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A judicialização da política e o ano eleitoral

14/09/2006 às 00:00
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Ano eleitoral é repleto de notícias: candidatos, gastos de campanha, pesquisas eleitorais, debates, propagandas, etc. Nesta eleição, as discussões acaloradas se iniciaram cedo e já foram levadas aos tribunais.

Refiro-me mais precisamente à polêmica sobre a verticalização que, apesar de já estar devidamente consolidada, após posicionamento do Supremo Tribunal Federal, revelou uma interessante – mas não inédita – judicialização da política.

A judicialização, com base na doutrina especializada a respeito, valendo-se dos ensinamentos de cientistas políticos como Alec Stone, Vallinder, Tate, Donald Kommers [01], pode ser contextualizada tanto na expansão da área de atuação das cortes judiciais com a transferência de decisões políticas aos tribunais, como na propagação dos métodos judiciais de decisão para fora das cortes de direitos.

Também se verifica em processos políticos nos quais a jurisprudência constitucional se torna paradigma do processo decisório, uma vez que a ameaça de futuros vetos ou censuras judiciais, com base nos preceitos constitucionais, direciona ou mesmo é capaz de alterar os resultados legislativos.

Mas qual seria a relevância deste fenômeno para as eleições? A pergunta, a princípio, pode levar à seguinte sugestão: nem sempre as questões políticas estão revestidas de discussões eleitorais (pelo menos, é desejável que não o estejam), mas certamente as eleições estão imbuídas essencialmente de política.

É interessante, portanto, notar o traço presente na vivência brasileira da judicialização da política, principalmente quando a relação e o limite entre os três poderes ficam tão sensíveis, como notoriamente ocorre em ano eleitoral.

Com efeito, a Constituição de 1988 aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira e ampliou o exercício da jurisdição constitucional. Com a constitucionalização, o aumento por demandas na justiça e o desempenho de um papel político do Poder Judiciário, verificou-se a judicialização de questões políticas e sociais que passaram a ter nos tribunais a sua instancia decisória final.

No episódio da verticalização, o STF evidenciou sua vocação de solucionar também crises políticas, neste caso, político-eleitorais.

Sem a pretensão de analisar o acerto ou não do posicionamento da Corte, destaco apenas que o exemplo é interessante, pois releva que mais uma vez o tribunal foi acionado para se manifestar em questões da arena política.

De fato, no início deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral manteve a vinculação das coligações partidárias regionais àquelas formadas para eleições presidenciais, regra esta que deve ser aplicada na eleição de 2006.

O Congresso Nacional, por sua vez e em reação a este entendimento, promulgou a Emenda Constitucional nº 52 (de 8 de março de 2006) que instituía o fim da verticalização ainda neste ano. Com a alteração, o §1º do artigo 17 passou a ter a seguinte redação: "é assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de sus coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária".

Contra esta emenda constitucional, foram impetradas ações diretas de inconstitucionalidade, em que o principal argumento era de que a alteração desobedecia ao artigo 16 da Constitucional, segundo o qual a lei que alterar o processo eleitoral somente terá eficácia na eleição que ocorrer até um ano da data de sua vigência (lembre-se, assim, que a alteração se deu em março do mesmo ano eleitoral).

O Supremo Tribunal Federal, em decisão plenária de 22.3.2006, no julgamento da ADIn 3685, impetrada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por maioria, julgou procedente a ação para fixar que o § 1º, do artigo 17, da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 52, não se aplica às eleições de 2006. Conseqüentemente, remanesce aplicável a esta eleição a redação original do artigo e a regra da verticalização.

O interessante neste episódio (que não é um caso isolado, mas notável em face de sua evidente relevância, polêmica e atualidade) é que a emenda constitucional pareceu representar uma resposta à jurisprudência dos tribunais. E mais, não obstante o Supremo Tribunal Federal ter função política vinculada aos limites de observância à Constituição, de onde advém sua autoridade e seu poder, não se pode deixar de reconhecer que suas decisões têm evidente reflexo político, já que pautam o comportamento do Legislativo e do Executivo.

É certo, assim, que, mesmo quando o Tribunal se manifesta contrariamente aos interesses políticos que o suscitaram, a importância que a oposição ou uma minoria política tiver dispensado ao evento pode alterar a direção do debate político, razão pela qual Donald Kommers lembra que, em qualquer área em que a Corte Constitucional é chamada a se pronunciar – até mesmo quando a política anteriormente adotada é mantida – o Tribunal estabelece regras e pauta de comportamento do legislador, presente e futuro.

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Ou seja, a atuação ostensiva do Poder Judiciário passa a ter papel de controle de poder e, ao exercer o controle de constitucionalidade, acaba até mesmo por negar efeito à norma produzida pelo Poder Executivo e Poder Legislativo. Por conseqüência, não se pode negar que a judicialização da política amplia a análise pelo Poder Judiciário de questões políticas, não significando necessariamente que os juízes decidam por critérios políticos.

É no Supremo Tribunal Federal que se decidirá, em caráter final, se uma lei aprovada pela maioria política, muitas vezes formulada em íntima cooperação entre o Legislativo e o Executivo, é tecnicamente perfeita e apta a ser aplicada, pois, acha-se conforme a Constituição, ou se ela é imperfeita e deve ser suspensa no todo ou em parte, por estar em desacordo com a Constituição.

O Supremo Tribunal Federal acaba se tornando o local em que os partidos políticos, o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o texto constitucional formam uma intersecção com a produção concreta da política que regra a vida da Nação.

De fato, considerando o conturbado início do processo eleitoral, pode-se antever que a judicialização da política já demonstrou ser fenômeno de fácil percepção e que a disputa eleitoral não estará restrita ao ambiente político, mas com clara participação do Poder Judiciário.


Nota

01 A respeito do tema, recomendo a leitura de: KOMMERS, Donald P. The Federal Constitution Court in the German Political System. Comparative Political Studies, v. 26, n. 4, p. 470-491, jan. 1994; TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of Judicial Power: the judicialization of politics. New York: New York University Press, 1995; STONE, Alec. Judging Socialist Reform: the politics of coordinate construction in France and Germany. Comparative Political Studies, v. 26, n. 4, p. 443-469, Jan. 1994 e SHAPIRO, Martin; STONE; Alec. The new constitutional politics of Europe. Comparative Political Studies, v. 26, n. 4, p. 397-420, Jan. 1994.

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Sobre a autora
Janine Malta Massuda

Advogada em Brasília. Mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília - UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASSUDA, Janine Malta. A judicialização da política e o ano eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1170, 14 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8920. Acesso em: 22 nov. 2024.

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