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Análise jurídica de intervenção humanitária internacional

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09/09/2006 às 00:00
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2. O direito de intervenção para proteção dos direitos humanos

2.1. O direito humano à proteção internacional

Os direitos humanos foram sendo reconhecidos ao longo dos séculos ao passo de uma libertação do ser humano e de sua conscientização da importância de ver respeitados seus direitos mais fundamentais.

Importa dizer que os direitos humanos constituem direitos onipresentes no quotidiano de toda e qualquer pessoa humana e, neste sentido, devem ser protegidos e respeitados pelas comunidades regionais, internacionais e por cada um dos beneficiários destes direitos individualmente. É com propriedade que analisa Antônio Augusto Cançado Trindade quanto ao progresso de uma consciência humanitária no âmbito mundial: "Os direitos humanos têm um lugar cada vez mais considerável na consciência política e jurídica contemporânea e os juristas só podem se regozijar de seu progresso. Implicam eles, com efeito, um estado de direito e o respeito das liberdades fundamentais sobre as quais repousa toda democracia verdadeira, e pressupõem a um tempo um âmbito jurídico pré-estabelecido e mecanismos de garantia que assegurem sua efetiva implementação. Os direitos humanos tendem a tornar-se, por todo mundo, a base da sociedade" 12

Pode-se dizer que a real preocupação com os direitos humanos tem como marco inicial a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, documento que é fruto da Revolução Francesa do século XVIII, e que trouxe em seu texto a confirmação dos direitos "naturais, inalienáveis e sagrados do homem", como a liberdade e a igualdade.

Sem dúvida, por seu caráter revolucionário e, sobretudo, pela importância sem precedentes que foi dada ao homem como titular de direitos fundamentais, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, foi um dos instrumentos que teve maior influência sobre os redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Contudo, deve-se salientar que grande parte dos direitos que têm proteção assegurada pela Declaração de 1948 emergiram somente durante a 2ª Guerra Mundial, quando o mundo se deparou com os horrores do holocausto e das mais diversas e trágicas formas de violação de direitos humanos cometidas pelo regime nazista. Com efeito, foi daí que as nações de todo o mundo que aderiram a Carta da ONU pautaram pela promoção dos direitos humanos e liberdades fundamentais como um dos principais propósitos a ser defendido pela Organização das Nações Unidas.

Os direitos humanos adquiriram importância transcendental, haja vista ter ficado nítido para a sociedade internacional que estes direitos não pertencem unicamente à jurisdição interna de nenhum Estado, mas estão além das fronteiras territoriais, uma vez que se tratam de direitos que devem ser protegidos e assegurados por todos os países do mundo

J. A. Lindgren Alves, ao tratar da falsa concepção ocidental que, não raramente, é dada à Declaração Universal, defende o seu ideal universal ditado pelo próprio nome que lhe foi dado: "As afirmações de que a Declaração Universal é documento de interesse apenas ocidental, irrelevante e inaplicável em sociedades com valores histórico-culturais distintos, são, porém, falsas e perniciosas. Falsas porque todas as Constituições nacionais redigidas após a adoção da Declaração pela Assembléia Geral da ONU nela se inspiraram ao tratar dos direitos e liberdades fundamentais, pondo em evidência, assim, o caráter hoje universal de seus valores. Perniciosas porque abrem possibilidades à invocação do relativismo cultural como justificativa para violações concretas de direitos já internacionalmente reconhecidos" 13

Neste ínterim, a importância dada pelo legislador brasileiro quando trata dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição ao garantir taxativamente a prevalência dos direitos humanos no art. 4º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil, reluz o caráter supranacional dado aos direitos fundamentais, que, por esta razão, devem constituir um sistema flexível, já que mesmo estando integrados com a lei maior, não se limitam a ela, sendo receptivos a princípios provenientes de regimes internacionais, inclusive (art. 5º, § 2º, da Constituição da república Federativa do Brasil).

Tanto é verdade o caráter constitucional dos direitos humanos, que estes foram finalmente integrados à Constituição da República Federativa do Brasil na Emenda Constitucional nº 45, publicada em dezembro de 2004. Reza o art. 5º, §3º da CF/88: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

Ou seja, com a aprovação deste dispositivo, ficou comprovada a tese defendida de conhecedores dos direitos humanos como Flávia Piovesan e Cançado Trindade, de que os direitos humanos, e todos os tratados e convenções relativos a este assunto que forem aprovados pelas Casas do Congresso Nacional através do devido processo legislativo, são normas de direito com status constitucional.

