Com a entrada em vigor da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/95), que fez inserir no ordenamento jurídico penal algumas figuras descriminalizantes, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, controvertida se tornou a discussão acerca da viabilidade da aplicação dos termos do diploma legal em comento aos delitos previstos no Código Penal Militar.
No que tange especificamente ao benefício da transação penal, por expressa vedação legal (art. 61, da Lei nº 9.099/95), impossível se tornou sua concessão aos delitos previstos na legislação castrense, haja vista o fato destes serem processados nos termos de legislação especial.
Entretanto, levando-se em conta que o art. 89, caput, da Lei nº 9.099/95, expressamente admitiu a aplicação da suspensão condicional do processo aos acusados incursos nos termos da legislação especial, oscilante se tornou a doutrina e a jurisprudência no que diz respeito à possibilidade de concessão do sursis processual aos réus denunciados de acordo com o Código Penal Militar, ora admitindo, ora rechaçando a viabilidade da propositura da benesse.
Tal discussão, pelos menos em parte, perdeu seu objeto com a edição da Lei nº 9.819/99, que acrescentou o art. 90-A à Lei dos Juizados Especiais Criminais, rechaçando expressamente a aplicação dos dispositivos desta lei aos delitos previstos na legislação militar. A partir de então, passou a ser vedada a concessão da suspensão condicional do processo aos denunciados por infrações previstas no diploma castrense.
Por sem dúvida, justificada é a vedação legal, no tocante aos crimes militares próprios, ou seja, aqueles em que desaparece a tipicidade da conduta caso excluída a figura do militar, pois tais figuras delitivas decorrem do princípio de hierarquia e subordinação que norteiam as atividades castrenses, merecendo, por conseguinte, diferenciado tratamento em relação aos demais ilícitos penais, sob pena de se pôr em risco toda a estrutura das Forças Armadas.
A seu turno, a extensão da proibição legal aos crimes militares impróprios, que possuem correspondência na legislação penal comum, fere o magno princípio da isonomia, elencado no art. 5º, caput, da Constituição Federal, na medida em que promove indiscriminada distinção entre os militares e os civis, quando os mesmos se encontram em idêntica situação.
Ora, que razão haveria o legislador para permitir a aplicação do benefício da suspensão condicional do processo ao acusado civil que, por exemplo, furta a carteira de um militar em atividade, e inadimitir a concessão da benesse ao militar que também subtrai, sem ameaça ou violência, a mesma carteira do mesmo militar, ambos em atividade? Obviamente nenhuma.
De fato, os crimes militares impróprios, sem qualquer sombra de dúvidas, muito se identificam com os delitos da legislação penal comum, somente se distinguindo destes em decorrência da presença de algumas circunstâncias especializantes, consignadas no art. 9º, inciso II, do Codex Penal Militar, que obriga a sujeição do agente à legislação castrense, tendo em vista o fato de ter praticado crime contra algum dos bens jurídicos pertencentes às Força Armadas.
Afora este dado isolado, nada diferencia o crime militar impróprio da infração penal comum, sendo a circunstância especializante, por outro lado, assaz insuficiente para se justificar a dualidade de tratamentos, máxime em se considerando que o diploma legal que criou os Juizados Especiais Criminais elegeu o limite da pena mínima cominada, como o único óbice objetivo para a concessão da benesse, sendo expresso, doutro turno, ao ampliar a possibilidade de aplicação do benefício a todos os delitos da legislação especial, sem exclusão.
Daí decorre a inconstitucionalidade da norma.
Concluindo, nos delitos militares próprios, como a deserção e a insubordinação, onde a condição pessoal do sujeito ativo é imprescindível para a configuração do tipo penal, plenamente válida a proibição da aplicação da suspensão condicional do processo, haja vista necessidade de se tutelar o regime de disciplina e hierarquia decorrente da organização castrense.
Em sentido oposto, a não aplicação do benefício aos processados por crimes militares impróprios (nos quais a condição do militar não prejudica a tipicidade da conduta), sem dúvida, resulta em afronta ao já delineado princípio da isonomia, pelo que a norma consignada no art. 90-A da Lei nº 9.099/95 deve ser aceita somente em parte pelos Juízes e Tribunais.