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As imprecisões sobre obrigação tributária acessória

06/09/2006 às 00:00
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Breve introdução

            O legislador brasileiro, fazedor do Código Tributário Nacional, apropriou-se da terminologia das obrigações ao estruturar o sistema tributário. Não se trata da apropriação da sistemática civilista apenas, mas de uma noção mesmo de norma jurídica e seus efeitos sobre os indivíduos.

            Talvez, em última análise, a questão se resuma às formas de traduzir a noção que se tem de direito e sistema jurídico, mais que as divergências propriamente entre conceitos e concepções filosóficas. Contudo, qualquer que seja a concepção adotada, convém que sua tradução, exposição e positivação seja clara.

            Alguém poderá objetar que se prestigia o nominalismo, uma vez que as coisas existem, independentemente de seus nomes. Mesmo que assim seja, o direito destina-se à pacificação social e tal fim certamente se atinge mais facilmente se o sistema normativo tiver um grau elevado de precisão e coerência.

            Creio que o desenho dado à chamada obrigação tributária acessória pelo legislador induz interpretações equivocadas e, ao final, prejudica o cumprimento da finalidade da lei, que, no caso, é veicular imposições com o mínimo de atritos. Tal problema decorre do viés adotado e, também, da terminologia consentânea à visão que teve o legislador, por mais que problemas terminológicos sejam os menos importantes.


Norma jurídica em geral e tributária

            Em linhas muitíssimo gerais, a norma jurídica veicula juízos valorativos supostamente consagrados e adotados por uma maioria, pressupondo-se um ambiente político de democracia representativa. Diz, enfim, o que se não deve fazer e quais as consequências de infringir a proibição.

            De maneira secundária, a norma pode se propor a estabelecer tal ou qual conduta, independentemente de prescrever sanção. Em tal caso, não se trataria propriamente de norma jurídica. Contudo, verificam-se sanções na maioria dessas normas propositivas, ainda que conformadas diversamente do habitual.

            O normativo sempre é ideal, no sentido de que deveria ser. Para o que não sucede como quer a maioria, tem-se a sanção. Considerando-se tal estrutura, verifica-se que é impróprio falar-se em proibição legal, senão sob um enfoque muito restrito. A lei não tem aptidão em si para proibir condutas. Tem-na a força, apenas.

            Uma visão apressada da configuração comum da lei civil pode induzir conclusão contrária ao que foi dito acima. Porém, vista mais de perto a norma civil, percebe-se que não foge ao esquema de prescrição de um dever-ser que, desatendido, implica uma sanção.

            A lei civil veicula, majoritariamente, o estabelecimento de formas e balizas em cujo âmbito os particulares podem dispor de várias situações e criar deveres jurídicos co-recíprocos. Onde estaria a sanção, em um sistema tão aparentemente autônomo? Ora, feito um negócio jurídico, um contrato, por exemplo, em formato diverso do previsto, sancionam-se os contratantes com sua invalidade.

            Mesmo a norma jurídica dita autônoma, o contrato, novamente, retira sua possibilidade e sua qualificação de jurídica da lei, que é a expressão da heteronomia normativa. A vontade do legislador, que se supõe representante do povo, impõe-se sem indagações ou demandas de consentimento. A noção serve à introdução de duas outras: a de técnicas de construção normativa e a de norma jurídica tributária.

            As normas, mais especificamente falando, elaboram-se segundo modelos de imputação ou de imperatividade. A imputação é atribuição de um certo efeito para o acontecimento de um fato juridicamente relevante. Pode-se formular, com todos os inúmeros manuais de lógica formal: para a ocorrência de A, deve ser um B.

            A técnica da imperatividade resulta em norma que determina a ocorrência de algo, a adoção de uma conduta, a realização de um pagamento, pura e simplesmente. Não é ausente de sanção, como pode superficialmente parecer. Trata-se apenas de um modelo em que não há necessariamente um suposto anterior, cuja ocorrência enseja a prescrição.

            A norma tributária é a consagração da heteronomia. Ninguém será indagado, caso se veja praticando um fato gerador (realizando a hipótese de incidência ou praticando um fato jurígeno, em outras terminologias) se quer pagar o tributo decorrente. A vontade do sujeito passivo tributário não importa para a caracterização do seu dever jurídico de pagar soma em dinheiro ao estado. Esse ponto é bastante útil para deixar claro o cuidado que se deve ter com as analogias penais, onde a vontade de realizar a conduta é deveras relevante.

            Aqui, vale a vontade estatal, sujeita a condicionantes e limitações previamente ajustadas em âmbito constitucional, no sentido de obter ingressos em dinheiro para pagar suas várias despesas e custear diretamente algumas atuações suas. A norma imputa o dever de pagar uma vez realizado materialmente o chamado fato gerador, descrito de forma típica.


Obrigação tributária acessória

            Transcrevem-se, adiante, os arts. 113 e 115 do CTN, que prevêem e definem as obrigações tributárias, o primeiro, e o fato gerador da acessória, o segundo:

            "Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

            § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

            § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

            § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária."