Aliás, para o Brasil, esta Emenda Constitucional 45 tem, particularmente, muita importância. Isso porque, o Brasil, como em geral todos os países do Terceiro Mundo, vive em tão amarga pobreza que se cria um cenário perfeito para que as autoridades públicas disponham e abusem sobremaneira dos direitos fundamentais da pessoa humana. Deflui João Baptista Herkenhoff: "A situação de miséria fabrica os ingredientes que favorecem as violações pessoais. Por outro lado, essa situação de miséria é, por siso, a mais grave violação de Direitos Humanos porque é uma violação coletiva" 14

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, foi consolidada, sobretudo, para estabelecer um padrão comum para todos os povos e nações, uma vez que trouxe em seu seio a universalização dos Direitos Humanos. Portanto, a Declaração dirige o seu conteúdo e a sua validade a todos os povos, a todas as pessoas, não importando o Estado ou nação a que pertençam. A Declaração elevou o indivíduo a sujeito de direito erga omnes.

Essa noção foi corroborada pela II Conferência Mundial de Direitos Humanos, a Conferência de Viena, em 1993, que reconheceu a universalidade dos direitos definidos pela Declaração Universal, ao passo que definiu a indivisibilidade desses direitos pela unidade do gênero humano.

Trata-se aqui de libertar-se do relativismo cultural que assombra todas as questões de direitos humanos. O artigo 1º da Declaração de Viena afirma taxativamente que "a natureza universal desses direitos e liberdades está fora de questão", de forma que deixa indisponível o seu teor.

A proteção aos direitos humanos no âmbito internacional importa, sobretudo, em proclamar que "a universalidade dos direitos humanos é reconhecer a igual dignidade de todos os seres humanos independentemente do espaço territorial onde se encontram." 15.

2.1.1. A jurisdição internacional dos direitos humanos

Como leciona com propriedade Canotilho, os direitos fundamentais, "na qualidade de patrimônio subjetivo indisponível pelo poder, são os direitos e liberdades que limitam a lei, não é a lei que cria e dispõe direitos fundamentais" 16.

A exemplo do Brasil, muitos outros países do mundo passaram a ratificar os tratados internacionais de direitos humanos após a Declaração Universal de 1948.

Em 1998, o país, mediante o Decreto Legislativo n.º 89, aceitou a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e aderiu ao Estatuto do Tribunal Internacional Criminal Permanente em 07 de fevereiro de 2000, ambos com jurisdição internacional tanto para julgar violações de direitos humanos decorrentes de desrespeito à norma internacional, quanto para julgar crimes contra a humanidade, crimes contra a paz e agressão, genocídio.

Numa época em que cresce a conscientização da pessoa humana quanto ao respeito de seus direitos fundamentais, com a consolidação de garantias internacionais de proteção, alarga-se a responsabilidade internacional do Estado-Nação.

Neste início de século, o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos ganhou novo vigor com a consolidação do acesso à justiça pelo indivíduo. O titular de direitos humanos adquiriu capacidade jurídico-processual frente aos processos que tramitam perante os tribunais internacionais de direitos humanos, que têm, como função precípua, a de determinar a responsabilidade internacional de Estados-parte em acusações de transgressões aos direitos humanos.

Pelo Protocolo nº 11 de 1994, intitulado Reformas à Convenção Européia de Direitos Humanos, a Corte Européia de Direitos Humanos outorgou a todos aqueles indivíduos sujeitos à jurisdição dos Estados-parte a abertura de acesso direto à Corte.

Também, em 2001, passou a vigir o Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, aprovado pela Corte no seu XLIX período ordinário de sessões realizado de 16 a 25 de novembro de 2000, que assegurou a participação ativa e direta de todos os indivíduos-parte em toda a tramitação do procedimento, por meio de denúncias de violações aos direitos constantes da Convenção Americana.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos enfatiza a preocupação que devem ter os Estados e os titulares dos direitos humanos a respeito de como os habitantes de países estrangeiros estão sendo tratados. Sendo assim, cumpre que haja uma redefinição a respeito da matéria que é ou não de jurisdição doméstica dos Estados.

