Direitos sucessórios do nascituro à luz do Código Civil brasileiro

10/03/2021 às 15:59
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Verifica-se que o nascituro vem sendo cada vez mais reconhecido dentro do direito civil brasileiro, adquirindo personalidade jurídica e capacidade, mesmo dentro do útero materno.

RESUMO: Pode-se verificar que o nascituro vem sendo cada vez mais reconhecido dentro do Direito Civil Brasileiro, adquirindo personalidade jurídica e capacidade civil, mesmo que ainda dentro do útero materno, de modo que a aquisição da personalidade jurídica acarreta na obtenção da capacidade civil, uma vez que uma deriva da outra e decorre da maior extensão de seus direitos. A discussão somente se dá em relação ao momento que este instituto adquire tal personalidade e qual a sua prerrogativa, havendo diversas correntes que apresentam os mais contraditórios entendimentos sobre o tema. Ainda, deve ser aberto espaço para a abordagem a respeito das formas de reprodução assistida, abrangendo inclusive a póstuma, que se dá quando a mulher utiliza material genético deixado pelo esposo para geração de filhos após sua morte, desde que exista expressa autorização do falecido, entendimento este que também apresenta correntes adversas. Havendo esse entendimento a respeito das formas de reprodução e do momento da aquisição da personalidade jurídica, bem como capacidade civil, deve-se passar ao estudo do direito sucessório, quando do falecimento do genitor, vez que existindo expectativa de direitos em relação à perspectiva existencial do nascituro, considera-se este ser como possuidor de direitos sucessórios, devendo ser tratado como herdeiro legítimo. Percebe-se que o direito sucessório possui um olhar clínico perante os herdeiros, um olhar tão somente patrimonial, o que deve ser superado nos dias atuais, pois imprescindível a releitura do direito sucessório perante a existência, vez que a sucessão não é tão somente ligada a herança patrimonial e sim a herança genética. 

Palavras-chave: Nascituro. Sucessão. Reprodução.


INTRODUÇÃO

O nascituro vem cada vez mais ganhando espaço no Direito Civil Brasileiro, adquirindo ao longo do tempo não só reconhecimento dentro do ordenamento jurídico pátrio, como também personalidade jurídica e, ainda, capacidade civil. Há de se falar muito ainda em qual momento se dá a prerrogativa da personalidade, pois existem várias correntes que divergem sobre o tema, apresentando conhecimentos e entendimentos diversos sobre o assunto.

Deve-se levar em consideração que o nascituro, mesmo que não reconhecida sua personalidade jurídica, já é sujeito de direito, pois possui o status de filho, garantindo à sua genitora o direito de pleitear alimentos gravídicos em prol de seu sadio desenvolvimento.

Desse modo, o primeiro desmembramento do presente trabalho aborda a personalidade jurídica das pessoas naturais, abrangendo as diversas correntes majoritárias que trazem ao Direito entendimentos concernentes ao nascituro e sua personalidade jurídica, bem como capacidade civil.

Ainda, devemos não só nos atentar à personalidade do nascituro, como também a sua concepção, de modo que o segundo capítulo nos revela as diversas formas de reprodução humana assistida, compreendendo, inclusive, a reprodução póstuma.

Por fim, após todo o arrazoado acima descrito, há de se falar em direito sucessório, não somente do nascituro, tema em comento, como também da pessoa que detém mera expectativa de direitos com a sua perspectiva existencial, trazendo à baila as formas de sucessões concernentes aos casos exemplificados e os entendimentos dos tribunais.

Nesse sentido, abordam-se as formas de reprodução do nascituro, sua personalidade jurídica e capacidade civil, bem como os seus direitos sucessórios, quando do falecimento de seu genitor.

1.      DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS PESSOAS NATURAIS

É sabido que a personalidade jurídica da pessoa é adquirida a partir do início e segue até o fim de sua existência pós natal, desse modo, não é diferente para o nascituro, que possui personalidade jurídica, apesar de estar ainda no ventre materno.

Ocorre que, há diferenças entre personalidade jurídica e capacidade civil, visto que a primeira, na terminologia jurídica, é a aptidão para ser sujeito ou titular de direitos, ou seja, todo o sujeito de direito é pessoa e toda pessoa é sujeito de direito. Já a capacidade, apresenta-se como a maior ou menor extensão dos direitos de pessoa, uma vez que todos os homens são igualmente vistos como pessoa humana, mas nem todos possuem igual capacidade.

Para Wald (1997, p. 25) existe uma diferença entre personalidade jurídica e capacidade civil, a primeira deriva de um conjunto de situações que possuem significado jurídico que passa a fazer-lhe respeito, já a segunda, decorre da maior ou da menor extensão dos direitos da pessoa.

