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Contagem dos prazos prescricionais da lei penal para punição de infrações administrativas

(art. 142 da Lei nº 8.112/1990)

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7. Auxílio-reclusão para o servidor condenado por crime comum não tipificado como infração disciplinar passível de demissão

Tanto é verdade que a prática de crime comum (não tipificado de forma autônoma na Lei 8.112/90 como causa de demissão) impede a imposição de pena disciplinar que o próprio estatuto dos servidores públicos federais capitula que, durante o cumprimento de pena criminal por crime comum, a família do servidor preso receberá auxílio-reclusão (art. 229, L. 8.112/90). É a evidência que a prática de crime comum, de per si, não implica a perda do cargo público por meio de pena demissória aplicável pela Administração Pública, se o estatuto do funcionalismo não cataloga o delito penal comum como causa de demissão. Nesses casos, a perda do cargo público somente poderá ocorrer por força dos efeitos acessórios de sentença penal condenatória, não de demissão. Do contrário, o funcionário terá direito a auxílio-reclusão.

Ivan Barbosa Rigolin confirma que, de fato, a Administração Pública não pode demitir servidor público por crime comum ou hediondo, modo por que o administrativista propõe que a Administração Pública demita o servidor que cumpre pena por delitos penais dessa natureza por inassiduidade habitual (solução que não se endossa, mas que prova a impossibilidade de demissão em caso de crime comum não tipificado, de forma autônoma, como infração disciplinar): "À falta de melhor enquadramento na L. 8.112, deve-se indiciar em processo administrativo por inassiduidade habitual o servidor público condenado por crime comum ou hediondo, cumprindo pena, para o fim de, ao término do mesmo processo, demiti-lo do serviço público." Destaque-se, no entanto, data venia, que não se pode punir por inassiduidade habitual ou abandono de cargo o servidor que é condenado pela prática de crime comum cuja pena não seja acompanhada de sanção acessória da perda do cargo, mesmo porque o estatuto prevê o benefício previdenciário do auxílio-reclusão, o qual é incompatível com a punição disciplinar pelo mesmo fato amparado na disciplina da Lei 8.112/90, além de o servidor estar submetido a circunstância de força maior (privação de liberdade em função de sentença penal condenatória em execução), que exclui a voluntariedade no cometimento de infrações disciplinares de abandono de cargo ("animus abandonandi" inexistente) ou inassiduidade habitual.


8. Contagem dos prazos prescricionais no caso de infrações disciplinares puras paralelas ao cometimento de crime contra a Administração Pública

Por outro lado, não podem os prazos da lei penal ser estendidos para cômputo da prescrição para punição das faltas administrativas puras. Se o servidor cometeu insubordinação grave em serviço (falta exclusivamente disciplinar) e peculato (crime que é também tipificado como falta disciplinar passível de demissão), os prazos prescricionais fixados no Código Penal somente incidirão quanto à apenação da prática de crime contra a Administração Pública de peculato, sendo de cinco anos o tempo máximo para demissão pela insubordinação grave.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça destacou que o prazo prescricional para punição de falta funcional criminosa de concussão é o da lei penal (que também é capitulada de forma autônoma, na Lei 8.112/90, como causa de demissão, enquanto crime contra a Administração Pública: art. 132, I), mas a falta exclusivamente disciplinar também cometida pelo acusado, prevista no art. 117, IX, da L. 8.112/90 ("valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública"), se sujeita ao prazo extintivo de cinco anos, capitulado para as infrações administrativas passíveis de demissão (art. 142, I, L. 8.112/90), e não aos ditames do Código Penal.

Ainda sedimentou o Superior Tribunal de Justiça: "A falta administrativa, quando também prevista na lei penal como crime, prescreverá juntamente, no mesmo prazo, tanto para o Direito Disciplinar quanto para o Direito Penal (...) Entretanto admitindo a existência de falta administrativa residual (Sum. n. 18-STF), na espécie a do art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90, deve a prescrição regular-se pelo art. 142 desse diploma legal, que prevê o prazo de cinco anos, contados a partir da ocorrência do fato, em face da extrema gravidade da pena de demissão."

