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A aplicação de alíquotas progressivas no IPTU

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19/08/2006 às 00:00
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3 APLICAÇÃO DA PROGRESSIVIDADE NO IPTU

O aparato acerca dos princípios constitucionais tributários aplicáveis ao imposto em comento, assim como o estudo do imposto em particular feito no primeiro capítulo, fizeram-se necessários, eis que o IPTU é considerado, tradicionalmente, como um imposto de natureza real, ao qual não se costuma aplicar alíquotas progressivas, mas, sim, alíquotas proporcionais.

Desta forma, o capítulo que se inicia versará sobre esta possibilidade, de maneira que serão analisadas as opiniões da doutrina e de que forma a jurisprudência está encarando o novel tema. Por fim, será analisada a legislação do Município de Santo Ângelo, verificando se a legislação tributária que trata do IPTU, neste município, usa da faculdade prevista no § 1º, I, do art. 156 da CF/88.

3.1 Progressividade no IPTU

No capítulo anterior foi mencionado que a progressividade não é, na verdade, um princípio tributário, mas, sim, uma possibilidade de graduação de alíquotas à medida que aumenta a base de cálculo de determinado imposto, sendo considerada por alguns doutrinadores como uma ferramenta para a justiça fiscal.

Carrazza afirma que:

[...] a progressividade das alíquotas é aplicável a todos os impostos e não somente ao imposto de renda, como querem alguns.

Em verdade, a progressividade é uma característica de todos os impostos, da mesma forma que a todos eles se aplicam os princípios da legalidade, da generalidade e da igualdade tributária, que não são expressamente referidos na Constituição Federal, quando traça suas hipóteses de incidência genéricas. Inexistindo progressividade descumpre-se o princípio da isonomia, uma vez que [...] a mera proporcionalidade não atende aos reclamos da igualdade tributária (2001, p. 102).

Acerca das formas possíveis de progressividade - gradual e simples -, vale dizer que somente a forma gradual é permitida pela Constituição, conforme nos ensina Volkweiss, que entende, outrossim, impossível se aplicar a hipótese em impostos reais (apud PAULSEN, 2004, p. 78).

Quanto ao fim a que se propõe, a progressividade poderá ser fiscal ou extrafiscal, como se verá a seguir.

3.1.1 Progressividade fiscal

A progressividade fiscal no IPTU é possibilidade inovadora no sistema tributário brasileiro. Destinada a arrecadar verba ao Erário Público, vem prevista no inciso I do § 1º do art. 156 da CF/88, que reza: "Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, II, o imposto [IPTU] previsto no inciso I poderá: I - ser progressivo em razão do valor do imóvel;".

Embora muitos autores já tenham defendido a tese de aplicação de alíquotas progressivas no IPTU (assim como outros a refutam) ao longo dos anos, a legislação não era permissiva a ponto de deixar expressamente consignada tal possibilidade, como agora é, desde a EC 29/2000, especialmente neste caso, por se tratar de um imposto considerado real (pela doutrina e pelo STF).

3.1.1.1 Posições doutrinárias favoráveis à progressividade

Pode-se dizer, sem medo de erro, que o assunto deixa a doutrina dividida. Várias são as opiniões a favor da progressividade, assim como as que discordam não possuem menos embasamento.

Com base na utilidade da renda excedente, tenta-se provar a necessidade de uma tributação progressiva:

Se uma pessoa ganha R$ 24.000,00 de renda por ano, esta soma vai ser destinada à compra de bens de primeira necessidade; se ganha R$ 50.000,00, os R$ 26.000,00 excedentes serão destinados às despesas de necessidade secundária, como alimentação mais cuidadosa, roupas melhores, etc.; se ganha R$ 100.000,00, o excedente vai se destinar às despesas úteis mas não necessárias, como teatros, livros, etc.; se ganha R$ 5.000.000,00, o excedente se destinará à despesas supérfluas, como presentes , viagens, etc. Desta forma, cada fração suplementar das rendas auferidas representa para ele uma utilidade menor que a fração precedente. Em conseqüência, a capacidade contributiva do indivíduo aumenta mais que proporcionalmente, tendo em vista que a utilidade dos bens que ele proporciona decresce na medida em que aumenta o seu quantitativo. Assim, através da progressividade do imposto, alcança-se a meta tão desejada pelos financistas, correspondente à igualdade de todos os cidadãos diante da carga tributária, de modo que haja um sacrifício igual para todos na medida de sua capacidade contributiva. Todavia, o imposto progressivo não pode importar em uma excessiva onerosidade, pena de se entender o imposto confiscatório (ROSA JR., 1995, p. 311) [grifo nosso].