Desse modo, verifica-se que o nascituro, que é aquele que está para nascer, ou seja, um feto, possui certa capacidade de direito, porém não apresenta capacidade de fato ou de exercício, conforme explica e dá exemplo Rubens Limongi França (1980, p. 149):

Capacidade de fato ou de exercício é a faculdade que tem a pessoa, por si mesma, de levar a efeito o uso e gozo dos diversos direitos. Ex.: o nascituro é capaz de direito para assumir obrigações, mas não é capaz de fato para fazê-lo por determinação própria.

Partindo dessa premissa, entende-se que o nascituro possui personalidade jurídica, apresentando limitada capacidade de direito, uma vez que necessita de um representante legal, seja seu genitor, genitora ou curador ao ventre, para exercer direitos que lhe são reconhecidos.

De se ressaltar que Alexandre Marlon da Silva Alberton (2001, p. 28) traz a existência de três correntes doutrinárias que arriscam em explicar a personalidade do nascituro: a teoria natalista, a teoria concepcionista e a teoria da personalidade condicionada.

A teoria natalista afirma que o nascituro é um ente concebido ainda não nascido, desprovido assim, de personalidade. Nesse entendimento o nascituro ainda não é pessoa, gozando apenas de expectativas de direitos, uma vez que a personalidade jurídica só é adquirida no momento do nascimento com vida. Essa teoria era adotada no Código Civil de 1916, e por ser considerada majoritária, ainda persiste até os dias atuais, conforme se pode verificar na primeira parte do art. 2º, do Código Civil Brasileiro de 2002:

Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Desse modo, Fernando Simas Filho (1998, p. 45) explica que se entende por nascimento com vida, quando o recém-nascido profere sua primeira respiração. Nesta senda, o nascituro possui apenas expectativa de direitos, por não ser considerado pessoa.

Corroborando essa teoria, temos os ensinamentos de Pontes de Miranda (1983, p. 162-163):

A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (art. 2º). No útero, a criança não é pessoa, se não nasce viva, nunca adquiriu direitos, nem pode ter sido sujeito de direito (nunca foi pessoa). Todavia, entre a concepção e o nascimento, o ser vivo pode achar-se em situação tal que se tem de esperar o nascimento para se saber se algum direito, pretensão, ação, ou exceção lhe deveria ter ido. Quando se consuma, a personalidade começa.

Desse modo, verifica-se que para os natalistas a vida de uma pessoa já nascida prevalece frente à vida de uma pessoa que está para nascer.

No mais, conforme se verifica na segunda parte do art. 2º do Código Civil Brasileiro, existe outra corrente doutrinária, a teoria concepcionista. Nesta, é reconhecido o nascituro como pessoa para efeitos patrimoniais e extra patrimoniais desde a sua concepção, vez que a personalidade jurídica é adquirida desde esse momento.

Ante essa teoria, posiciona-se a Desembargadora Liége Puricelli Pires (TJRS, 2015), a respeito de que o nascituro, apesar de ainda se encontrar no útero materno, deve ser considerado como uma pessoa em formação, visto o crescente surgimento de direitos à pessoa natural, destacando:

Após refletir sobre o tema, firmei entendimento no sentido de acompanhar a segunda corrente, a concepcionista, e isso por algumas razões fundamentais.

Primeiro porque, em que pese não desconhecer a doutrina majoritária sobre o tema, a qual adota a teoria natalista em razão de uma aplicação literal do art. 2º do Código Civil de 2002, me parece indubitável a concretização de uma tendência de migração para a segunda corrente, reconhecendo o status de pessoa “em formação” ao nascituro, o que não o desqualifica enquanto pessoa humana. Tal constatação é facilmente perceptível ao se observar a crescente positivação de direitos tipicamente reconhecidos à pessoa natural, e que cada vez mais vêm sendo estendidos ao indivíduo em gestação uterina.

De outra banda, ao lado dessa evolução legislativa e doutrinária à luz da teoria concepcionista, ainda que de forma rudimentar, vale ressaltar que o Supremo Tribunal de Justiça, em recente decisão, em agosto de 2008, reconheceu ao nascituro o direito de ser indenizado, ante o conceito de que o dano moral configura-se de uma violação a um direito de personalidade, vejamos:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FILHO NASCITURO. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. DIES A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA FIXAÇÃO PELO JUIZ. JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO DANOSO. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO CONFIGURDA A MÁ-FÉ DA PARTE E OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE DANO. DESNECESSIDADE. Impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão. (...)

De forma geral, os concepcionistas defendem que o nascituro, sendo titular de direitos, deve ser considerado como pessoa pela ordem jurídica, uma vez que em torno dele existe certa proteção jurídica.

