também a 1 (um) salário mínimo. É condicionada à comprovação da regularidade do empregador doméstico perante o regime geral de previdência social quando se tratar de contribuinte individual.


4. Conclusão

            As medidas legais em apreço procuram resgatar uma dívida histórica que a sociedade brasileira tem para com uma categoria profissional que, embora não exercendo atividade econômica, presta relevantes serviços à família.

            Representam um significativo avanço nesse sentido, mas não são suficientes, pois resta conferir aos empregados domésticos o direito a prestações tais como o salário-família e sua inclusão obrigatória no sistema do FGTS, constantes de dispositivos do projeto de lei aprovado pelo Congresso e vetados pelo Presidente da República.

            O veto presidencial relativo à inclusão do empregado doméstico entre os beneficiários do salário-família funda-se no § 5° do art. 195 da Constituição, que veda criação, majoração, ou extensão de benefício ou serviço da seguridade social sem a correspondente fonte de custeio. No caso, a medida aprovada pelo Legislativo importaria em criação de despesa estimada em R$ 318 milhões por ano, sem qualquer indicação de fonte de custeio complementar, o que resultaria em aumento do desequilíbrio financeiro e atuarial das contas da Previdência Social.

            A inclusão obrigatória do doméstico no sistema do FGTS implicaria também a imposição da multa de 40% sobre o saldo da respectiva conta, ao empregador, o que, segundo justificativa do veto do Presidente da República, concorreria para onerar demasiadamente o vínculo de trabalho doméstico, "contribuindo para a informalidade e o desemprego, maculando, portanto, a pretensão constitucional de garantia do pleno emprego".

            De todo modo, a diretriz adotada pelo Governo em torno dessa questão, suavizando os encargos sociais dos empregadores domésticos - que em sua maioria pertencem à classe média -, poderá ensejar o registro de grande contingente dos empregados domésticos, relegados à informalidade, fazendo-os participar dos benefícios trabalhistas e previdenciários que a Constituição e as leis ordinárias lhes outorgam e, ao mesmo tempo, carreando recursos para os cofres da Previdência Social, cujo déficit é simplesmente preocupante.

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Sobre o autor
José Soares Filho

Juiz do Trabalho aposentado. Advogado em Recife (PE). Mestre e doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Autor de obras jurídicas (livros, trabalhos e artigos). Professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6ª Região (ESMATRA VI), dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito da UFPE, da UNICAP e da Faculdade Maurício de Nassau (Recife). Membro efetivo do Instituto Latinoamericano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Academia de Letras Jurídicas de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES FILHO, José. Direitos trabalhistas e previdenciários do empregado doméstico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1143, 18 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8811. Acesso em: 22 dez. 2024.

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