No mesmo sentido, e com base na principiologia, diz-se que:

[...] a capacidade contributiva cresce mais que proporcionalmente aos recursos de cada um. A utilidade-final de cada uma das unidades que compõe uma renda de 1.000 cruzeiros, por exemplo, é maior do que a de cada uma das unidades de uma renda de 1 milhão de cruzeiros. O sacrifício individual que consiste em consagrar ao imposto 10% de uma renda de 1000, é superior àquele que consiste em consagrar ao imposto 10% de uma renda de 1 milhão. No primeiro caso, o imposto poderá ser pago em detrimento do necessário à existência; no segundo caso, ele será pago simplesmente sobre o supérfluo.

O imposto proporcional não é, pois, um cálculo verdadeiro da capacidade contributiva, uma vez que não permite assegurar igualdade de sacrifício.

[...]

Se o rendimento de 1000 cruzeiros é gravado com um imposto de 2%, o de 1 milhão será gravado, por exemplo, com um imposto de 6 %.

O fundamento da progressividade é o de igualar o sacrifício fiscal de todos os contribuintes: repousa na observação lembrada acima, e que é a base da teoria moderna da utilidade, a saber, que o valor de um bem diminui à medida que a quantidade deste bem aumenta, uma vez que cada nova unidade do mesmo bem permite satisfazer necessidades cada vez menores...

...Na verdade, atualmente, o princípio sobre o qual repousa o imposto progressivo não mais é seriamente atacado: as objeções se referem principalmente a certas dificuldades de sua aplicação e a certos abusos a que dão lugar (HUGON apud CONTI, 1997, p. 79-80) [grifo nosso].

Para Rousseau, o argumento favorável à progressividade é que "os ricos obtêm do Governo mais benefícios que os pobres" (apud CONTI, 1997, p. 76).

Em opinião que expressa caráter de política econômica/social, encontra-se outro argumento para a progressividade:

Não há falar em proporcionalidade quando se cobra uma alíquota única de todos os contribuintes, uma vez que, nesta hipótese, o mais pobre acabará por pagar mais tributo que o mais rico, apesar de em termos absolutamente numéricos tal não ocorrer. Até porque, ´´a proporcionalidade é princípio neutro, que não objetiva atenuar as grandes disparidades econômicas advindas dos fatos´´ (DERZI apud CARRAZZA, 2001, p. 57),

Carrazza compara o IPTU com o IPVA, pois neste as alíquotas variam de acordo com o valor do veículo tributado, existindo, pois, uma presunção de capacidade econômica (2001, p. 92).

Esquece-se, porém, a eminente autora, que o contribuinte do IPTU também pagará sobre o valor do imóvel, assim como o do IPVA, que pagará sobre o valor do automóvel. E havendo tabela de alíquota progressiva, ao contribuinte do imposto sobre a propriedade de imóvel urbano, estará este pagando "duas vezes": proporcional e progressivamente. Ademais, vale ressaltar que, tradicionalmente, o IPVA é classificado, assim como o IPTU, como um imposto real e proporcional (TIMM, 2003-b, p. 11/21).

Embora a discordância exposta acima, de grande valia é a opinião de Carrazza, tendo em vista que sua obra trata especificamente do tema aqui proposto:

Vale repisar [...] que os princípios da capacidade contributiva e da igualdade tributária exigem, independentemente da existência do plano diretor do Município, que a tributação, por via de IPTU, seja maior ou menor, de acordo com as características do imóvel. Estas, por repercutirem em seu valor, acabam por se tornar a manifestação inequívoca da existência de fatos-signos presuntivos de riqueza (2001, p. 101).