No mais, Alexandre Marlon da Silva Alberton (2001, p. 45) explica que a terceira teoria a respeito do tema em comento, a da personalidade condicionada, reconhece a personalidade do nascituro, desde a sua concepção, com a prerrogativa condicionada de que os direitos inerentes à personalidade só estão garantidos com o nascimento com vida.

Esse entendimento constitui a corrente adotada por Clóvis Bevilácqua (Art. 3º do Projeto do Código Civil de 1916), “a personalidade civil do ser humano começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida”.

Entretanto, a respeito dessa afirmativa, contrapõe Guaraci de Campos Vianna (1996, p. 301):

A adoção da teoria condicional, preconizada por Clóvis Bevilácqua, segundo a qual a personalidade existiria desde a concepção, mas sob a condição do nascimento com vida não se mostra adequada. A vida é privilegiada desde a concepção e a personalidade também.

Da mesma forma, diverso é o entendimento de Silmara J. A. Chinelato e Almeida (1992, p. 22), de que embora esses entendimentos doutrinários tenham se aproximado bastante da teoria concepcionista, deixa margem a indagações a respeito do direito de personalidade, dentre os quais estão o direito à vida e direitos absolutos incondicionais que não são dependentes do nascimento com vida.

Portanto, para os simpatizantes da teoria da personalidade condicionada, não existirá aquisição da personalidade sem o evento vivamus nativitate, restando ao nascituro a proteção da lei, que lhe garante direitos personalíssimos e patrimoniais, sujeitos a condição suspensiva.

Verifica-se para análise empírica que essa última teoria analisada é uma corrente intermediária entre a teoria natalista e a concepcionista, aproximando-se bastante desta última.

No mais, a atribuição do status de filho confirma que a personalidade do nascituro existe desde a concepção e independe do nascimento, já que o status, ao lado da capacidade, da sede e de seus direitos específicos, chamados direitos da personalidade, constitui um dos atributos da personalidade.

É o que se verifica na Lei 11.804/2008, que traz ao ordenamento jurídico os alimentos gravídicos e que muito embora se entenda como direito da genitora a alimentos durante sua gestação, há entendimentos do Tribunal de Justiça do Estado que corroboram a finalidade da referida lei, como sendo proporcionar ao nascituro seu sadio desenvolvimento. Vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. POSSIBILIDADE, NO CASO. REDUÇÃO DA VERBA ALIMENTAR. DESCABIMENTO. 1. O requisito exigido para a concessão dos alimentos gravídicos, qual seja, "indícios de paternidade", nos termos do art. 6º da Lei nº 11.804/08, deve ser examinado, em sede de cognição sumária, sem muito rigorismo, tendo em vista a dificuldade na comprovação do alegado vínculo de parentesco já no momento do ajuizamento da ação, sob pena de não se atender à finalidade da lei, que é proporcionar ao nascituro seu sadio desenvolvimento. 2. No caso, considerando os exames médicos que comprovam a gestação e as mensagens trocadas pelas partes dando conta do relacionamento amoroso das partes no período concomitante à concepção, há plausibilidade na indicação de paternidade realizada pela agravada, restando autorizado o deferimento dos alimentos gravídicos, em 30% do salário mínimo, patamar que não representa qualquer sorte de demasia, devendo ser mantido. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70067923573, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 31/03/2016) (Grifei)

Ademais, o princípio da dignidade da pessoa humana assegura o direito à dignidade a todas as pessoas e se relaciona diretamente com o direito à vida, conforme preconiza o art. 5º da Constituição Federal. E, ao nascituro, esse direito também lhe é assegurado, apesar do feto não ser ainda considerado pessoa humana, tampouco detenha personalidade jurídica, lhe é garantido esse direito ainda no útero materno.

Apoiando esse direito ao nascituro, Paulo Gomes de Lima Júnior e Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão (2010, p. 27), discorrem que esse princípio é a principal proteção que possui o nascituro, devendo abranger diversos sistemas norteadores ao sadio desenvolvimento e o mínimo de dignidade:

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O nascituro deve ser protegido em todo ordenamento jurídico e cabe ao Princípio da dignidade da pessoa humana garantir que esta vida tenha condições de se desenvolver. Várias são as proteções ao direito do nascituro, tais proteções estão positivadas no ordenamento jurídico, dessa forma cabe a tal princípio proteger e garantir uma vida digna a este ser que não tem voz. O Estado possui a função de garantir o tratamento igualitário a todos os seres humanos, não é possível dizer que o nascituro não é um ser humano levando em conta apenas o estagio de seu desenvolvimento. A dignidade da pessoa humana é a principal proteção que possui o nascituro, esta proteção deve abranger o direito a saúde, a vida e o desenvolvimento saudável, sendo este considerado o mínimo de dignidade protegida ao nascituro.