Em conseqüência, apesar de a Administração Pública poder punir as faltas exclusivamente disciplinares cometidas por servidor público, como é o caso de improbidade administrativa (art. 132, IV, L. 8.112/90) e se valer do cargo para lograr proveito em detrimento da dignidade da função pública (art. 117, IX, c.c. art. 132, XIII, L. 8.112/90), elas são consideradas faltas residuais, autônomas, diante de crimes comuns, não capitulados autonomamente como causa de demissão no estatuto disciplinar do funcionalismo, de maneira que o prazo prescricional a ser considerado, para fins de contagem da prescrição do direito de punir o servidor público na esfera administrativa, será o do estatuto disciplinar – no caso da Lei 8.112/90: 5 anos (art. 142, I), tendo em vista que as faltas disciplinares que não são tipificadas especificamente como crimes na lei penal devem ser apenadas nos prazos legais do regime disciplinar do funcionalismo, não incidindo, em absoluto aqueles do Código Penal.

Portanto, indevida a invocação do prazo previsto na lei penal para punição de faltas exclusivamente administrativas. No que concerne à prática de crimes comuns, portanto, se não previstos no estatuto disciplinar como causa de demissão, não podem ser motivo de direito para aplicar a penalidade demissória, por reflexo do princípio da legalidade e do fato de que a pena expulsória do serviço público depende de motivos vinculados e, por óbvio, da previsão em lei da conduta punida.

Ou o servidor praticou um crime (por exemplo: abandono de cargo público; corrupção; crime contra a Administração Pública) que é também tipificado, de forma autônoma, como infração disciplinar na lei administrativa (art. 132, I, L. 8.112/90) – e aí incidem os prazos prescricionais fixados no estatuto criminal, ou incorreu em uma conduta que é regulada apenas como falta administrativa pura. Se é infração exclusivamente disciplinar, incidem os prazos da Lei 8.112/90, não os da lei penal. Se o delito cometido, previsto no Código Penal ou lei criminal especial, não é especificamente tipificado na lei administrativa, então se cuida de crime comum, o qual, para ser causa de punição disciplinar e para gerar a contagem prescricional respectiva pelos prazos da legislação criminal, dependeria de ser arrolado dentre as causas de demissão catalogadas no estatuto administrativo.

Por exemplo, o servidor que incorrer em prática de estupro de colega de trabalho na repartição, poderá ser demitido pelo enquadramento do fato como conduta escandalosa na repartição ou ofensa física em serviço, tipos disciplinares puros, mas o prazo para punição da falta será de cinco anos para demissão, e não os do Código Penal, na medida em que o delito criminal de estrupro não é previsto, expressamente, como causa de demissão. Pode-se enquadrar a conduta (crime comum), outrossim, como improbidade administrativa, só que o prazo para punição do comportamento será o do art. 142, I, da Lei 8.112/90: cinco anos. O motivo de direito da penalidade demissória deverá ser um fato dentre os arrolados no art. 132, da L. 8.112/90, sob pena de ilegalidade.


9. Conclusão

Conclui-se do exposto que:

1) a demissão de servidor público, no regime da Lei 8.112/90, somente pode ser aplicada nos casos expressamente catalogados no seu art. 132, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade, visto que o estatuto do funcionalismo federal elencou, de forma taxativa, as hipóteses em que admitida a punição expulsória;

2) os crimes somente podem ser motivo de demissão de servidor público quando o delito penal for previsto, no estatuto disciplinar do funcionalismo, de forma autônoma, como falta disciplinar, como é o caso dos crimes contra a Administração Pública (art. 132, I, L. 8.112/90) e de usura, quando os prazos prescricionais para apenação administrativa serão os da lei penal (art. 142, § 2º, L. 8.112/90);

3) crimes comuns, não previstos expressamente como faltas disciplinares do estatuto do funcionalismo, não podem render ensejo a pena administrativa de demissão, nem permitirão que os prazos prescricionais da lei penal incidam para a contagem dos limites temporais para o exercício do direito de punir da Administração Pública, o qual somente poderá ser exercitado se o fato criminoso for reenquadrado em um dos tipos de infrações disciplinares puras, quando, todavia, o prazo de exaurimento da prentesão punitiva será de cinco anos para demissão (art. 142, I, L. 8.112/90), e não os do Código Penal ou legislação criminal extravagante.


