2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS AO IPTU’
De início, Importante frisar que estes princípios não se aplicam exclusivamente ao IPTU, mas, ao contrário, a todos os impostos, e por este motivo são ensinados, normalmente, pela doutrina, antes de se adentrar no estudo dos diversos impostos, eis que são norteadores do sistema jurídico tributário.
Primeiramente, faz-se necessário uma definição sobre o que é um princípio. Para tanto, seguem algumas conceituações trazidas pela doutrina.
Para Brito Machado, o princípio é "uma norma dotada de grande abrangência, vale dizer, de universalidade, e de perenidade. Os princípios jurídicos constituem, por isto mesmo, a estrutura do sistema jurídico" (apud CONTI, 1997, p. 19).
Bandeira de Mello define o princípio jurídico como sendo
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (apud CONTI, 1997, p. 18-9).
Em relação aos princípios tributários, Amaro afirma que recebem esta denominação, muitas vezes, "proposições que atingem um grau praticamente exaustivo de normatividade", como, por exemplo, os princípios da irretroatividade da lei tributária e o da anterioridade. Porém, demonstra o autor haver princípios que não são passíveis de uma exata dimensão, como o da igualdade e o da capacidade contributiva (2001, p. 108).
A CF/88, quando trata do Sistema Tributário Nacional, possui uma seção específica chamada Limitações do Poder de Tributar (Seção II do Capítulo I do Título VI), onde estabelece diversos parâmetros ao legislador, ao intérprete, e dá segurança jurídica aos contribuintes dos impostos.
Pode-se dizer que ali estão os mais importantes princípios tributários, que a Constituição denomina, como referido, Limitações. Tal expressão não foi escolhida sem motivo pelo legislador constitucional ("a lei não contém palavras inúteis"): o tributo deve ser um ônus suportável para o contribuinte, pois separte da idéia de que o Estado não tem objetivos de lucro, satisfazendo-se com o equilíbrio entre receitas e despesas (TIMM, 2002, p. 1/05).
Por fim, vale ressaltar que os referidos princípios, por qualificarem-se como garantias individuais dos cidadãos, são considerados cláusulas pétreas em nosso sistema jurídico, conforme disposto no art. 60, § 4º, IV da CF/88.
2.1 Princípio da isonomia tributária
Grande parte dos princípios constitucionais estão discriminados nos incisos do art. 5º da CF/88. No entanto, o princípio da igualdade ou isonomia, está explícito no caput deste artigo, parecendo, assim, que o legislador deu ligeira "vantagem" a ele em relação aos outros. Conforme se vê, no próprio caput do art. 5º, em duas oportunidades tal princípio está explícito: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]" [grifo nosso].
Pode-se dizer que tanto o legislador como o aplicador da lei devem promover o tratamento igualitário entre os indivíduos, sem que haja qualquer tipo de distinção. Muitos doutrinadores usam a máxima aristotélica que preconiza o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida dessa desigualdade, exatamente porque não se pode tratar igualmente quem na realidade não o é (ARAÚJO e NUNES JÚNIOR, 2001, p. 90).
Na seara tributária, tal princípio vem mais uma vez expresso na CF/88, nas "Limitações do Poder de Tributar", conforme se observa abaixo:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Rosa Jr. noticia que no século XVIII procurou-se estabelecer o princípio da igualdade tributária através de uma mera igualdade matemática (1995, p. 310). Ou seja, aplicava-se rigorosamente uma proporcionalidade entre o que se percebia e o que se contribuía ao Estado.
Relativamente ao IPTU, Jardim exemplifica com caso em que considera ocorrer afronta e caso em que entende haver compatibilidade com a isonomia, em situações hipotéticas, relativas ao imposto em estudo, conforme segue:
[...] temos que a igualdade estrita é plenamente compatível com a progressividade do IPTU, seja quanto à base de cálculo, seja esta conjugada com as alíquotas. A razão é singela, pois a progressividade in casu estaria graduando distintamente a tributação de signos de riqueza diferentes, o que traduz escorreita observância ao princípio da igualdade. Cabe apenas verificar, caso a caso, se tal progressividade guarda harmonia com os demais postulados constitucionais.