Nesse mesmo sentido, Pedro Augustin Adamy (2011, p. 149) defende que o princípio da dignidade da pessoa humana coloca o ser humano no centro de toda ordem jurídico-constitucional, visto que ele é um fundamento de valor constitucional máximo, não aceitando que a pessoa seja reduzida a termo, objeto ou meio para obtenção de outras finalidades.

Ademais, Ernst-Wolfgang Böckenförde (2008, p. 68) resguarda que “se ao embrião humano é atribuída a proteção da dignidade humana e, por consequência, também o reconhecimento do direito à vida, isso não decorre nem de uma dependência de um fundamentalismo ontológico, nem do fato de um embrião de dezesseis ou dezoito células já pode ser qualificado empiricamente como pessoa”.

Ainda, o referido doutrinador afirma que é extremamente decisivo que os entendimentos do princípio da dignidade da pessoa humana sejam reconhecidos e pronunciados pela Constituição, de modo que envolva desde os primeiros momentos de vida do feto, conforme exposto abaixo (2008, p. 68):

Torna-se decisivo que o conteúdo normativo da dignidade da pessoa humana, reconhecido e pronunciado pela Lei Fundamental, não seja restringido arbitrariamente, mas, pelo contrário, abranja os primeiros instantes da vida de todo homem, estendendo a proteção da dignidade a esta etapa do processo vital. Por ser o embrião humano também abrangido pela proteção da dignidade humana em sua fase de vida prematura e inicial, ele deve, pois, ser considerado e tratado como titular de dignidade humana e do direito à vida.

Por fim, conclui-se que apesar dos diversos entendimentos acerca da personalidade jurídica do nascituro e suas variadas formas, bem como direitos, o entendimento predominante em nosso ordenamento jurídico é aquele que só prevê a personalidade do nascituro a partir de seu nascimento com vida, pois enquanto encontra-se no estado de feto, apenas possui expectativa de direitos.

2.  DA REPRODUÇÃO HUMANA PÓSTUMA

Entende-se como reprodução humana póstuma a fertilização artificial, que pode ocorrer por meio de inseminação intrauterina ou por fertilização in vitro e tem como resultado o nascimento de filhos após o falecimento de seu genitor (POLARINI, 2012, p. 85).

O Estatuto do Nascituro (Projeto de Lei nº 478/2007), em seu artigo 2º, parágrafo único, traz o conceito de nascituro e expõe as formas de reprodução aceitos, vejamos:

Art. 2º Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido.

Parágrafo único. O conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos “in vitro”, os produzidos através de clonagem ou por outro meio científico eticamente aceito.

Porém, para que seja realizada e satisfaça os desejos do casal, é imprescindível que, ao momento da morte, exista material genético (sêmen ou óvulos) ou, ainda, embriões congelados e armazenados com a finalidade específica da reprodução.

Compulsando o Código Civil de 2002, verifica-se que seu artigo 1.597 traz em seus incisos três formas de originar-se uma filiação através de fertilização artificial, vejamos:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga.

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Desse modo, verifica-se a existência de dois tipos de reprodução humana póstuma: a homóloga e a heteróloga.

A reprodução homóloga é aquela que não precisa de autorização expressa do marido e apresenta-se nos incisos III, como “inseminação ou fecundação póstuma” e, IV, como “implantação ou transferência embriorária póstuma”, é o que explica Giovana Meire Polarini (2014, p. 85):

Assim essa nova forma de originar a filiação é uma medida de exceção, e pode se efetivar de três maneiras: (i) a fusão dos gametas masculinos e femininos se dá in vitro, após a morte do genitor, sendo posteriormente transferido ao útero materno para desenvolvimento, já na condição de embrião. Esta ... é denominada de fecundação póstuma (CC, art. 1.597,III); (ii) os espermatozóides do falecido são introduzidos diretamente no canal vaginal da supérstite e, a partir de então, a natureza segue seu curso natural, promovendo a fusão dos gametas, a formação e o desenvolvimento do embrião até o seu .... Neste caso, ocorre a inseminação póstuma (CC, art. 1.597, III); e, ... os embriões congelados em vida pelo casal, com a morte, são implantados no útero da viúva, onde terão desenvolvimento para originar um novo ... Esta hipóstese denomina-se implantação ou transferência embrionária póstuma (CC, art. 1.597, IV).

Todavia, o enunciado nº 126 do Conselho Nacional da Justiça Federal traz uma proposta de alteração das expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial” apresentadas nos incisos III, IV, V do art. 1.579 do Código Civil, para “técnica de reprodução assistida”, sob a justificativa de que “as técnicas de reprodução assistida são basicamente de duas ordens: aquelas pelas quais a fecundação ocorre in vivo, ou seja, no próprio organismo feminino e aquelas pelas quais a fecundação ocorre in vitro, ou seja, fora do organismo feminino, após o recolhimento dos gametas masculino e feminino”.