Os direitos fundamentais dos indivíduos não são apenas de jurisdição doméstica dos Estados. Pelo contrário, constituem uma preocupação legítima da comunidade internacional.

Neste sentido, a interpretação da Constituição Brasileira nas palavras de Sarlet: "Com efeito, o objetivo precípuo da consagração, pela nossa Carta, do princípio da não-tipicidade na esfera dos direitos fundamentais certamente não é o de restringir, mas sim, o de ampliar e completar o catálogo dos direitos fundamentais, integrando, além disso, a ordem constitucional interna com a comunidade internacional, solução que, aliás, corresponde às exigências de uma ordem cada vez mais marcada pela interdependência entre os Estados e pela superação da tradicional concepção da soberania estatal" 17

Os direitos humanos têm tratamento amplamente diferenciado pela Carta Magna do Brasil. Além de estarem listados no rol do art. 60, §4º, IV, da Constituição Federal de 1988 como cláusula pétrea, os direitos humanos ainda são regulados pelo sistema monista internacionalista quando da aplicação de tratados internacionais que disponham sobre direitos humanos no Brasil.

No que concerne às técnicas de interpretação, tendo em vista o fim último idealizado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, a interpretação mais abrangente possível para a proteção da pessoa humana é o que está em jogo. Elaborou-se então uma máxima, um princípio de melhor proteção à vítima, como critério de aplicação da norma aplicável.

Com isso, ressalta-se que "a questão de identificar uma norma internacional de direitos humanos não é meramente teórica. Isso porque uma violação de tal norma será reprimida pelas regras regentes da responsabilidade internacional do estado por violação de direitos humanos, levando, muitas vezes, uma determinada conduta estatal a ser analisada perante um Tribunal Internacional de Direitos Humanos" 18

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Com efeito, a noção de que a proteção de direitos do homem como princípio da ordem internacional geral, quando não se fala em jurisdição doméstica dos Estados, foi reforçada pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que consolidou a legitimidade da preocupação da sociedade internacional com a proteção dos direitos humanos, em que se busca a proteção do indivíduo como indivíduo, sem se mencionar sua nacionalidade.

2.2. A garantia de proteção aos direitos humanos fundamentais

Os direitos humanos, como asseverado pela Convenção de Viena, são universais, iguais, indivisíveis e indisponíveis, distinguindo-se de forma relevante, por estas características, dos direitos patrimoniais.

Contando com a participação de mais de 170 países, a Convenção de Viena de 1993 dá um reforço especial a todos os direitos e liberdades proclamados pela Declaração Universal de Direitos Humanos. Reafirmou o compromisso solene de todos os Estados em proteger e observar a promoção dos direitos humanos dos indivíduos em todas as partes do planeta. Ainda, a Convenção não deixou dúvidas de que nenhum Estado pode dispor de suas obrigações em relação aos direitos humanos, mesmo que não tenha tido participação na Declaração Universal.

Não são poucos os instrumentos de proteção aos direitos humanos existentes atualmente. Dentre convenções, tratados e constituições do mundo inteiro, fica claro o cuidado com que este assunto vem sendo progressivamente tratado.

"O Tratado de Paz de Westphalia, de 1648, pode ser considerado o antecedente mais remoto das diferentes declarações que vigoram atualmente no direito internacional" 19 Foi a partir deste instrumento que se tornou obrigatório, em tratados de paz, a inclusão de dispositivos que garantissem a liberdade individual das minorias religiosas residentes em países governados pelos crentes de religião adversa, uma vez que neste instrumento ficou selada, teoricamente, a paz entre católicos e protestantes, que passaram a gozar dos mesmos direitos.

Aproximadamente um século mais tarde, em 1789, no primeiro ano da Revolução Francesa, a Assembléia Constituinte formada pelos revoltosos, elaborou e aprovou a importante Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em que se proclamou, a priori, que "todos os homens nascem livres e iguais em direitos".

A partir de fins do século XVIII, adotou-se uma nova postura em relação aos direitos humanos, sendo que todas as Constituições elaboradas desde então primaram, basicamente, por dois princípios, quais sejam: a divisão dos poderes e a defesa dos direitos humanos, este último superior ao próprio Estado.

Neste sentido, importa ressaltar o teor do art. 16. da Declaração de direitos de 1789: "Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia de direitos, nem estabelecida a separação dos poderes, não tem Constituição".

