O horizonte democrático

28/02/2021 às 17:10
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Conteúdo de hoje é sobre liberdade de expressão e discurso de ódio. Irei abordar o conceito de liberdade de prisão, discurso de ódio e a decisão do ministro, tudo no viés jurídico, baseado em leis e sumulas.

Graças ao Dr. Fabio Juliete, tive acesso à decisão do ministro Alexandre de Moraes no qual determinou a prisão do deputado Daniel Silveira. Mas antes de chegarmos ao parlamentar, irei abordar o conceito de liberdade de prisão, discurso de ódio e a decisão do ministro, tudo no viés jurídico, baseado em leis e sumulas.

A democracia é atrelada a uma constituição no qual garante os direitos e deveres do cidadão de forma plena e taxativa. No rol dos Direitos e Garantias fundamentais, previsto no art. 5, CF, elenca diversos direitos aos cidadãos, destacando aqui a liberdade de expressão prevista em tal artigo mencionado acima nos incisos IV e IX, e art. 220:

IV – “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”

IX – “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”

 Art. 220 – “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”

Portanto, podemos concluir que a liberdade de expressão é um direito fundamental do ser humano que garante a manifestação de ideologias, opiniões e pensamentos sem retaliação ou censura por parte de governos, ou de outros indivíduos.

O direito à livre expressão ocupa posição de direito inato à pessoa, sem sombra de dúvida, caracterizando-se como direito fundamental de primeira dimensão, conjuntamente a outros direitos ligados intimamente ao princípio da dignidade da pessoa humana. Entretanto, este direito é absoluto?

Antes de mais nada, é importante frisar que a própria Constituição, ao garantir o direito de expressão, dentre os seus variados dispositivos, preocupou-se em mencionar que o gozo desta liberdade acontecerá “observando o disposto nesta Constituição”. Portanto, nenhum direito fundamental poderá ser usado como blindagem para transgredir outro direito.

O limite da liberdade de expressão está não em ultrapassar os demais direitos fundamentais de outros indivíduos, mas, ao praticar preconceito ou proferir discursos racistas ou misóginos, por exemplo, não se trata simplesmente de livre expressão, e sim de um atentado de ódio contra outra pessoa que tem os mesmos direitos assegurados e é considerada igual a todos os demais perante a lei. Se a liberdade de expressão de um fere a liberdade do outro, então parte para o patamar de opressão.

Em suma, não há direito absoluto, pois quando seu discurso ultrapassa o horizonte democrático da liberdade de expressão, passa a frequentar o esgoto do discurso de ódio. Por toda via, nem mesmo o direito à vida é absoluto, pois, a Constituição permite a pena de morte, salvo, em caso de guerra declarada (art. 5º, inc. XLVII, a), ou até mesmo o aborto é admitido, entretanto, em dois casos previsto no art. 128, incs. I e II:

  1. aborto necessário - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
  2. se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Contudo, o que é discurso de ódio? Segundo a Samanta Ribeiro Meyer-Pflug, doutora em Direito, o discurso de ódio é a manifestação de “ideias que incitem a discriminação racial, social ou religiosa em determinados grupos, na maioria das vezes, as minorias”. No mesmo viés, temos Daniel Sarmento, doutor em Direito Constitucional, afirmando que discurso de ódio pode ser caracterizado por “manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra determinados grupos, motivadas por preconceitos”.

Portanto, não existe uma única definição para discurso de ódio, mas com base nessas duas conceituações e no senso comum que existe sobre o termo, podemos chegar à conclusão de que discurso de ódio é um conjunto de ações com teor intolerante direcionado a grupos, na maioria das vezes, minorias sociais (mulheres, LGBTs, gordos(as), pessoas com deficiência, imigrantes, dentre outros).

Neste escopo de definição, podemos observar também as autoras Rosane Leal da Silva e Luiza Quadros da Silveira Bolzan afirmam que:

“o discurso de ódio se configura como tal por ultrapassar o limite do direito à liberdade de expressão, incitando a violência, desqualificando a pessoa que não detém as mesmas características ou que não comunga das mesmas ideias, e ao eleger o destinatário como “inimigo comum” incita a violência e seu extermínio, o que fere frontalmente o valor que serve de sustentáculo para o Estado democrático de direito, qual seja, a dignidade da pessoa humana”

No viés da criminalização do discurso de ódio, se faz necessário falar sobre direitos humanos. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), direitos humanos são:

direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição”, incluindo “o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) também deve ser analisada neste mesmo sentido. Em seu artigo II traz que: 

“Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.