Contudo, este tipo de reprodução é o que vem gerando diversos debates, pois o falecimento do marido não enseja que ele tenha expressamente autorizado a realização da inseminação, mesmo que tenha disponibilizado o sêmen, necessitando de uma declaração onde há a autorização de seu material genético após a sua morte. Este entendimento é corroborado por Maria Berenice Dias (2015, p. 400):

O permissivo legal não significa que a prática da inseminação ou fertilização in vitro post mortem seja autorizada ou estimulada. Ainda que o cônjuge tenha fornecido o sêmen, não há como presumir o consentimento para a inseminação depois de sua morte.

Do mesmo modo, o Conselho Federal de Medicina apresentou a Resolução nº 2.121/2015, que dispõe sobre a reprodução humana assistida no viés do Direito de Família e Sucessões, dispondo em seu inciso VIII sobre a possibilidade de realização da reprodução humana assistida post mortem, desde que previamente autorizada pelo falecido, vejamos:

VIII - REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST-MORTEM

É permitida a reprodução assistida post-mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.

Neste diapasão, o Conselho Nacional da Justiça Federal defende em seu enunciado nº 106 o pensamento exposto acima, de modo que para prever a paternidade do extinto é necessário que este tenha deixado autorização escrita, bem como a esposa esteja na condição de viúva, conforme transcrito abaixo:

Art. 1.597, III: para ser presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.

Já a reprodução humana heteróloga apresenta-se como um dos tipos de fecundação artificial e ocorre quando o marido concorda que sua mulher se submeta ao procedimento reprodutivo com a utilização de sêmen a ser doado por uma terceira pessoa (LOBO, 2004, p. 509).

Essa anuência do cônjuge é correspondente a uma adoção antenatal, revelando o seu desejo de ser pai, afastando assim, qualquer possibilidade da filiação ser impugnada, preceituando nesse sentido Maria Berenice Dias (2015, p. 402/403):

A manifestação do cônjuge corresponde a uma adoção antenatal, pois revela, sem possibilidade de retratação, o desejo de ser pai. Ao contrário das demais hipóteses, a fecundação heteróloga gera presunção juris et de jure, pois não há possibilidade de a filiação ser impugnada. Trata-se de presunção absoluta de paternidade socioafetiva.

Do mesmo modo, Paulo Luiz Netto Lobo (2004, p. 509) defende que a “tutela legal desse tipo de concepção vem fortalecer a natureza fundamentalmente socioafetiva, e não biológica, da filiação e da paternidade”, uma vez que autorizada a inseminação não há de se falar em negatória de paternidade, em razão da genética, tampouco, ser admitida ação de investigação de paternidade, sob o mesmo preceito.

Corroborando esses entendimentos, o Conselho Nacional da Justiça Federal, em seu enunciado nº 258, veda o cabimento da ação prevista no artigo 1.601, do Código Civil, quando a filiação tiver origem em “procriação assistida heteróloga”, desde que autorizada pelo marido, cuja paternidade configura presunção absoluta.

Ainda, o Conselho Nacional da Justiça Federal, apresentou proposta para inclusão de um novo artigo no Código Civil (enunciado nº 129), garantindo a presunção da maternidade pela gestação, ou seja, quando forem utilizadas as formas de reprodução assistida, a maternidade será estabelecida em favor daquela que cedeu o material genético. Essa proposta tem como justificativa o tratamento igualitário às mulheres estéreis, visto que o artigo 1.597 contempla o homem estéril ou infértil de utilizar os meios de reprodução heteróloga para sanar sua deficiência reprodutiva.

Polarini aborda as principais controvérsias a respeito da reprodução humana póstuma, a começar pela constituição voluntária de famílias monoparentais, que apresentam contestações, visto que essa questão vai na contramão do que todos crescerem acreditando: uma família deve ter pai e mãe para poder gerar os filhos. Já a família monoparental se apresenta de forma que um dos genitores desenvolve filhos através de reproduções assistidas. Outro ponto, é que a viúva precisa viver seu luto, visto que a reprodução humana póstuma seria para ela somente uma forma de superação desse estado de tristeza, pois acabaria projetando a figura eterna do de cujus em um filho. No mais, o descompasso entre tempo e espaço modificaria a ordem cronológica da cadeia de gerações e parentesco, podendo comprometer a sucessão. Por fim e mais importante é a questão da segurança jurídica, pois verifica-se haver certa ausência de legislação que regulamente a reprodução humana póstuma, bem como sua prática e reflexos éticos-jurídicos (2014, p. 88).