Por outro lado, a discriminação de alíquotas em virtude da destinação do imóvel ofende a igualdade, porquanto este critério nada diz com o signo de riqueza em tela, ou seja, desatende ao nexo plausível pugnado por Celso Antônio Bandeira de Mello. Inconstitucionalidade desse jaez verificamos na legislação do Município de São Paulo, com referência ao IPTU do exercício de 1992, pois a Municipalidade estipulou alíquotas diferentes em face da condição do imóvel, tanto que os residenciais estariam sujeitos a tributação de até 1%, enquanto os comerciais até 2,40%, ao passo que os não edificados até 5% (2000, p. 180) [grifo nosso].
Vale deixar claro, neste momento, que certas opiniões doutrinárias são anteriores à EC 29/2000, mas oportunas ao tópico em estudo (e apenas por isso mencionadas), e não ao tema central: progressividade do IPTU.
Necessário transcrever a lição de Barbosa, pela precisão com que opina:
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem (apud CONTI, 1997, p. 25).
Ocorre que sempre se questiona acerca da aplicação dos princípios: de que modo, efetivamente, eles serão respeitados? A doutrina tenta achar critérios para que se possa distinguir (tratar desigualmente os desiguais) pessoas e situações. Deste modo, a observância ao princípio da igualdade implica:
a) adotarem as normas critérios de discriminação entre as pessoas;
b) dever tal critério de discriminação adotado ter como fundamento um elemento valorado pela norma que resida em fatos;
c) dever o fator de discriminação adotado guardar uma relação de pertinência lógica com a situação que deu origem ao fator de discriminação;
d) dever tal fator de discriminação ter por finalidade reduzir as desigualdades existentes entre as pessoas;
e) deverem os fatores de discriminação adotados estar de acordo com o estabelecido pela legislação.
O fator de discriminação necessita guardar relação lógica com a diferenciação que dele resulta. Se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da igualdade (CONTI, 1997, p. 26).
Segundo Carrazza, "é necessário que a lei distinga sempre que houver desigualdade e [...] que o Estado atue no sentido de dar cabo às desigualdades existentes, em razão de fatores sócio-econômicos". Desta forma, o princípio da isonomia deixará de ser mera recomendação, pois a CF/88, ao consagrar um princípio, está determinando seja ele obedecido, e não apenas recomendando (2001, p. 39).
O Tribunal de Justiça do estado de Santa Catarina (TJSC) possui acórdão que bem exemplifica o princípio em comento, conforme se vê:
TRIBUTÁRIO - IPTU - ISENÇÃO OUTORGADA A FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS MUNICIPAIS EM RAZÃO DA PROFISSÃO EXERCIDA - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE TRIBUTÁRIA - LIMINAR CONCEDIDA - DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO V DO ART. 128 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO DE TUBARÃO (LEI N. 1.619/91). "A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional - por burla ao princípio da república e da isonomia - a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançaram outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas. "O tributo, ainda que instituído por meio de lei, editada pela pessoa política competente, não pode atingir apenas um ou alguns contribuintes, deixando a salvo outros que, comprovadamente, se achem nas mesmas condições. ´Tais idéias valem, também, para as isenções tributárias: é vedado às pessoas políticas concedê-las levando em conta, arbitrariamente, a profissão, o sexo, o credo religioso, as convicções políticas etc. dos contribuintes. São os princípios republicano e da igualdade que, conjugados, proscrevem tais práticas´ (Roque Antonio Carrazza). (Ação Direta de Inconstitucionalidade 2001.005749-2, Relator: Des. João Martins, Data da Decisão: 19/06/2002) (TJSC, s.d., s.p).
O que grande parte da doutrina afirma, por fim, é que a maneira ideal de se efetivar o princípio da igualdade deriva da aplicação do princípio da capacidade contributiva, considerado o melhor recurso para se alcançar a justiça fiscal.
2.2 Princípio da capacidade contributiva
O princípio da capacidade contributiva é decorrente do texto legal. A CF/88 o prevê no art. 145, § 1º, in verbis:
Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte [grifo nosso].
Tal princípio representa nada mais que a aptidão de cada cidadão em contribuir, mediante impostos, para os cofres públicos, sem prejuízo de suas necessidades de subsistência e de sua família, conforme nos ensina Carrazza (2001, p. 45). A mesma autora, noticiando a evolução deste princípio, assevera que:
No passado, os tributos eram exigidos dos povos derrotados nas guerras, das classes menos privilegiadas (a nobreza e o clero não pagavam tributos) etc. Não havia a consciência coletiva da necessidade de todos contribuírem, com parte de seus bens, para que o Estado pudesse agir, atuar, com o objetivo de atingir o bem comum. A partir de determinado momento histórico, com a consolidação do estado Democrático de Direito, os encargos sociais passaram a ser entendidos como de responsabilidade de todos os cidadãos. Nesse instante, começa-se a falar em capacidade contributiva (p. 44-5).