Amaro entende que a progressividade é um preceito que se aproxima do princípio da capacidade contributiva, considerando aquela como um refinamento deste princípio (apud PAOLIELLO, 2003, p. 07).

Baleeiro afirma que são várias as teorias que tentam justificar a progressividade nas alíquotas, "umas de caráter político e moral, outras fundadas em teorias econômicas" (2002, p. 219). O autor justifica sua posição a favor da progressividade, com arrimo na teoria do sacrifício, dizendo que:

A satisfação prestada pelos bens econômicos decresce na razão direta de sua quantidade. Quanto mais possuímos de certa coisa, menos satisfação ela nos poderá causar, porque a indiferença é atingida a certo ponto em que não dará nenhuma, porque dela já não mais precisamos para a necessidade saciada (2002, p. 220).

E complementa, afirmando que:

As idéias morais também influíram para que a carga dos impostos de consumo, vendas e outros de caráter real, que oneram as classes pobres, fosse compensada pela tributação progressiva, que alcança as grandes rendas e heranças das classes mais favorecidas pela fortuna (2002, p. 221).

Além de uma discussão acerca da justiça ou não de alíquotas progressivas no IPTU, há outra quanto à constitucionalidade da EC 29/2000, eis que para alguns haveria ofensa ao art. 145 da CF/88, que prevê a aplicação destas alíquotas somente aos impostos pessoais, em uma interpretação literal. Este é o enfoque do texto a seguir, que, por sua vez, defende a constitucionalidade da Emenda:

Não há, por outro lado, incompatibilidade entre impostos reais e a progressividade. Todo imposto não deixa de ser pessoal e real ao mesmo tempo, porque sempre será devido por um sujeito-de-direito em razão de seu patrimônio. A diferenciação, na verdade, mostra-se relativa, razão pela qual, tanto os impostos pessoais, quanto os reais - como é o caso do IPTU - devem ser orientados pelos princípios da capacidade contributiva e da progressividade. [...] A Emenda Constitucional nº 29/2000 tem caráter declaratório e, antes de ofender, concretiza e realiza os princípios fundamentais do sistema constitucional tributário. Não há, na Lei Maior, um princípio absoluto que vede a subjetivação, por emenda constitucional, de um imposto real, como é o caso do IPTU, ou que confira a quem quer que seja o direito subjetivo de somente ser tributado com alíquotas progressivas diante de impostos pessoais (CLÉVE e SÓLON apud PAULSEN, 2004, p. 448).

Foram arroladas acima, portanto, opiniões das mais expressivas de autores que defendem a aplicação de alíquotas progressivas como instrumento para efetivação dos princípios da igualdade, capacidade contributiva e, conseqüentemente, justiça fiscal.

3.1.1.2 Posições doutrinárias contrárias à progressividade

Não menos contundentes são as opiniões dos doutrinadores que discordam da faculdade do art. 156, § 1º, I. Seus argumentos também variam, como se verá, desde os que se baseiam no ferimento de balizas do direito tributário, como a classificação de impostos em pessoais e reais, até os que simplesmente entendem ocorrer injustiça àqueles que possuem imóveis de mais valor.

Primeiramente, parece justo e razoável que se certo contribuinte tem 100, e contribui x, outro que tenha 200 contribua 2x. É a idéia da proporcionalidade.

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Um dos princípios clássicos relativo aos impostos, formulado a partir dos estudos de Adam Smith, é o princípio da Justiça, de onde se abstrai a idéia de que o imposto deve ser "[...]arrecadado de todos os componentes da coletividade (generalidade), de modo que os que estão no mesmo quadro de circunstâncias e condições pagarão a mesma quantia (uniformidade)" (apud TIMM, 2002, p. 2/20) [grifo nosso].

Soares de Melo entende (obra anterior à EC 29/2000) que a progressividade no IPTU justifica-se no âmbito do desenvolvimento urbano, como prevê o art. 182, § 4º, II da CF/88, portanto, com finalidade extrafiscal. Acha, todavia, injustificável a aplicação de alíquotas progressivas com fins meramente fiscais, ou seja, simplesmente arrecadatórios (1997, p. 37).