Coadunando com o acima exposto, Cristiano Colombo expõe que ainda existem pontos cruciais a serem reformados a respeito da reprodução humana póstuma, quais sejam (2014, p. 108):

A uma, em nome do princípio da segurança jurídica, e, confiança nas relações jurídicas, haveria de se pacificar a necessidade ou não de autorização por escrito por parte do falecido para a inseminação póstuma; A duas, a partir da análise da legislação brasileira, depreende-se que não há período mínimo, nem máximo para a realização do procedimento, após a morte do falecido, e, neste sentido, isto deveria ser fixado, inclusive, devendo ser proposto o período mínimo, em que não se poderia realizar a inseminação, dada a necessidade de maior reflexão da viúva; A três, o estabelecimento de políticas públicas, com a obrigatoriedade de acompanhamento psicológico da mãe e filho concebido póstumo, a fim de que fosse trabalhado o luto adulto e o luto infantil; A quatro, o tratamento acerca do direito sucessório.

Ademais, Garieri nos mostra que a legislação atual, bem como as normas não caminham ao compasso dos surgimentos das novas famílias e formas de reprodução, resguardando “resquícios  preconceituosos da família do século passado, patriarcal, matrimonializada e heterossexual, em completa dissonância com a estrutura social contemporânea” (2013, p. 82).

Percebe-se que no Brasil, até o momento, não existe legislação específica sobre a reprodução assistida, encontrando-se em tramitação diversos Projetos de Lei sobre o assunto, todavia, nunca chegaram a termo, deixando a responsabilidade para o Conselho Federal de Medicina que apenas apresentam resoluções sobre o tema, não possuindo efeitos erga omnes, somente questões de natureza ética, conforme relata José Hiran da Silva Gallo “age sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da obediência aos princípios éticos e bioéticos, que ajudarão a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos” (2015, p. 08).

Regina Beatriz Tavares da Silva (2014, p. 53) traz a análise de duas correntes sobre a regulamentação legal das técnicas de reprodução assistida, sendo uma contrária e a “outra que é favorável à regulamentação por lei geral e não somente deontológica das técnicas de reprodução assistida”.

A corrente contrária é defendida por Fernando Araújo (1999, p. 7-8) que encontra respaldo na Constituição Portuguesa, que resguarda “o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar”, inexistindo a intervenção estatal, sendo uma questão que deve ser tratada como privada.

Por outro lado, Guilherme de Oliveira (1999, p. 7) expõe que a criação de leis para a normatização dessas técnicas não deve eximir o Estado de intervenção, visto que se trata de interesses gerais, no qual se deve prevalecer a consciência pública, não rejeitando a privacidade da utilização dos meios de reprodução assistida.

Por fim, Maria Helena Diniz (2008, p. 520-603) aponta a necessidade da regulamentação das técnicas de reprodução assistida, vejamos:

Enquanto não advier a legislação regulamentadora da reprodução assistida, prevaleceria, segundo alguns autores, o princípio de que tudo aquilo que não está proibido está permitido, deixando os cientistas da área biomédica com grandes possibilidades de ação na área da embriologia e da engenharia genética.

Por isso, urge regulamentar a fecundação humana assistida, minuciosamente, restringindo-a na medida do possível, porque gerar um filho não é uma questão meramente laboratorial.

Diante de todas essas premissas, a eficácia e temática da reprodução humana póstuma apresentam-se bastante complexas e controvertidas, vez que há um longo caminho a percorrer até que ocorra a tutela dos direitos sucessórios perante essa filiação que surge com a biotecnologia e a modernidade, reconhecendo assim, a condição do nascituro de filho, bem como de herdeiro legítimo.

3. DIREITO SUCESSÓRIO A PARTIR DA PERSPECTIVA EXISTENCIAL

A sociedade é uma evolução e adaptação aos costumes que vão se sobrepondo com o tempo. Nos tempos hodiernos, o fim que era almejado pelo antigo Código Civil tornou-se desgastado, pois a garantia do patrimônio não conseguiu acompanhar as crescentes legislações especiais que iam surgindo.

Partindo dessa premissa, Andréa Rodrigues Amin traz um resumo sucinto da evolução da sociedade até a modernização do Código Civil atual, abordando mudanças de paradigmas e defendendo interesses em relação ao nascituro (2015, p. 79):

A garantia do patrimônio era o fim almejado no antigo Código, considerado durante vasto tempo como a constituição do direito privado. Essa designação foi se mostrando desgastada diante da crescente legislação especial que melhor atendia às necessidades da sociedade moderna. A chamada “crise do direito civil” levou o direito comum a buscar sua unidade na Constituição da República, fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico. Esse movimento foi batizado de constitucionalização do direito civil, cujo principal reflexo foi a mudança de paradigma substituindo-se o tradicional individualismo patrimonialista pela função social do sistema, fundada na dignidade da pessoa humana. Salvaguardar interesses do nascituro, sem lhe conferir personalidade, é limitar sua tutela aos direitos de ordem patrimonial, sem lhe assegurar durante sua vida intrauterina a gama de direitos formadora dos direitos da personalidade que hoje refletem a dignidade preconizada na Carta Constitucional.