O sentimento legítimo de que os direitos humanos necessitavam de defesa ficou positivado pela primeira vez na Revolução Francesa.

Contudo, o processo de expansão e generalização da proteção dos direitos humanos só veio a acontecer, de fato, dois séculos mais tarde, em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No teor da Declaração Universal, estava expresso, pela primeira vez, que todos os direitos ali proclamados eram inerentes à pessoa humana e que a ação para a proteção destes direitos não poderia ser privada pela ação do Estado. Entende-se assim, que quando o Estado não fosse suficiente para garantir a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, poderiam e deveriam ser acionados instrumentos internacionais de proteção.

Este pensamento ganhou força nos anos seguintes à Declaração de 1948, tanto que todas as Constituições posteriores trouxeram em seu seio a importância e a necessidade legítima do respeito aos direitos humanos como princípio constitucional, com destaque para a Constituição Brasileira de 1988, que colocou os direitos fundamentais da pessoa humana no rol das cláusulas pétreas do seu art. 60, IV.

O sistema das Nações Unidas para a proteção dos diretos humanos contém normas de alcance geral, quais sejam, aquelas destinadas à proteção de todos e quaisquer indivíduos do mundo, de forma genérica e abstrata, e sistemas especiais de proteção, direcionados a grupos particulares de indivíduos, a exemplo dos refugiados.

Importa ressaltar que o Brasil ratificou a maior parte dos instrumentos de proteção aos direitos humanos do sistema global da ONU, tais como, a Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, em 27/03/68; a Convenção para a Eliminação de toda a Discriminação contra a Mulher, em 01/02/84; a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24/09/90; o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em 24/01/92, e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 24/01/92.

Ainda, a par do sistema das Nações Unidas de proteção aos direitos humanos, deixe-se registrado que existem os sistemas regionais, quais sejam, o Sistema Europeu (Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, de 1950), o Sistema Interamericano (Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969), o Sistema Africano (Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos, de 1981) e o Sistema Árabe (Carta Árabe dos Direitos Humanos, de 1994).

2.3. A doutrina e as intervenções humanitárias à luz da Carta da ONU

Antes da Declaração Universal de Direitos Humanos, o documento que fundou a Organização das Nações Unidas em 1945, a Carta de São Francisco, já trouxe, muito além da iniciativa de pretender instaurar uma nova ordem mundial após os horrores da guerra, a prerrogativa de instaurar relações pacíficas entres as nações.

Taxativamente, a Carta de São Francisco deixou claro que "o grau de respeito aos direitos humanos transformou-se num dos principais elementos para aferir-se a inserção de determinado país na Comunidade Internacional. Com isso, os direitos humanos deixaram de ser uma questão de domínio reservado dos estados e ganharam o status de tema global, o que significa a necessidade de os Estados soberanos, em tempos de paz, garantirem a efetiva proteção dos direitos humanos da população a fim de conquistarem legitimidade no plano internacional" 20

Nas palavras de Flávia Piovesan, "a Carta das Nações Unidas de 1945 consolida, assim, o movimento de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto das instituições internacionais e do direito internacional. Basta, para tanto, examinar os arts. 1º (3), 13, 55, 56, 62 (2 e 3), da Carta das Nações Unidas" 21.

Com o processo de internacionalização e proteção dos direitos humanos, iniciado a partir da Declaração da ONU, uma crescente conscientização foi tomando forma no sentido de garantir estes direitos, sendo que foram criados diversos mecanismos regionais que tiveram como fundamento teórico a dignidade da pessoa humana.

Dentro deste novo quadro que se pintou, da universalidade dos direitos humanos, não mais se admite falar, no que tange este assunto, de jurisdição exclusiva dos Estados, uma vez que os indivíduos não podem ser encarados como propriedade de um governo.

Contudo, muitos juristas e governantes ainda recorrem ao princípio da soberania do Estado para evitar que outros Estados intervenham no seu território, sob o argumento de que estariam violando o seu direito à não intervenção em assuntos internos.

Não obstante, a Declaração de 1948 deu ensejo à formação de uma nova ordem mundial, em que a proteção aos direitos dos indivíduos se reveste de uma importância sem precedentes, trazendo à tona debates sobre o direito de intervenção humanitária após a audiência, pelo mundo inteiro, dos horrores da II Guerra Mundial.