Percebe-se que nestas definições os direitos humanos são garantias de todos os indivíduos, independentemente de suas singularidades, por sua vez, vai contra o discurso de ódio, que prega o preconceito contra seres humanos que fazem parte de alguma minoria social, isto é, o discurso de ódio fere as garantias e direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão.

Na Carta Magna, em seu art. 5º, ao definir que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, bem como que a lei punirá qualquer discriminação que atente aos direitos e liberdades fundamentais, a Constituição defende os direitos humanos e pune quem violá-los, ou seja, quem praticar discurso de ódio.

Pois bem, após definirmos discurso de ódio e compará-lo a liberdade de expressão, vale apenas citar o caso do Deputado Daniel Silveira no qual confrontou o Poder Judiciário injuriando os Ministros do STF e exaltou a Ditadura Militar e o Ato Institucional nº5 (AI5).

Antes de mais nada, como este ser repugnante é deputado, partimos para o direito da Imunidade Parlamentar, prevista no art. 53, CF:

 Art. 53 – Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

Conforme vimos acima nos exemplos de Direito à vida, não há direito absoluto, incluindo, assim, a imunidade parlamentar. Ademais, há súmula e informativo referente a este tema, ambos do STF, sendo:

  • Súmula 245 - A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa.
  • Informativo 969 - o fato de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento em que proferiu as declarações não afasta a possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, nos casos em que as ofensas são divulgadas pelo próprio parlamentar na Internet. (...) a inviolabilidade material somente abarca as declarações que apresentem nexo direto e evidente com o exercício das funções parlamentares. (...) O Parlamento é o local por excelência para o livre mercado de ideias – não para o livre mercado de ofensas. A liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade. Ninguém pode se escudar na inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação.”

Decerto, na democracia é imprescindível o debate de ideias, em um dos pilares do Estado Democrático de Direitos, na Casa Legislativa, é local para o exercício da liberdade de expressão “o mercado de livres ideias”, mas quando ultrapassa o horizonte democrático e o deputado abusa do seu decoro parlamentar este não está representando a democracia, como deveria, e sim exalando o fedor do discurso de ódio.

Ademais, ao propagar e exaltar a ditadura em suas atitudes e falas, “as condutas praticadas pelo referido Deputado Federal, além de tipificarem crimes contra a honra do Poder Judiciário e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, são previstas, expressamente, na Lei nº 7.170/73”, sendo elas:

  • Art. 17 - Tentar mudar, com emprego de violência ou

grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de

Direito.

  • Art. 18 - Tentar impedir, com emprego de violência ou

grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da

União ou dos Estados.

  • Art. 22 - Fazer, em público, propaganda:
    • I - De processos violentos ou ilegais para alteração da

ordem política ou social;

  • IV - De qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
  • § 1º - A pena é aumentada de um terço quando a

propaganda for feita em local de trabalho ou por meio de rádio ou televisão.

  • Art. 23 - Incitar:
    • I - à subversão da ordem política ou social;
    • II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;
    • IV - à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
  • Art. 26 - Caluniar ou difamar o Presidente da República, o

do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.

  • Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.
  • Código penal – crimes contra as instituições democráticas  
  • Art. 365.  Tentar, com emprego de grave ameaça ou violência, impedir ou dificultar o exercício do poder legitimamente constituído, ou alterar a ordem constitucional estabelecida;
  • Constituição Federal – art. 5º, inc. XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

Ora, podemos ver que o Bacharel em Direito extrapolou de seu Decoro ao vomitar a saudades do horrendo Regime Militar. Ademais, este acumula diversos crimes antes mesmo de ser Deputado, mas isto não vale apenas comentar.