Por outro lado, alguns entendem que não se alcança a justiça social com a progressividade. Pelo contrario, como reza Stuart Mill, quando diz que "taxar as rendas mais altas em uma porcentagem maior do que as rendas menores significa impor um tributo à iniciativa e à parcimônia, impor uma penalidade a pessoas por terem trabalhado mais duro e economizado mais do que seus vizinhos" (apud CONTI, 1997, p. 76).

Por sua vez, Campos diz que:

A progressividade é uma coisa charmosa, principalmente quando ela é aplicada à custa do bolso alheio. No fundo, entretanto, a progressividade é uma iniqüidade. Significa não só obrigar os que ganham mais a pagar mais, mas também punir mais que proporcionalmente os ousados e criadores. O charme da progressividade advém de duas falsas premissas. Uma é que quanto mais bem sucedido o contribuinte mais deve ser punido. Outra é que o governo gasta melhor que o particular. Presume-se que o governo gastaria para prestar serviços; na realidade, gasta para pagar funcionários. Essa é a verdade, não só dos impostos, mas também das tarifas (apud, CONTI, 1997, p. 77) [grifo nosso].

Em artigo a respeito do tema, João de Barros tece duras críticas à progressividade, as quais são sintetizadas a seguir:

a) a progressividade tributária penaliza os mais eficientes;

b) a progressividade desmotiva o esforço e a criatividade, prejudicando, ao final, toda a sociedade;

c) os serviços públicos são geralmente utilizados pelas pessoas com capacidade econômica menor, sendo que as mesmas não são atingidas pelas alíquotas progressivas (CONTI, 1997, p. 77).

Outra veemente crítica faz o eminente Gandra Martins, para o qual a progressividade é um decadente princípio, pois afasta os investimentos e desestimula a vinda de capitais, por tributar com excesso a renda, o lucro e o patrimônio. Entende o autor que o Estado não procura elevar o nível dos menos favorecidos, para nivelá-los aos mais favorecidos, mas, sim, retirar dos mais favorecidos, para nivelá-los por baixo (apud CONTI, 1997, p. 78).

Para Zilvetti,

O vínculo entre o princípio da capacidade contributiva e a progressividade, encontra adeptos no direito pátrio. Alguns autores entendem, até que não há como respeitar a capacidade contributiva sem a progressividade, entendimento que não encontra respaldo na doutrina comparada moderna devido à dificuldade de medir a capacidade contributiva a partir da aplicação da progressividade nos impostos. Há, contudo, que registrar a posição de outros autores que defendem a progressividade como meio de igualdade na tributação. Mesmo que procurássemos na progressividade a justificação da igualdade na tributação, concluiríamos, forçosamente, que os sistemas de tributação progressiva não medem a capacidade econômica, são meros instrumentos políticos de distribuição de riqueza. Equivoca-se, portanto, quem afirma que a igualdade de sacrifícios no suporte do custeio do Estado não se atinja pela regra de proporcionalidade, mas sim pela progressividade. É justamente o contrário, o que ocorre, se não vejamos: quem tem dez paga 1; quem tem cem paga 10, no caso de haver uma alíquota única de 10%, o que é plenamente proporcional. Pelo critério econômico da progressividade quem tem dez, paga 1 (alíquota de 10%); quem tem 100 pode vir a pagar 25 (aplicada uma alíquota progressiva de 25%). Pela proporcionalidade, o rico já paga mais imposto que o pobre, e, assim, é atendido o princípio da igualdade na tributação. Isso redunda em tributar desigualmente as mesmas manifestações de riqueza, mediante o uso de critério que considera apenas a questão monetária, sem levar em conta o fato de aquele que ganhe cem ter ou não vinte e quatro vezes mais capacidade contributiva do que quem ganha dez. Assim, a progressividade rompe definitivamente com a igualdade, na certa posição de Tipke, que considera a tributação progressiva da renda mera política social da lei tributária. (...) A progressividade é um critério econômico de aplicar maior carga tributária àquele que, em tese, tem melhores condições econômicas para custear o Estado, distribuindo sua riqueza para atender aos direitos sociais das pessoas menos favorecidas. A progressividade é, portanto, um meio de distribuição de riquezas, no exercício da Justiça Social. Tem a progressividade mero cunho de extrafiscalidade, como logo perceberá quem meditar profundamente sobre o tema. A proporcionalidade somada ao respeito ao mínimo existencial e à capacidade contributiva são capazes de atingir o princípio da igualdade tributária e justiça fiscal, o que é desejo unânime de muitos estudiosos do direito tributário. Haverá, contudo, por muito tempo, o debate sobre a melhor forma de se atingir a justiça na tributação, pela proporcionalidade ou pela progressividade, o que deixa claro pelo menos uma coisa: que progressividade e capacidade contributiva não tem relação qualquer entre si (apud PAULSEN, 2004, p. 77).