Em relação à efetividade deste princípio, é importante transcrever a opinião contida no trabalho monográfico de Oliveira, conforme segue:
O princípio da capacidade contributiva exprime uma finalidade (a Justiça Fiscal) visada pela Constituição, permeando não só a elaboração mas, também, a aplicação da lei e das normas constitucionais. Por isso pode-se afirmar que, embora com substrato programático, o princípio tem preceptividade, dotado de eficácia jurídica própria de dupla natureza: uma tutela negativa de recusa de validade, ou seja, a de conter e nulificar quaisquer atos do poder público que se desviem do seu rumo finalístico; e uma outra, esta positiva, de exigir do Estado certa conduta, qual seja, a de produzir norma jurídica que preencha omissão legislativa que constitua ou enseja violação do princípio - em ambos os casos de molde a restabelecer o império de sua diretriz (apud FERNANDES, 2002, p. 32).
De acordo com este princípio, o contribuinte poderá arcar com um maior ônus tributário quanto maior for sua capacidade de suportar este ônus. Seu surgimento ocorrera com Adam Smith, que afirmava: "Os súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do Governo, em proporção a suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento de que cada um desfruta, sob a proteção do Estado" (apud CONTI, 1997, p. 29).
Tendo em vista estes conceitos, grande parte da doutrina entende serem inconstitucionais os chamados tributos fixos, eis que não há qualquer graduação de seu montante em função da menor ou maior capacidade econômica do contribuinte (AMARO, 2001, p. 137) [grifo nosso].
Baseando-se neste princípio é que se admite a tributação de atividades ilícitas, pois se assim não o fosse, estar-se-ia exonerando o contribuinte com a referida "capacidade" de sua obrigação tributária (ROSA JR., 1995, p. 308).
Questão relevante e polêmica quanto a este princípio é a expressão "sempre que possível", contida no artigo art. 145, § 1º da CF/88. A redação, de fato, não se pode negar, é confusa, pois não se identifica claramente o que o legislador quis dizer, havendo a possibilidade de se ter as seguintes interpretações:
a) sempre que possível os impostos terão caráter pessoal, e, neste caso, serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte;
b) sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e sempre que possível, também, serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte;
c) sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e sempre serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.
Vejamos a opinião de quem entende não seja possível uma interpretação segundo a qual o princípio da capacidade contributiva não se aplica a impostos não-pessoais:
[...] o constituinte não quis dizer que os demais tributos estariam fora do alcance do mencionado princípio. Trata-se de um reconhecimento explícito de que os tributos não personalizados, conquanto também subordinados ao mesmo vetor, não permitem uma aferição tão rigorosa quanto os impostos de timbre pessoal.
Entendemos, realmente, que esse primado constitucional é aplicável a todos os tributos, pois em nenhum momento o legislador poderá fazer tábula rasa da capacidade contributiva" (JARDIM, 2000, p. 178-9).
Xavier apresenta argumentos de grande relevância em relação ao alcance da expressão "sempre que possível" na redação do § 1º do art. 145 da CF/88, conforme se lê a seguir:
É certo que o par. 1º do art. 145 condiciona à ressalva ´´sempre que possível´´ a imperatividade do caráter pessoal dos impostos e a sua graduação segundo a capacidade contributiva. Mas esta ressalva constitucional deve ser interpretada no sentido de que apenas não estão submetidos aos referidos comandos os impostos cuja natureza e estrutura com eles sejam incompatíveis. O IOF e o ICM são exemplos de impostos que não seria possível submeter ao princípio do ´´caráter pessoal´´. Já, porém, no que concerne ao princípio da graduação segundo a capacidade econômica não encontramos nenhum caso - dentre a lista de tributos previstos na Constituição - cuja natureza e estrutura com ele não se acomode, valendo pois a referida ressalva para eventuais impostos criados ao abrigo da competência residual da União, regulado no art. 154 (apud CONTI, 1997, p. 47).