NOTAS

1 Poder disciplinar na Administração Pública, p. 75, 104.

2 Processo disciplinar, p. 289-290.

3 Curso de Direito Administrativo, p. 665, 674.

4 Poder disciplinar na Administração Pública, p. 129.

5 Tratado de direito administrativo, p. 441.

6 Manual elementar de direito administrativo, p. 485.

7 Temas práticos de direito administrativo disciplinar, p. 65.

8 José Armando da Costa também observa que as faltas passíveis de demissão devem ser tipificadas no estatuto disciplinar dos servidores públicos: "A base hipotética expressa vem descrita, pelo legislador, no Estatuto, tendo o seu contorno explicitamente delineado na norma. É utilizada, em regra, nas transgressões puníveis com sanções mais graves." José Armando da Costa, ponderando que as faltas mais graves são típicas, nota que "a regra da relativa tipicidade – predominante na área do Direito Disciplinar – é tão-somente aplicável nos casos de punições mais leves (...) O atual regime disciplinar (Lei n.º 8.112/90) do servidor federal, deixando ao administrador público apenas uma diminuta potestade discricionária, se afilia à terceira posição (quase que absoluta tipicidade), uma vez que somente nos casos de penas de advertência poderá haver tal flexibilidade (art. 129)." (Direito administrativo disciplinar, Brasília Jurídica, 2004, p. 207, 209).

9 Princípios gerais de direito administrativo, p. 493

10 Curso de direito administrativo, p. 247

11 APC 1999.01.00.113141-7-DF, relatora a Desembargadora Federal Mônica Neves Aguiar Silva Castro, DJ de 19-5-2000, unânime, citado por Sebastião José Lessa in Temas práticas de direito administrativo disciplinar, Brasília Jurídica, 2005, p. 79.

12 Direito administrativo moderno, p. 354.

13 Prática de processo administrativo, p. 124.

14 Direito administrativo, p. 527.

15 MS 8560/DF, relatora para o acórdão a Ministra LAURITA VAZ, 3ª Seção, julgamento de 12/05/2004, DJ de 1.07.2004, p. 170.

16 MS 6.877-DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 25/4/2001.

17 Direito Administrativo Brasileiro, p. 474.

18 Processo disciplinar, p. 273, 286.

19 Curso de direito administrativo, p. 909.

20 Curso de direito administrativo, p. 914-916.

21 Princípios fundamentais do direito administrativo, p. 391.

22 Direito administrativo disciplinar, p. 510.

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23 Manual dos servidores do Estado, p. 1103.

24 "Art. 229. À família do servidor ativo é devido o auxílio-reclusão, nos seguintes valores:

I - dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão;

II - metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda de cargo.

§ 1º Nos casos previstos no inciso I deste artigo, o servidor terá direito à integralização da remuneração, desde que absolvido.

§ 2º O pagamento do auxílio-reclusão cessará a partir do dia imediato àquele em que o servidor for posto em liberdade, ainda que condicional.

25 Comentários ao Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais, p. 245.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17ª. ed., São Paulo: Jurídico Atlas, 2004.

FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

JÚNIOR, José Cretella. Prática de processo administrativo. 3ª. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

LESSA, Sebastião José. Temas práticos de direito administrativo disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica, 2005.

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MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5ª. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

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SIMAS, Henrique de Carvalho.Manual elementar de direito administrativo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974.

SOBRINHO, Eduardo Pinto Pessoa. Manual dos servidores do Estado. 13ª. ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1985.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Contagem dos prazos prescricionais da lei penal para punição de infrações administrativas: (art. 142 da Lei nº 8.112/1990). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1156, 31 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8850. Acesso em: 28 mar. 2024.

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