No mesmo sentido é a posição do consagrado Barreto, que assim leciona:

Ora, no caso da progressividade, é inquestionável que a Emenda Constitucional n.º 29/00 não apenas tende a abolir como, de fato, aniquila, suprime, destrói, anula a restrição posta pelo princípio de que progressivos só podem ser os impostos pessoais. A Constituição veda a progressividade de impostos de caráter real, como o IPTU. (...) Induvidosa é a afirmação de que o IPTU é imposto real. Basta relembrar que o seu ´´fato gerador´´ é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel urbano. (...) O emprego da progressividade no caso de imposto real implica a abolição dos limites do princípio da capacidade econômica; derruba as balizas dessa diretriz para alcançar - contra solene promessa do art. 5º, § 2º - os impostos de natureza real. Mas, sobretudo, soterra a exegese do Supremo Tribunal Federal. A indigitada emenda tripudia sobre o sentido, o conteúdo e o alcance que a Excelsa Corte deu ao princípio da capacidade contributiva. A Emenda aniquila o direito individual de os contribuintes não serem tributados progressivamente, diante de impostos reais. E, como visto, a E.C. 29/00 não apenas tende a abolir, como, de fato, culmina com o abolimento de um dos mais conspícuos pilares do sistema constitucional tributário. Ademais, o emprego da progressividade, no caso de imposto real como o IPTU (ou de qualquer outro imposto real), implica inconstitucionalidade, também por ofensa ao princípio da isonomia. Deveras, como o discrímen se dá pelo valor de cada imóvel, ficam em condição altamente privilegiada (infringindo a Constituição) os inúmeros proprietários (...), cujos imóveis, de per si considerados, têm um valor venal baixo, em confronto com os titulares de um só imóvel, de valor expressivo (apud PAULSEN, 2004, p. 81).

Gianini, comentando a Constituição italiana, assim leciona:

Pode somente afirmar-se que a não todos os tributos é aplicável o critério da progressividade [...]: que os impostos diretos reais, enquanto alcançam objetivamente os rendimentos (dos terrenos, das construções etc.) devem ser necessariamente proporcionais, pois de outro modo se verificaria a incongruência de alcançar mais gravemente o possuidor de um rendimento derivado de uma fonte de renda que não o possuidor de uma renda igual, mas produzida por fontes de renda diversas; que o campo em que deve sobretudo operar a progressão é o do imposto pessoal sobre o rendimento geral do sujeito (apud FERNANDES, 2002, p. 145).

Verificam-se os fortes argumentos, acima expostos, da doutrina que contraria a aplicação da progressividade, a partir dos mais diversos enfoques jurídicos.

3.1.2. Extrafiscalidade e progressividade no tempo

O inciso II do § 1º do art. 156, prevê que sem prejuízo da progressividade no tempo, o IPTU poderá "ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel". Em princípio considera-se esta disposição como flagrante possibilidade de uma progressividade extrafiscal, não obstante posição do ilustre Brito Machado, que afirma ser esta hipótese caso de seletividade, e não de progressividade (2002, p. 341-2).

Não concorda Volkweiss, para o qual o § 1º do art. 156 "envolve a dupla finalidade de qualquer imposto: a fiscal [...] e a extrafiscal" (2002, p. 167-8).