Como já mencionado acima, a redação do legislador constitucional deixou a desejar. Mas a interpretação que parece mais adequada é aquela dada pelo tributarista Alberto Xavier, antes exposta, correspondente à letra "c" das interpretações possíveis mencionadas supra. Ou seja, quando possível deverão os impostos ter caráter pessoal; porém, a aplicação da capacidade contributiva não pode ser uma faculdade do aplicador da lei, pois se trata de garantia individual, cláusula pétrea constitucional, segurança jurídica do contribuinte, que não poderá ser lesado em função de uma interpretação restritiva da lei.
Outro ponto interessante é a expressão capacidade contributiva. Embora a lei contenha a expressão capacidade econômica, praticamente a totalidade da doutrina denomina tal princípio como capacidade contributiva. Os termos são considerados sinônimos por vários autores, mas Conti estabelece diferenças. Para ele,
A capacidade econômica é aquela que todos - ou quase todos - têm. É a aptidão dos indivíduos de obter riquezas - exteriorizada sob a forma de renda, consumo ou patrimônio. Tem capacidade econômica qualquer indivíduo que disponha de alguma riqueza ou de aptidão para obtê-la.
Já a capacidade contributiva [...] refere-se à capacidade dos indivíduos de arcar com os ônus tributários, de pagar tributos (1997, p. 35).
Rosa Jr. também entende que houve falha do legislador neste ponto, pois um estrangeiro que está no país a turismo tem capacidade econômica, "mas não tem capacidade contributiva porque não está submetido ao poder tributante do Estado" (1995, p. 306).
Deste breve estudo se pode concluir que caso o ônus tributário venha a atingir o mínimo vital de um contribuinte, deverá a tributação ser considerada inconstitucional. Por óbvio que não é fácil identificar este mínimo vital, que por sinal não está expresso na Constituição. No entanto, se verificam casos em que o legislador identificou expressamente estas situações, como, por exemplo, as pessoas cuja renda não é atingida pelo Imposto de Renda e os produtos isentos da incidência do ICMS, por serem considerados de consumo indispensável.
Deste modo, como normalmente se conclui em se tratando da aplicação dos princípios, necessária a análise do caso concreto para verificar eventual afronta às garantias individuais do contribuinte.
2.3 Princípio da proporcionalidade tributária
No ensinamento de Timm, tal princípio também e denominado vedação ao confisco, expresso no art. 150, IV, da CF/88 (2003-b, p. 10/12).
Quando o princípio da capacidade contributiva é ferido, por conseqüência é ferido também o princípio da vedação ao confisco, pois atinge-se a propriedade do particular de modo exageradamente gravoso.
No caso do IPTU, por ter como fato gerador a propriedade imóvel, há de se atentar para o princípio constitucional expresso no art. 5º, XXII, da CF/88 - garantia do direito à propriedade.
Deste modo, não pode o Fisco causar este ônus ao contribuinte, ou seja, majorar o imposto de modo que a causar uma perda da propriedade do contribuinte. Seria um tributo "duplamente" inconstitucional, eis que a CF/88 garante a propriedade privada e proíbe o tributo confiscatório.
Carrazza compartilha da mesma opinião, ao afirmar que:
Não se admite, diante do sistema normativo vigente, a utilização do tributo como instrumento para a extinção da propriedade privada ou da livre concorrência (livre iniciativa), amplamente protegidas pela Constituição.
De qualquer modo, inaceitável a utilização de tributo que venha a provocar a extinção da própria atividade geradora de recursos (2001, p. 70) [grifo nosso].
Ademais, tendo em vista o sistema capitalista no qual se encontra a sociedade atual, não haveria como mitigar a prerrogativa conferida ao cidadão de "adquirir propriedade ilimitadamente", pois esta é a faculdade conferida ao mesmo atualmente, com a justificativa de ingressos ao Erário Público.
Conforme Dória,
[...] as restrições à plenitude dos direitos patrimoniais, sujeitos ao atendimento das necessidades fiscais, não podem ser desatendidas ao ponto de importar a integral absorção da propriedade, rompendo-se totalmente o já de si precário equilíbrio entre os benefícios genéricos, propiciados pelo Estado, e os tributos que, em contrapartida, demandam dos cidadãos. Quando o Estado toma de um indivíduo ou de uma classe além do que lhe dá em troco, verifica-se exatamente o desvirtuamento do imposto em confisco, por ultrapassada a tênue linha divisora das desapropriações, a serem justa e equivalentemente indenizadas, e da cobrança de impostos, que não implica idêntica contraprestação [...] (apud ROSA JR., 1995, p. 320-1).