            "Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal."

            O art.115 acima transcrito fala de uma inexistência, pois a obrigação acessória não tem fato gerador. A lei, isso é certo, impõe certos deveres de fazer ou não fazer, no interesse e conveniência da administração tributária. Um fato abstratamente previsto na lei, pode se considerar, uma vez materializado, gerador do dever de pagar tributo. O mesmo fato, contudo, não pode ser gerador de duas obrigações, uma principal, outra acessória.

            A própria acessoriedade deve ser vista com cuidado, na medida em que não significa existência dependente da obrigação de pagar tributo. Pode-se observar, por exemplo, a obrigação acessória estabelecida no art. 32, IV, da lei nº 8.212/91, no interesse da arrecadação e fiscalização de contribuições previdenciárias destinadas ao INSS.

            O art. 34, IV, da lei mencionada acima, obriga a empresa a informar mensalmente, por meio de documento definido em regulamento, a ocorrência de fatos geradores e outras informações de interesse do INSS. Então, mesmo que não ocorram fatos geradores de contribuições previdenciárias, haverá obrigação acessória de prestar as outras informações que interessarem a autarquia. Evidencia de desnecessidade de fato gerador para imposição legal direta de dever jurídico.

            As obrigações acessórias não se estabelecem mediante normas de imputação, em que um dever se impõe se preenchido certo molde típico, como acontece com as principais. A lei impõe o dever jurídico imperativamente. Descumprida a obrigação acessória, incide a sanção da multa pecuniária.

            Entra em cena a transformação mágica prevista no § 3º, do art. 113, do CTN. A norma diz que a acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária. Tudo indica que sucede diversamente e que o legislador quis dizer outra coisa.

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            A lei impõe ao sujeito passivo da acessória que faça ou não faça algo. Descumprido o dever jurídico, aplica-se-lhe uma multa, penalidade pecuniária que não tem, obviamente, natureza tributária. O código define com rara felicidade tributo, no art. 3º. Diz que não se trata de sanção por ato ilícito.

            Ora, o descumprimento de um dever jurídico, estabelecido em lei nos interesses da administração fiscal, é ato ilícito. Não se aprofundarão considerações sobre a natureza do ilícito, na medida em que é noção razoavelmente clara para o que nos interessa por hora. Ilícito é o que é contrário ao direito e, descumprir um comando legal é contrário ao direito, evidentemente.

            Então, sendo a multa penalidade pecuniária e, por conseguinte, sanção por ato ilícito, não é evidentemente tributo. A conversão afirmada no § 3º do art. 113 é ontologicamente inviável, porque implicaria, ou que a multa deixasse de ser penalidade, ou que o tributo fosse cobrança por ato ilícito.

            A conformação da situação indica que o legislador pretendeu apenas dar à cobrança da multa o rito de cobrança do tributo, considerando-se que se inscrevem ambos na categoria de crédito público. Mas, se foi isso que pretendeu, não o disse corretamente, nem claramente.

            Quando se lêem os arts. 113 e 114, sem uma crítica mais detida, pode-se chegar à extravagante conclusão de que o ilícito que é o descumprimento da acessória configura extamente fato gerador da principal cujo conteúdo é pagar multa. Obviamente, não é disso que se trata.

            A multa não tem propriamente fato gerador. É uma punição por descumprimento de imposição legal de um fazer ou não fazer e não tem natureza tributária. Portanto, tratando-se de obrigação acessória, mesmo que se fique com essa terminologia, é melhor purgar de sua análise a idéia de fato gerador, evitando-se conclusões absurdas.


Conclusões

            Em âmbito técnico jurídico, em que se adotam conceitos referidos por termos apropriados pela linguagem jurídica, não é preciosismo vazio buscar precisão conceitual e terminológica. No caso da chamada obrigação acessória, o legislador abriu caminho para confusões e interpretações variadas, o que não é conveniente do ponto de vista da técnica legislativa.

            Mas, o que ocorre realmente e, talvez, o que o legislador queria dizer, é possível descobrir e expor sistematicamente.

            Enfim, os deveres jurídicos estabelecidos no art. 113, § 2º, do CTN, não implicam um liame jurídico entre dois sujeitos, não veiculam um conteúdo creditício e, por isso, não são obrigações. Por outro lado, podem existir sem uma respectiva obrigação principal e, consequentemente, tampouco são acessórias.

            Trata-se de dever de fazer ou abster-se de algo, imposto unilateralmente e incondicionadamente pelo legislador, no interesse da administração fiscal. Seu descumprimento importa aplicação de multa sancionadora, que é cobrada como se fosse tributo.

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Sobre o autor
Andrei Lapa de Barros Correia

procurador federal em Campina Grande (PB), lotado no órgão de arrecadação da Procuradoria Geral da Fazenda

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREIA, Andrei Lapa Barros. As imprecisões sobre obrigação tributária acessória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8891. Acesso em: 24 nov. 2024.

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