Imposição à vacinação ao vírus Sars-Cov2 à luz dos princípios, dos direitos humanos fundamentais e bioéticos

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3. Princípios fundamentais e difusos que estruturam a imposição à aplicação em massa da vacina anticovid

Argumenta Bobbio41 sobre o mundo moral como se fosse um remédio ao mal ou prejuízo que o homem ou a mulher podem causar a terceiros: “nasce com a formulação, a imposição e a aplicação de mandamentos ou de proibições, e, portanto, do ponto de vista daqueles a quem são dirigidos os mandamentos e as proibições, de obrigações. Isso quer dizer que a figura deôntica originária é o dever, não o direito”. Assim Bobbio42 chega a conclusão que:

Uma coisa é um direito atual; outra, um direito potencial. Uma coisa é ter um direito que é, enquanto reconhecido e protegido; outra é ter um direito que deve ser , mas que, para ser, ou para que passe do dever ser ao ser, precisa transformar-se, de objeto de discussão de uma assembleia de especialistas, em objeto de decisão de um órgão legislativo dotado de poder de coerção.

Por isso, o direito à vacinação anticovid deve não ser apenas uma promessa futurística, mas desde já um direito em potencial, que seja imposto por lei, e, por analogia, limite direitos individuais como o faz o direito político-eleitoral, ou vota, ou será cerceado de direitos civis (CPF), além de ser multado. Mister se faz uma política pública de conscientização em defesa da vida de todos. As autoridades públicas têm o dever moral e ético de dar o bom exemplo e, se for o caso, até mesmo sendo vacinadas em primeiro lugar. Todavia, com certeza, elas têm o dever ético de um discurso em sintonia, um discurso da paz, do respeito, da solidariedade nas campanhas dos órgãos de saúde e de vigilância sanitária, e em todos os setores da Administração Direta e Indireta.

3.1. Princípios difusos bioéticos da coletividade comunitária

É possível encontrar a definição de direitos difusos no artigo 81 do Código de Defesa e Proteção do Consumidor (Lei 8.078/90), como sendo um direito de todos, sem exclusão, nem exceção, que vai muito além do direito individual privado, pois ultrapassa essa esfera e abrange não só o interesse coletivo, nem só o interesse público, mas o ‘interesse comum’ de todos e todas. Se por um lado é um novo direito da contemporaneidade, por outro lado é um direito da tradição e dos costumes quando se perpetua além da esfera temporal, pois ele é transmitido de pai fara filho, do filho para o neto, assim ele é um direito trans-geracional ou atemporal. Não mede esforço para romper os obstáculos e tutelar tudo, os interesses em comum, como sendo de todos, por isso não esbarra em limites fronteiriços, em espaços geopolíticos, por isso é incompreendido, por que vai muito além da jurisdição nacional, ele invade sem modéstia todos os espaços e essa invasão, ela se dá pela tutela especial maior de um bem jurídico maior que é frágil, vulnerável, sensível: meio ambiente, qualidade de vida, paz, fraternidade, vida humana e animal em pesquisas científicas, conforme a micro ou macrobioética, respectivamente.

No que se refere a microbioética, a vida das pessoas nas pesquisas clínicas com seres humanos ou pesquisas biomédicas para novos fármacos, o direito fundamental social coletivo à saúde da comunidade é agraciado pela Resolução 466/2012 do CNS, IV.6, ‘e’. Esta resolução ratifica instrumentos internacionais como o Código de Nuremberg, Delaração de Helsinki, Manual de Boas práticas Clínicas das Américas, entre outros, e retifica a Resolução 196/96 do CNS. Ao analisar esta resolução, percebe-se que a participação individual de um indígena conforme a sua vontade livre (autonomia) só será possível de ser externada e firmada em Termo de Consentimento Informado se autorizada, haja vista existir um sentido de reciprocidade comunitária onde o interesse de toda a tribo está acima do interesse individual. Há que se respeitar o aspecto cultural da comunidade.