Não há dúvida de que falta a este princípio uma demarcação legal mais objetiva do seu alcance, pois nem a doutrina, tampouco a jurisprudência, conseguiram formular tal resposta. O que é certo é a necessidade da análise de cada caso concreto para verificar se se caracteriza ou não cobrança de imposto com efeito de confisco.
Ao contrário, no direito argentino, a jurisprudência há tempos já estabeleceu um limite para a tributação, acima do qual esta é tida como confiscatória (PAOLA, 1997, p. 159).
Por vezes, o indivíduo até poderá
dispor de recursos com os quais tenha possibilidade de arcar com o ônus fiscal - ou seja, poderá ter capacidade econômica e mesmo financeira -, no entanto não terá capacidade contributiva, em razão da ilegitimidade de que se revestirá a imposição, que atinge seu direito de propriedade (CONTI, 1997, p. 55).
Questiona-se se este princípio também atua no campo da extrafiscalidade. Navarro Coêlho afirma que:
O princípio [...] cede passo às políticas extrafiscais mormente as expressamente previstas na Constituição. Quer dizer, onde o constituinte previu a exacerbação da tributação para induzir comportamentos desejados ou para inibir comportamentos indesejados, é vedada a argüição do princípio do não-confisco tributário, a não ser no caso-limite (absorção do bem) (apud CARRAZZA, 2001, p. 70-1).
Se se entender deste modo, a extrafiscalidade prevista, por exemplo, no art. 182, § 4º, da CF/88, (progressividade da alíquota do IPTU no tempo quando desatendida a função social da propriedade) é ilimitada? Dentro de uma razoabilidade, há de se responder que não. Se o proprietário insistir no mau uso da propriedade, o Poder Público poderá promover a desapropriação, mas mesmo não se tratando de desapropriação ordinária, com prévia e justa indenização, a CF/88 prevê maneira de reembolsar o contribuinte, com títulos da dívida pública, nos termos do art. 182, § 4º, III, da CF/88.
Como esclarece Amaro, tal princípio "não é um preceito matemático; é um critério informador da atividade do legislador e é, além disso, preceito dirigido ao intérprete e ao julgador", que somente no caso concreto identificarão o tributo confiscatório (2001, p. 140).
O extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul (TARGS) enfrentou tal tema, comparando o valor real de mercado e o valor lançado pelo Município a determinado imóvel, conforme ementa que segue:
TRIBUTÁRIO. IPTU. VALOR VENAL E VALOR DE MERCADO. NULIDADE DO LANÇAMENTO. CONSTATADO POR PERÍCIA TÉCNICA QUE A BASE DE CALCULO UTILIZADA PELO MUNICÍPIO SUPERVALORIZOU OS IMÓVEIS EM RELAÇÃO AOS PREÇOS DE MERCADO, O IPTU, COMO CALCULADO, ACABA POR TER EFEITO DE CONFISCO, IMPONDO-SE A DECRETAÇÃO DA NULIDADE DE SEUS LANÇAMENTOS (CF-150, IV). SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 197004476, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE ALÇADA DO RS, RELATOR: FERNANDO BRAF HENNING JÚNIOR, JULGADO EM 16/12/1997) [grifo nosso] (TJRS, s.d., s.p).
Ressalte-se a perspicaz maneira de verificar a presença ou não do confisco no tributo, no presente julgado. O intérprete utilizou-se do elemento valorativo (ou quantitativo) do fato gerador do IPTU, ou seja, sua base de cálculo, para concluir pela ilegalidade da cobrança do imposto predial cujo valor venal, estabelecido pelo Município, não estaria de acordo com o real valor de mercado do imóvel gerador do tributo.
É de grande valia o ensinamento de Nogueira, defensor da conscientização das pessoas para a importância do pagamento de tributos, para o qual "a proporcionalidade na tributação está na ´´justa medida do tributo a ser exigido´´, nem tributo com efeito confiscatório, nem tributo aquém da capacidade contributiva, mas sim, tributo como justa medida de um dever fundamental do cidadão" (2004, p. 164).