O imposto cujas alíquotas são diferentes, para objetos diferentes, é denominado seletivo, como acontece com o IPI, que tem alíquotas elevadas para certos produtos, e muito baixa, até mesmo zero, para outros. "Na seletividade não importa o sujeito. Importa exclusivamente, o objeto da tributação. Por isso se pode dizer que ela é adequada para impostos reais, como o IPTU" (BRITO MACHADO apud PAULSEN, 2004, p. 77).

Portanto, para Brito Machado, quando há diferenciação de alíquota em razão da localização ou utilização do imóvel, por exemplo, estar-se-á diante de caso de seletividade; quando a diferença for em razão do valor venal do imóvel puramente (base de cálculo do IPTU), o caso é de progressividade.

Não há como concordar com tal opinião. A doutrina admite, sim, a seletividade. Todavia, ela é relacionada intimamente com a essencialidade, que poderá ser averiguada no caso de impostos como o IPI e ICMS. É a maneira que o legislador encontrou de graduar diferentemente estas espécies tributárias. Mas o IPTU não poderá sofrer este tipo de análise, pois não cabe ao legislador esta casuística: analisar se o imóvel é essencial ou não ao proprietário (entendido, lato sensu, como contribuinte do IPTU), com base, principalmente, no direito à propriedade, protegido largamente pela CF/88, como já visto, sendo considerado, inclusive, cláusula pétrea.

Ocorre, no inciso II do § 1º do art. 15 da CF/88, uma progressividade fiscal. O que diferencia a fiscalidade da extrafiscalidade é o objetivo a que se propõe o tributo, ou melhor, a arrecadação do tributo. Assim, somente a progressividade no tempo, ou progressividade sanção, prevista no art. 182, § 4º, da CF/88, tem caráter extrafiscal, pois visa ao cumprimento da função social da propriedade.

A mencionada progressividade no tempo, vem prevista no art. 182, § 4º, II, da CF/88, in verbis:

É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

[...]

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

[...].

Tal previsão visa a exigir o cumprimento da função social da propriedade. Portanto a CF/88, através de uma tributação extrafiscal, induz o comportamento do contribuinte ao atendimento do disposto no plano diretor, pois, nos moldes do art. 182, § 2º, "a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade, expressas no plano diretor".

Carrazza defende a tese de que, no caso do IPTU, poderá ser aplicada a extrafiscalidade não somente no caso do art. 182, § 4º da CF/88. Para a autora, "a alíquota do IPTU poderá variar de acordo com o índice de aproveitamento do terreno, com o tipo de construção, com sua localização e assim avante". Conclui a autora que não se proíbe a progressividade de natureza fiscal, a qual está relacionada com o princípio da capacidade contributiva; mas, admite-se, também, a progressividade extrafiscal, condicionada, no entanto, à existência do plano diretor (2001, p. 96-7).

A progressividade no tempo tem caráter sancionatório, pois impõe aos munícipes a observância das regras urbanísticas, contidas nas leis locais. Mesmo neste caso, vale deixar claro que não há incidência do IPTU sobre fato ilícito; a sanção advém, simplesmente, do mau uso que a pessoa faz de sua propriedade urbana (CARRAZZA, 2001, p. 98).

Os incisos do § 4º do art. 182 prevêem como será "punido", sucessivamente, aquele que descumprir a lei:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Assim, "nada impede que as alíquotas aumentem progressivamente, ano a ano, à medida que o proprietário for perseverando no mau aproveitamento de seu imóvel urbano" (CARRAZZA, 2001, p. 101).