Daniel Silveiro foi preso pelo Inquérito das Fakes News, no qual investiga a propagação de notícias falsas, e atos antidemocráticos exaltando a volta da ditadura. Segundo a decisão, cuja o inquérito é 4781/DF, o Ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito acima exposto, entende que as condutas do parlamentar configuram flagrante delito, “pois na verifica-se, de maneira clara e evidente, a perpetuação dos delitos acima mencionados, uma vez que o referido vídeo permanece disponível e acessível a todos os usuários da rede mundial de computadores, sendo que até o momento, apenas em um canal que fora disponibilizado, o vídeo já conta com mais de 55 mil acessos.”

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Ademais, o Ministro justifica a hipótese de flagrante delito considerando o vídeo na permanência de divulgação em redes sociais. Portanto, tal delito encontra-se em infração permanente, ou melhor, crime permanente (é o momento consumativo se procrastinando no tempo, o bem jurídico é continuamente agredido. Por exemplo, crimes de sequestro e cárcere privado, art. 148, CP), assim permitindo a consumação em prisão em flagrante. Vejamos abaixo:

“Relembre-se que, considera-se em flagrante delito aquele que está

cometendo a ação penal, ou ainda acabou de cometê-la. Na presente

hipótese, verifica-se que o parlamentar DANIEL SILVEIRA, ao postar e

permitir a divulgação do referido vídeo, que repiso, permanece

disponível nas redes sociais, encontra-se em infração permanente e

consequentemente em flagrante delito, o que permite a consumação de

sua prisão em flagrante.”

O ministro se baseou nos arts. 312, CPP, no qual estabelece os requisitos da prisão preventiva e art. 324, CPP, estabelecendo o crime inafiançável, vejamos:

  • Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
    • § 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares;
    • § 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada;

Para esclarecimento, o artigo acima, em seu §2º, no termo “deve ser motivado”, ocorre o inquérito Nº 4.828/DF motivado pela ação do Ministério Público Federal, ou seja, a ação foi motivada pelo MPF sem prejuízo ao princípio Ex Officio (não há juiz sem autor, ou o juiz não pode dar início ao processo de ofício, sem a provocação da parte interessada).

Contudo, consequentemente, crime inafiançável art. 324, CPP:

  • Art. 324.  Não será, igualmente, concedida fiança: 
    • IV - Quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312);

Sendo assim, “Configura-se, portanto, a possibilidade constitucional de prisão em flagrante de parlamentar pela prática de crime inafiançável, nos termos do §2º, do artigo 53 da Constituição Federal.”

  • Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
    • § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. (...)

Sendo assim, é justificável a decisão da prisão do parlamentar pelo fato do mesmo ter consumado uma lista de crimes, conforme vimos acima.

Por fim, é paradoxo um parlamentar ter um apreço à ditadura, no qual não havia liberdade de expressão, de imprensa e muito menos Habeas Corpus, havia tortura, totalitarismo e um rombo econômico que nos deixou 20 anos na miséria (década perdida / 1970 a 1990), mas quando é preso, por crimes contra o Estado Democrático de Direito, conforme visto acima, invoca seu direito de “liberdade de expressão” e impetra Habeas Corpus para soltura. Enfim, a hipocrisia!

Para piorar, tramita no Congresso Nacional a votação da PEC 03/2021 (Projeto de Emenda Constitucional) para blindar mais ainda a Imunidade Parlamentar, evitando que Deputados sejam presos por seus crimes contra a ordem democrática. Contudo, conforme vimos, nenhum direito é absoluto.

Estes criminosos, praticantes do discurso de ódio, vivem fora do horizonte democrático, pisando em terras de esgoto e vomitando, em suas palavras o termo “vagabundo”, a truculência para quem não concorde com seus ideais. Em pleno Estado Democrático de Direito, incitar o ódio e violência é inadmissível!

Sobre o autor
Jonathan Ferreira

Acadêmico de Direito pela universidade Estácio de Sá com foco em Dir. Penal, Dir. Proc. Penal, Dir. Constitucional Brasileiro. Administrador e fundador da página Âmbito Criminalista, no qual ajudo pessoas a entenderem o Direito Penal de forma simples e descomplicada. Amante da Sabedoria e estudante da psicanálise lacaniana em conjunto com a seara penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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