2.4 Progressividade tributária
A progressividade é tratada por muitos doutrinadores como um princípio do direito tributário, segundo o qual se alcança a justiça tributária.
Ocorre que a progressividade nada mais é do que uma possibilidade, prevista em lei para alguns impostos, de graduação de suas alíquotas, à medida que aumenta a base de cálculo daquele imposto.
Diz-se progressivo o imposto
cujas alíquotas são fixadas em percentagem variável e crescente, conforme se eleve a base de cálculo. Pode ser progressivo simples, ou progressivo graduado. No primeiro tipo se aplica a percentagem cabível, sobre toda a matéria tributável. No segundo tipo, a incidência das menores para as maiores percentagens se dá em faixas, de maneira que cada nova percentagem, mais elevada, respeita a incidência das percentagens anteriores, sobre as primeiras faixas da matéria tributável (TIMM, 2002, p. 2/16-7).
A doutrina ainda não é unânime em afirmar que a progressividade é a melhor forma de efetuar a tributação. No caso do IPTU, por se tratar de um imposto real, de acordo com a tradicional doutrina, mais ainda a discussão se acentua.
Deste modo, o capítulo seguinte trata exclusivamente acerca da progressividade, em especial a do IPTU, demonstrando como a doutrina e a jurisprudência estão se posicionando sobre este tema.
2.5 Justiça fiscal
O estudo da principiologia de qualquer ramo do direito, incluindo o direito tributário, reveste-se de uma carga muito grande de subjetividade. Definir, pois, o alcance destes princípios é tarefa árdua, submetida ao aplicador da lei.
Neste tópico, tratar-se-á do princípio da justiça fiscal. Em muitas obras, tal princípio não é mencionado. Em outras, ele está referido no estudo relativo a outros princípios, tendo em vista sua íntima ligação com o princípio da igualdade e da capacidade contributiva.
A tributação que o Estado exige de seus contribuintes é uma das mais importantes formas de arrecadação que possui. Deste modo, já que o Estado, coercitivamente, exige que o cidadão tenha que dispor de seus recursos para financiar seus gastos, necessário que esta tributação ocorra de uma maneira justa, leal com seus contribuintes, de maneira que não lhes faltem condições para proverem seu sustento, e até mesmo para continuar contribuindo ao Erário Público.
Em busca de um conceito do que seja justiça fiscal, Conti ensina que:
A obtenção de uma estrutura tributária ideal, sob o ponto de vista da igualdade, da equidade e da justiça fiscal, pode ocorrer por meio da aplicação de alguns princípios consagrados entre os estudiosos da Ciência das Finanças. São eles o princípio do benefício e o princípio da capacidade contributiva.
Segundo o primeiro deles, o princípio do benefício, a tributação realizar-se-á de modo que cada contribuinte participe na arrecadação dos tributos na medida dos benefícios que tenha obtido em função dos gastos realizados com os recursos do Estado.
De acordo com o segundo princípio, o da capacidade contributiva, os contribuintes devem colaborar para o financiamento dos gastos do estado na proporção de sua capacidade de contribuição para estes gastos, ou seja, o ônus tributário deve ser maior ou menor conforme seja maior ou menor, respectivamente, a capacidade econômica deste contribuinte (1997, p. 15).
O mesmo autor faz duas críticas ao princípio do benefício: primeiro, que há dificuldade no momento de se determinar o montante que o contribuinte deverá arcar, pois teria que se ter conhecimento da preferência dele por determinado serviço ou obra pública; segundo, que tal princípio não contempla a redistribuição de renda entre os membros da sociedade, mas apenas uma contraprestação direta daquilo que determinado cidadão contribuiu. De qualquer forma, vislumbra-se uma aplicação mais efetiva deste princípio nas taxas e nas contribuições de melhoria, que, por sua natureza, tem caráter de contraprestação (1997, p. 16).
Na lição de Fernandes,
A justiça fiscal exige que, além de o contribuinte-cidadão participar do processo de confecção da autorização fiscal e ter conhecimento da invasão que a comunidade fará sobre seu patrimônio, ele deve contribuir para essa mesma comunidade no montante da sua participação na produção da riqueza dela e conforme suas necessidades (2002, p. 32).
A título de consideração, o que se verifica, em termos práticos, é o seguinte quadro: respeitados os princípios da capacidade contributiva e da igualdade, está se consagrando a justiça fiscal.