As preocupações humanitárias a partir de então ficaram atreladas à ameaça de paz e à segurança internacional, passando a fazer parte de uma espécie de patrimônio comum da humanidade.

Neste ínterim, fez-se necessária uma reavaliação pelos órgãos internacionais, de realidades até então tidas como absolutas, quais sejam, a igualdade soberana dos Estados e o direito à não intervenção em assuntos ditos domésticos.

A Carta das Nações Unidas, em seu Capítulo VII, prevê o direito de intervenção humanitária e seus limites dentro do Direito Internacional, em casos de situações de extremo sofrimento humano, em que não é possível se manter um mínimo de padrão humanitário, onde as violações de direitos humanos sejam maciças e por atitudes continuadas dos violadores desses direitos por tempo prolongado, salientando-se que o consentimento do Estado receptor da ajuda não se faz necessário e, ainda, sendo o uso da força permitido, unicamente, para assegurar a garantia dos direitos humanos daqueles indivíduos.

O primeiro grande problema que se vê em uma ação de intervenção humanitária, é a lembrança dos tempos de colonialismo e intervenção (que não de cunho humanitário) que este tipo de ação traz a muitos países, sobre tudo os países menos afortunados.

A intervenção humanitária, erroneamente, é encarada, muitas vezes, como instrumento de controle e invasão dos países mais ricos nos países pobres, resquício das intervenções do Período Colonial, que se estenderam até o século XIX. Contudo, é importante que se diga que devem ser estabelecidos critérios e limites para que se configure uma legítima situação de necessidade de intervenção humanitária para evitar abusos de Estados e órgãos de Direito Internacional.

Em verdade, quando se trata de direitos humanos, devem ser abandonadas as noções tradicionais de soberania face às construções internacionais nascidas após a Declaração de 1948 em nome da proteção da dignidade da pessoa humana.

Pelo mero fato de integrar as Nações Unidas, os Estados aceitam a Declaração Universal dos Direitos Humanos como instrumento legal compulsório, ou, no mínimo como regra jus cogens, que na verdade, segundo a doutrina, em nada diferem quanto a sua validade e eficácia frente ao ordenamento jurídico internacional. Em razão disto, todos os Estados que aderem a ONU "abdicam soberanamente de uma parcela da soberania, em sentido tradicional, obrigando-se a reconhecer o direito da comunidade internacional de observar e, conseqüentemente, opinar sobre sua atuação interna, sem contrapartida de vantagens concretas" 22 Reforça-se, entretanto, a noção de que a Declaração Universal tem caráter erga omnes.

Pode-se dizer que o período intervencionista da Comissão de Direitos Humanos da ONU iniciou sua atividade em 1967 em virtude de um chamado dos países de Terceiro Mundo que recentemente haviam-se tornado independentes e estavam mobilizados na luta contra o apartheid e o colonialismo e, mais adiante, em 1969, quando Israel ocupa territórios árabes.

A Resolução 1235 adotada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em 1967, "Questão das violações dos direitos humanos e liberdades fundamentais, inclusive políticas de discriminação racial e de apartheid, em todos os países, com referência especial aos países e territórios coloniais e dependentes", também chamada de procedimento 1235, permitiu o acesso de comunicações individuais de violações de direitos humanos à Comissão de Direitos Humanos da ONU. Juntamente com este procedimento público, atua a Resolução 1503, também chamada de procedimento 1503, que configura o procedimento confidencial das Nações Unidas e tem como objetivo identificar as comunicações que indiquem um cenário de maciças violações de direitos humanos e garantias fundamentais para um considerável espaço de tempo.

Diante da crescente conscientização da necessidade legítima de se proteger os direitos humanos e com a progressiva elaboração e adoção de mecanismos de proteção por todos os países do mundo, fica configurada a competência das Nações Unidas em intervir em Estados soberanos frente a concretos de violação, desde que tenha como objetivo único a proteção da dignidade da pessoa humana.

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Sobre o autor
Renata Vargas Amaral

advogada em Florianópolis(SC), mestra em Direito dos Negócios Internacionais pela Universidad Complutense de Madrid

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Renata Vargas. Análise jurídica de intervenção humanitária internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1165, 9 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8861. Acesso em: 21 dez. 2024.

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