Assim sendo somente será possível o consentimento informado individual de um membro da comunidade, se a autoridade maior da tribo ou da comunidade indígena assim o permitir. E, ainda, far-se-á necessário acompanhamento da FUNAI43.

Logo, para que toda a tribo indígena possa participar dos testes de uma vacina, a citada resolução do Conselho Nacional de Saúde prevê e dispões sobre o Consentimento Informado individual e coletivo da autoridade maior da tribo como sendo a autorização para todos e todas participarem dos estudos e ensaios clínicos, assim, cada um e cada uma poderá dar o seu próprio consentimento esclarecido. Trata-se de uma questão cultural que tem valores específicos, conforme ensina Baez44 “os indivíduos são seres culturais e, como tais, constroem valores morais específicos, de acordo com o grupo social em que estão inseridos e dentro das contingências históricas de cada época”. Assim se percebe o relativismo dos direitos fundamentais sociais culturais. Por isso, culturalmente, não se pensa individualmente, mas coletivamente nas tribos indígenas brasileiras. Aqii fica muito claro o direito difuso de interesse comum de todos de terceira dimensão.

Da mesma forma, quando existir uma vacina XY eficaz contra o Sars-Cov2 para que seja efetivamente erradicada a doença Covid-19, far-se-á necessária a autorização do Cacique e talvez, até do Pajé. A resolução não faz menção, mas é indiscutível que a Constituição Federal garante a atribuição de fiscalização do Ministério Público em todos os atos e fases da pesquisa que tenham como objeto de estudo seres vulneráveis, entre eles os indígenas.

Reckziegel45 sobre alguns princípios bioéticos que são norteadores dos experimentos farmacológicos salienta o princípio da não maleficência (não causar o dano/respeitar a dignidade); princípio da beneficência (cuidar/fazer o bem); princípio da justiça (ética, responsabilidade, equidade); princípio da vulnerabilidade (proteção) e observa que:

Os princípios da dignidade, integridade, vulnerabilidade e autonomia expressam a convicção de tratar os seres humanos como fins em si mesmo. Não são princípios ontológicos absolutos, mas guiam a tomada de decisões acerca de problemas de bioética e do desenvolvimento biotecnológico em relação à lei e às políticas públicas. Apresentam-se como um marco normativo para a proteção dos seres humanos em várias dimensões com respeito ao desenvolvimento biomédico e biotecnológico, deduzidas a partir de padrões universais, mas também se obtém de um processo indutivo de situações particulares de aplicação.

Ao encontro dos direitos fundamentais de primeira dimensão à vida e de segunda dimensão à saúde, tem-se os direitos difusos de terceira dimensão à precaução; e princípio da prevenção que poderá ser de segunda dimensão ou se transmutar em terceira dimensão. Assim o princípio da prevenção circula em todas as dimensões enquanto o princípio da precaução se restringe a terceira dimensão. Embora, na terceira dimensão seus efeitos sejam mais amplos: transindividual, atemporal, transfronteiriço, indeterminado e indeterminável, adstrito a situações de fato similares ou idênticas, entre outros.

3.2. Princípio da prevenção no caso da AIDS em 2020

Durante a pandemia de 2020, aventou-se a possibilidade de também ser criada uma vacina contra o vírus HIV que causa a doença AIDS. Alguns estudos estão sendo desenvolvidos outros foram suspensos. Apesar de, ainda, não existir uma vacina contra a doença AIDS que combata e elimine o vírus HIV de forma eficaz, já existindo alguns casos com possível cura, ainda, não registrada a sua eficácia, é um típico caso de se usar medidas preventivas com base no princípio da prevenção, pois mesmo sem a existência da vacina há muitos estudos sobre a doença e sobre o comportamento do vírus. Há tantos estudos científicos sobre essa doença que até existe um manual46 de quais as vacinas são possíveis de serem ministradas para uma pessoa soro positivo. Esse manual de imunização existe há 18 anos.