Do mesmo modo, Cristiano Chaves de Farias (2005, p. 183) defende que o que reveste todo o ordenamento brasileiro é o valor da pessoa humana, que deve ser estendido a todos os seres humanos, sejam eles nascidos ou em desenvolvimento no útero materno, não havendo limitação da cláusula constitucional de proteção à vida em relação somente ao que já nasceram.

Vale ressaltar que vários dispositivos legais dispõem sobre os direitos do nascituro, respeitando à sua pessoa, é o caso do artigo 1.609, do Código Civil de 2002, que traz em seu parágrafo único o reconhecimento da filiação do nascituro, quando da morte de seu genitor.

Ainda, o artigo 1.779 do Código Civil de 2002, trata da nomeação de curador ao nascituro, quando da morte da morte de seu genitor e a mulher não apresentar o poder familiar perante a criança que vai nascer e o artigo 542, do mesmo diploma legal, permite ao nascituro ser donatário.

No mais, salienta-se que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida também como Pacto de São José da Costa Rica, o qual reconhece os direitos essenciais do homem derivados de atributos da pessoa humana. Da mesma forma, é reconhecido o direito do nascituro à vida no art. 4º, vejamos:

Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

De outra banda, encontra-se em tramitação o Projeto de Lei nº 478/2007, conhecido como Estatuto do Nascituro, de autoria dos Deputados Luiz Bassuma e Miguel Martini, que reconhece a natureza humana do nascituro desde sua concepção, conferindo-lhe direitos fundamentais, a despeito de estabelecer que sua personalidade seja adquirida quando do nascimento com vida, é o que preceitua o artigo 3º da referida lei, conforme descrita abaixo:

Art. 3º O nascituro adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção, conferindo-lhe proteção jurídica através deste estatuto e da lei civil e penal.

Parágrafo único. O nascituro goza de expectativa do direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem e de todos os demais direitos da personalidade.

Apesar do dever de resguardar todos esses direitos à criança que vai nascer, Cristiano Colombo atenta para que seja expressamente implementado o princípio do melhor interesse da criança, visto que mesmo tendo sido gerada por um procedimento de inseminação, deve haver abrangência em sua proteção, diante de sua vulnerabilidade, fraqueza e, principalmente, porque encontra-se em fase de formação de sua personalidade (2014, p. 101).

Como já exposto acima, o nascituro adquire personalidade jurídica a partir de sua concepção embrionária, mas para possuir capacidade sucessória perante herança de seu pai falecido, é necessário estar nascido ou ter sido concebido até o momento da abertura da sucessão, conforme disposto no artigo 1.798, do Código Civil de 2002:

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

Já o Estatuto do Nascituro (Projeto de Lei nº 478/2007), traz em seu artigo 17 a segurança que o nascituro tem para suceder, bem como sua legitimidade perante a sucessão.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entende que mesmo já tendo sido aberta a sucessão e atos já tenham sido realizados, os direitos sucessórios do nascituro devem ser assegurados, vejamos:

AGRAVO INTERNO. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. AÇÃO ANULATÓRIA. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS ANTERIOR AO RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE. DIREITOS DO NASCITURO A SEREM ASSEGURADOS. Ainda que tenha nascido em data posterior ao ato, o agravado tem seus direitos assegurados por lei, na condição de nascituro, na forma do artigo 2º do CCB. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70057748634, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 18/12/2013)

Assim, Marcelo Truzzi Otero (2014, p. 11) explica que a legítima do herdeiro representa sua tutela e deve ser analisada e compreendida sob seus interesses, e não do autor da herança, assim, adquirindo contornos de norma de ordem pública.

Ainda, Otero (2014, p. 14) traz a necessidade do vínculo mantido entre o herdeiro com o autor da herança, para composição dos quinhões hereditários, respeitando o determinado na Constituição Federal, vejamos:

Em resumo, a situação particular vivenciada pelos herdeiros, as suas necessidades pessoais, as vinculações mantidas com o autor da herança constituem-se parâmetros importantíssimos para a análise da “conveniência” dos herdeiros e para a composição dos quinhões hereditários, tornando, desse modo, o direito sucessório um instrumento executor da tutela existencial dos herdeiros, como determina a Constituição Federal.

De outra banda, asseverada é a discussão a respeito o embrião fecundado no laboratório, que aguarda in vitro a implantação no ventre materno, que para Maria Berenice Dias (2010, p. 363), “já se entende como sujeito de direito”. Ressaltando-se que o embrião ainda não implantado é chamado de pré-implantatório, possuindo direito de personalidade e direito à sucessão.