Já se manifestou o STF no sentido da impossibilidade de se estabelecer alíquotas progressivas no tempo com base na área e no valor venal do imóvel, como se vê:

MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ. TRIBUTÁRIO. ARTIGOS 2º E 3º DA LEI N.º 6.747, DE 21.12.90. IPTU CALCULADO COM BASE EM ALÍQUOTA PROGRESSIVA, EM RAZÃO DA ÁREA DO TERRENO E DO VALOR VENAL; DO IMÓVEL E DAS EDIFICAÇÕES. Ilegitimidade da exigência, nos moldes explicitados, por ofensa ao art. 182, § 4º, II, da Constituição Federal, que limita a faculdade contida no art. 156, § 1º, à observância do disposto em lei federal e à utilização do fator tempo para a graduação do tributo. Recurso conhecido e provido, declarando-se a inconstitucionalidade dos arts. 2º e 3º da Lei Municipal n.º 6.747, de 1990) (STF, RE n.º 194036-1, rel. Min. Ilmar Galvão) (PAULSEN, 2004, p. 465).

O entendimento da decisão acima demonstra a não possibilidade de se estabelecer alíquotas progressivas em razão do valor venal do imóvel – progressividade fiscal – antes da EC 29/2000. Do mesmo modo, quanto à localização do imóvel (caráter fiscal do tributo), tendo em vista o mencionado supra.

3.2 Entendimento jurisprudencial

Será focalizado o entendimento jurisprudencial no que tange à possibilidade da aplicação de alíquotas progressivas no IPTU, no seu caráter fiscal, eis que tema do trabalho.

Ao longo do texto foram expostas posições dos Tribunais sobre os demais temas abordados, conforme se viu nos capítulos anteriores.

O STF reiteradamente decidiu/declarou a natureza real do IPTU, afirmando não ser possível que se aplicasse a ele o princípio da capacidade contributiva, conseqüentemente a progressividade.

Segue o acórdão que firmou o entendimento do STF a respeito do tema em debate, por muito tempo:

IPTU. Progressividade. No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, que com base exclusivamente no seu art. 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o ar. 156, § 1º (específico). A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do art. 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no art. 156, I, § 1º. Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do art. 182, ambos da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, 22.12.89, no município de Belo Horizonte (STF, Plenário, REx 153.771-0, rel. Min. Moreira Alves, nov/1996) (apud PAULSEN, 2004, p. 82).

Ressalte-se trecho do voto do Min. Moreira Alves, na decisão do recurso extraordinário supra citado, e gerador de diversos acórdãos com o mesmo entendimento: "[...] nesses impostos não se leva em consideração a capacidade contributiva do sujeito passivo [...]" (apud PAOLIELLO, 2003, p.14) [grifo nosso].

Ocorre que a Lei Maior sofreu modificação com a EC 29/2000. A nova redação dada ao § 1º do art. 156 veio de encontro à extensa jurisprudência do STF.

Mudou-se a lei, mudou-se o entendimento do Supremo. Em posicionamento, digamos, cômodo, a Excelsa Corte está entendendo que as leis anteriores à Emenda modificadora são inconstitucionais, mas as que forem elaboradas após a EC 29/2000 são possíveis de aplicação. Note-se que o STF não enfrentou o assunto para justificar a alteração na redação da Lei Maior.

Assim é a disposição da Súmula 688 do STF, que reza: "É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana" (STF, s.d., s.p.).

3.3 Legislação municipal de Santo Ângelo

Tendo em vista a competência dos Municípios para a instituição do imposto em estudo (art. 156, I, da CF/88), há de se observar como, na prática, são elaboradas as leis relativas a este tributo.

Neste item, observar-se-á como o município de Santo Ângelo prevê em sua legislação as alíquotas do IPTU.

O Código Tributário Municipal (CTM) da cidade de Santo Ângelo/RS, no que tange a alíquotas, dispõe o seguinte:

Art. 5° O imposto de que trata este capitulo é calculado sobre o valor venal do imóvel, observando o zoneamento fiscal, definido na planta da cidade de Santo Ângelo, anexo a esta lei.