Neste exemplo, na possibilidade de se descobrir uma vacina à cura da AIDS, com base no princípio da prevenção, não há como obrigar as pessoas doentes que são capazes civilmente de se autodeterminar conforme a sua vontade livre, sem pressão, sem coação. Aqui o princípio da autonomia e o direito fundamental à liberdade hão de vigorar plenamente com o respaldo do princípio da prevenção47.

O princípio da prevenção poderá embasar decisão administrativa de autoridade pública para estipular casos de exceção, ou seja, a negativa legal para não fazer a vacina contra o vírus HIV, pois já existem vários e vários estudos científicos que são realizados há anos sobre a doença AIDS. Desta forma, a recusa é justificada, por já existir meios alternativos da pessoa soro positivo viver com a doença sob controle, usando terapia anti-retroviral em vez de usar de remédio ou fármaco de novas vacinas em teste. Se há outro meio, se é possível uma maior longevidade com uma vida que possa ter uma qualidade de vida melhor com o uso destas terapias ou de coquetéis, não há que se obrigar o indivíduo positivado à vacinação contra a AIDS sem cercear o seu direito à liberdade.

A ciência possibilitou uma certeza científica através de seus longos ensaios empíricos de pré fases, e através da sua comprovação científica testando todas as fases. Assim sendo preventivamente, com fundamento na certeza científica, a pessoa infectada pelo HIV poderá decidir se quer ou não se vacinar, pois ela tem outras opções de tratamento a longo prazo. O mesmo ocorre no caso de tratamento de pessoa com câncer, ela poderá optar, se a doença estiver no seu estágio inicial, se quer fazer um tratamento A, B, ou C (radioterapia, quimioterapia, etc.).

Portanto, no caso de uma vacinação contra o vírus HIV, a decisão administrativa não poderá ser cogente, mas será uma orientação, uma faculdade ao doente de decidir se quer ou não se vacinar após ouvir seu médico. Neste caso, aconselha-se o Termo de Consentimento Informado, pois esta vacina, também está em estudo.

3.3. Princípio da precaução no caso da Covid-19 em 2020

Durante a pandemia da doença Covid-19, em 2020, pelo vírus Sars-Cov2, no Brasil, em aula remota síncrona de direito e cidadania um aluno da graduação externou uma preocupação, em geral, da população brasileira. Se a iminência da cura da doença Covid-19 provocada pelo novo coronavírus poderia ser imposta a todos e todas, e se as pessoas que se negassem a se vacinar, se elas seriam obrigadas a se manterem presas ou isolamento social. Outra pessoa, uma servidora municipal com ensino superior, disse não se deixar vacinar sem que todas as fases estejam conclusas dos testes das vacinas. Alguns casos na Itália, um Prefeito em uma Província gravou a própria voz em um drone48 e mandou os assintomáticos à casa perseguindo-os, em outros casos, como na grande Florianópolis, um sistema de SMS (torpedos) rastreou via satélite os fujões covitizados (neologismo para positivados), e avisou a polícia, que os conduziu coercitivamente até suas residências, além de serem multados pela prefeitura. A saúde tanto na esfera social como na esfera difusa, ela possibilita que o Decreto local seja mais rígido que o Decreto Federal ou Estadual, através da delegação de poderes administrativos. Todavia, a recíproca não é verossímil, pois não poderá flexibilizar um mandamento hierárquico rígido.

Tentando esclarecer essas dúvidas é que se fará uma breve explicação sobre o princípio da precaução e quando ele poderá fundamentar uma autoridade pública da Administração Direta (Federal) a decretar uma ordem impositiva à vacinação coletiva ou em massa.