Muitos doutrinadores divergem sobre o assunto, alegando que ao se falar em pessoa já concebida, não deve haver distinção da concepção havida dentro ou fora do útero, outros ainda, não consideram como nascituro o embrião que não foi ainda implantado no útero materno, bem como não foi concebido. Este entendimento é corroborado por Maria Helena Diniz (2010, p. 363):

Como nascituro significa “o que há de nascer”, e o embrião excedentário, sem a implantação, não tem qualquer possibilidade de nascer, não é razoável considerá-lo como nascituro antes da transferência para o útero materno. Isso seria verdadeira instrumentalização do ser embrionário, agravada na hipótese de eventuais vantagens patrimoniais.

Já Maria Berenice Dias defende que “aquele que está para nascer para o direito já é titular de direitos”, de modo que a obrigação do genitor de prestar alimentos ao filho surge antes mesmo de seu nascimento.

No mais, Daniela Cristina Caspani Garieri (2013, 74) apresenta três correntes doutrinárias que se posicionam frente à legitimidade sucessória dos embriões implantados após o falecimento de um dos genitores. A corrente mais radical é a excludente, chamada assim por não admitir qualquer direito ao filho concebido post mortem e apresentando entendimento de que o nascituro não deve ser legitimado como filho e herdeiro, pois estaria ferindo os princípios da paternidade responsável, já que a criança nasceria órfã.

Nesse segmento, a corrente relativamente excludente defende que o nascituro possui direitos referentes aos vínculos familiares, não apresentando, porém, qualquer direito sucessório. Garieri (2013, p. 75) explica que alguns doutrinadores adeptos dessa corrente admitem a possibilidade do nascituro ser herdeiro testamentário, “na condição de prole eventual”, conforme o art. 1.799, I, do Código Civil de 2002.

Ainda, a teoria inclusiva reconhece que o nascituro é titular de todos os direitos, familiar e sucessório. Garieri (2013, p.75) esclarece que essa teoria se baseia na expressão “mesmo que falecido o marido” contida no inciso III do art. 1.597, III, do Código Civil de 2002, ressaltando que esse entendimento está restrito somente a reprodução assistida homóloga, devendo haver expressa autorização do falecido para a concepção post mortem.

Por fim, para Colombo, estabelecida a filiação do nascituro, chega-se a conclusão de que também deva ser reconhecida a condição de herdeiro legítimo, portanto, havendo relação parental e condição de filho, existe direitos sucessórios, tanto através da interpretação do direito privado, quanto por meio da interpretação do Código Civil, devendo se atentar sempre pela “flexibilização do princípio da coexistência entre antecessor e sucessor” (2014, p. 109).

Diante do exposto, percebe-se que o direito sucessório não permaneceu contrário às transformações impostas à Constituição Federal, mesmo segregado por um caráter extremamente patrimonial, pois, é imprescindível a releitura do direito sucessório através da “existência”, cabendo assim, a todos os mediadores do direito o dever de apreciar o direito sucessório com olhos mais humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme os estudos apresentados, verifica-se que o nascituro é todo aquele ser que está para nascer e que, de certa forma, possui personalidade jurídica, apesar de estar ainda dentro do útero, pois se considera adquirida a personalidade a partir do início de sua existência, ou seja, concepção. Desse modo, uma vez reconhecida a personalidade jurídica do nascituro, acarretará no reconhecimento de sua capacidade civil, visto que uma deriva da outra e decorre da maior extensão de seus direitos.

De outra forma, constata-se que apesar dos diversos entendimentos acerca da personalidade jurídica do nascituro e suas variadas formas, bem como direitos, o entendimento predominante em nosso ordenamento jurídico é aquele que só prevê a personalidade do nascituro a partir de seu nascimento com vida, pois enquanto encontra-se no estado de feto, apenas possui expectativa de direitos.

No mais, diante de todas as premissas apresentadas acerca da reprodução humana assistida, a eficácia e a temática da reprodução póstuma apresentam-se bastante complexas e controvertidas, vez que há um longo caminho a percorrer até que ocorra a tutela dos direitos sucessórios perante essa filiação que surge com a biotecnologia e a modernidade, reconhecendo assim, a condição do nascituro de filho, bem como de herdeiro legítimo.

Por fim, diante do exposto a respeito dos direitos sucessórios do nascituro, percebe-se que o tema evoluiu seguindo as transformações impostas pela Constituição Federal, mesmo segregado por um caráter extremamente patrimonial, pois, é imprescindível a releitura do direito sucessório através do prisma existencial, cabendo assim, a todos os mediadores do direito o dever de vislumbrar o direito sucessório com olhos mais humanos.

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Sobre a autora
Marina Marchesan Pilecco

Formada em Direito pela Universidade da Região da Campanha - Campus Alegrete, em março de 2017.

Informações sobre o texto

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