§ 1º - Quando o prédio for utilizado única e exclusivamente como residência, a alíquota para cálculo do imposto será:

I – de 1,20% (um vírgula vinte por cento) quando o imóvel estiver localizado no Zoneamento Especial;

II – de 1,08% (um vírgula zero oito por cento) quando o imóvel estiver localizado nos zoneamentos fiscais 1 ou 2;

III – de 0,96% (zero vírgula noventa e seis por cento) quando o imóvel estiver localizado nos zoneamentos fiscais 3 ou 4;

IV – de 0,84% (zero vírgula oitenta e quatro por cento) quando o imóvel estiver localizado nos zoneamentos fiscais 5 ou 6;

V – de 0,72% (zero vírgula setenta e dois por cento) quando o imóvel estiver localizado nos zoneamentos fiscais 7 ou 8;

VI – de 0,60% (zero vírgula sessenta por cento) quando o imóvel estiver localizado nos zoneamentos fiscais 9 ou 10.

§ 2º - Quando o prédio não for utilizado para fins residenciais, a alíquota para cálculo do imposto será:

I – de 1,44% (um vírgula quarenta e quatro por cento) quando o imóvel estiver localizado no zoneamento Especial.

II – de 1,32% (um vírgula trinta e dois por cento) quando o imóvel estiver localizado nos zoneamentos fiscais 1 ou 2;

III – de 1,20% (um vírgula vinte por cento) quando o imóvel estiver localizado nos zoneamentos fiscais 3 ou 4;

IV – de 1,08% (um vírgula zero oito por cento) quando o imóvel estiver localizado nos zoneamentos fiscais 5 ou 6;

V – de 0,96% (zero vírgula noventa e seis por cento) quando o imóvel estiver localizado nos zoneamentos fiscais 7 ou 8;

VI – de 0,84% (zero vírgula oitenta e quatro por cento) quando o imóvel estiver localizado nos zoneamentos fiscais 9 ou 10.

§ 3° - Quando se tratar de construção, destinada a comercialização de máquinas e implementos agrícolas, e de insumos para formação de lavouras, o prédio sofrerá uma redução de 50% (cinqüenta por cento) na área que exceder 600m², devendo esta condição ser comprovada e requerida anualmente até 31 de dezembro.

§ 4° - Quando se tratar de terreno, a alíquota para o cálculo do imposto será de 3,0% (três virgula zero por cento), segundo a localização do imóvel no zoneamento fiscal.

§ 5° - quando se trata de terreno baldio, em rua pavimentada, será acrescido de 200% (duzentos por cento), e em rua não pavimentada será acrescido de 100% (cem por cento).

§ 6° - Quando se tratar de terreno baldio alagado, sofrerá um desconto de 20% (vinte por cento); e em se tratando de terreno baldio encravado, sofrerá um desconto de 30% (trinta por cento); e em se tratando de terreno em Gleba, desde que localizado em zoneamento fiscal de 6 a 10, sofrerá um desconto de 50% (cinqüenta por cento).

§ 7° - Para os efeitos do disposto no parágrafo 4°, 5° e 6° deste artigo, aplica-se a tabela constante no ANEXO II desta lei (MUNICÍPIO..., 2005, s.p.) [grifo nosso].

Observa-se que a legislação do Município em análise adotou a previsão do art. 156, § 1º, II, da CF/88. No caso, as alíquotas diferem para imóveis residenciais, não residenciais, terrenos baldios, construções etc., conforme se vê dos parágrafos acima transcritos. Ademais, diferem as alíquotas de acordo com a localização, através de um zoneamento estabelecido em lei municipal, a fim de que a cada zona seja estabelecida alíquota diferenciada.

A título de informação, segue em anexo tabela que elucida a fórmula para o cálculo do imposto em comento (Anexo A).

O que se observou foi que de maneira razoável, o legislador municipal de Santo Ângelo usou da progressividade do inciso II do § 1° do art. 156 da CF/88 (considerada por parte da doutrina como extrafiscal, e por outra parte seletiva) para tributar os contribuintes do IPTU. Assim, pôde diferenciar seus contribuintes, aplicando, em última análise, o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, sem, para tanto, usar de uma pesada tributação a determinadas pessoas por elas simplesmente possuírem imóveis com maior valor venal.

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Sobre o autor
Thiago Fernando Fasolo Bones

bacharel em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), em Santo Ângelo (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONES, Thiago Fernando Fasolo. A aplicação de alíquotas progressivas no IPTU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1144, 19 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8812. Acesso em: 17 nov. 2024.

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