Sob o prisma do direito coletivo, objetivando o ‘direito fundamental à saúde’ da comunidade, da população, da sociedade e o ‘interesse coletivo’ sob o aspecto econômico que visa restabelecer a vida normal da sociedade e o restabelecimento ativo do mercado de trabalho e de consumo, neste sentido é que se deve observar o princípio da precaução.

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O fundamento jurídico à aplicação do princípio da precaução, enquanto um ‘interesse difuso’, encontra-se na Lei de Biossegurança, no seu artigo primeiro. Desde 2019, o mundo assiste assombrado a propagação e mutação do novo coronavírus. No Brasil, de fevereiro a novembro, ainda, não se sabe muito sobre a doença Covid-19, que se espalhou por todo território nacional, não chegando em poucas localidades onde adotaram as orientações de isolamento total da OMS.

Diante de encontros e desencontros de várias informações que se contradizem, ainda, tem-se como melhor opção e única opção as orientações da OMS embasadas nas pesquisas clínicas dos pesquisadores e dos técnicos da área da saúde e da vigilância sanitária: lavar as mãos com sabão em água corrente, higienizar tudo com álcool 70 INPM (álcool etílico hidratado), e as mãos com álcool gel, praticar o ‘isolamento social’ e/ou ‘distanciamento social’ de 1,5 m (no mínimo) de uma pessoa para outra pessoa do não convívio familiar. Por não existir uma única linha de pensamento, uma única pesquisa que se possa aplicar de imediato para este caso, de forma uniforme, é que surgem muitas dúvidas, não só da população quanto dos pesquisadores e estudiosos das várias áreas do saber.

Na pandemia brasileira por Covid-19, após meses da doença avançar e com mais de 165 mil mortes, ainda, não se encontrou a cura efetiva, mas muitos estudos científicos clínicos estão na iminência de encontrar uma vacina eficaz para ser aplicada massivamente na população. Por existir uma dificuldade de logística e de orçamento, talvez a promissora vacina XY, no início não seja para todos e todas como deveria ser. Talvez apenas as pessoas que se encontram no grupo de risco e os profissionais da área da saúde que estão na linha de frente ao combate do novo coronavírus é que sejam obrigadas e obrigados a se vacinar. Entretanto, com o desenvolvimento das pesquisas, talvez toda a população, posteriormente, gradualmente, seja obrigada a se vacinar. Se se quer que a vida volte ao normal, como era, antes da pandemia, faz-se necessária a vacinação em massa de todos e todas.

Essa decisão da obrigatoriedade da vacina (futura) XY, após todas as fases e testes da pesquisa clínica com novos fármacos e comprovação da sua eficácia, diante da incerteza científica das várias mutações que esse vírus Sars-Cov2 já passou, é que se deve agir precautivamente antes que um dano maior e irreversível ocorra, além de muitas mortes, como as sequelas que levam, ou à morte, ou para doenças que serão tratadas a longo prazo49 e que trarão para os cofres públicos, mais gastos; também prejuízos para o mercado de trabalho. Várias doenças estão acometendo crianças50 que tiveram a doença (leve) da Covid-19, pois apesar da doença Covid-19 se manifestar de forma leve, as consequências dela, ou seja, as suas sequelas são doenças complexas, complicadas e muitas são graves. Que tipo de adulto elas serão: doentes.

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Sobre os autores
Seline Nicole Martins Soares

Docente de Direito. Mestre em direito da integração no MILA-UFSM; Especialista em Educação Ambiental; Especialista em Direito Constitucional Aplicado; Especialista em Direito Ambiental; Especialista em Metodologias Ativas no ensino de história; OAB/SC (direito constitucional); Docente UFFS/SC; Líder do GEPDD (Grupo de Estudo e Pesquisa em Direitos Difusos);

Felipe V.S. Canfield

Tradutor./Interprete de Inglês. Acadêmico formando do curso de Letras Inglesa e Literatura Inglesa da UFSM; Bolsista da UFSM; Voluntário do GEPDD/UFFS

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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