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A ideologia da propriedade intelectual:

a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos patrimoniais de autor

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18/09/2006 às 00:00
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5.A guisa de conclusão

O monopólio do direito de reprodução das obras intelectuais (copyright) surgiu há séculos como instrumento de censura política em uma simbiose dos monarcas com os detentores dos meios de produção. Com o advento do sistema capitalista, este monopólio passou a ser sustentado até os dias de hoje, sob a ideologia da "propriedade intelectual", em benefício dos detentores dos meios de produção, e acabou por constituir verdadeira censura econômica.

O alto valor de livros, CDs, DVDs e de programas de computador é sustentado por uma escassez de obras intelectuais criada artificialmente por um monopólio do direito de cópia concedido pelo Estado aos detentores dos meios de produção. Esta escassez artificial, longe de tutelar os direitos do autor da obra intelectual, beneficia principalmente a "indústria cultural", em detrimento da classe hipossuficiente da população, que é obrigada a escolher entre o consumo de bens de subsistência e de bens culturais e acaba optando impreterivelmente por aqueles. Desta forma, aumenta-se o fosso cultural existente entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos e, internamente, entre os membros de uma elite econômica e cultural e a massa da população fadada ao trabalho braçal, à miséria e à ignorância.

Sob a secular ideologia da "propriedade intelectual", a "indústria cultural" procura desesperadamente justificar a necessidade de uma tutela penal da conduta de "violar direitos de autor". Uma detida análise do bem jurídico tutelado demonstra, no entanto, a nítida dicotomia entre a justificada tutela penal dos direitos personalíssimos do autor e a inconstitucional criminalização do descumprimento de obrigações civis originadas dos direitos patrimoniais de autor.

Necessário se faz uma imediata releitura dos artigos 184 do CP e 12 da Lei 9.608/98 pelos Tribunais para que se declare inconstitucional a tutela penal dos direitos patrimoniais de autor, seja pela inobservância do princípio constitucional da taxatividade, seja pela inobservância da vedação constitucional à prisão por dívidas. Entender de forma diversa é consagrar a instrumentalização do Direito Penal como meio de coerção ao pagamento de dívidas civis e de intervenção econômica para a garantia de monopólios privados.


6.Bibliografia

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Notas

01 JEFFERSON, Thomas. The Writings of Thomas Jefferson. Disponível em: http://www.constitution.org/tj/jeff13.txt. "Se a natureza produziu uma coisa menos suscetível de propriedade exclusiva que todas as outras, essa coisa é ação do poder de pensar que chamamos de idéia, que um indivíduo pode possuir com exclusividade apenas se mantém para si mesmo. Mas, no momento em que divulga, ela é forçosamente possuída por todo mundo e aquele que a recebe não consegue se desembaraçar dela. Seu caráter peculiar também é que ninguém a possui de menos, porque todos os outros a possuem integralmente. Aquele que recebe uma idéia de mim, recebe instrução para si sem que haja diminuição da minha, da mesma forma que quem acende um lampião no meu, recebe luz sem que a minha seja apagada." Tradução: ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual. Disponível em: http://riseup.net/anarquista/porque_somos_contra.htm

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02 ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. p.28.

03 ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. p.30.

04 Cf. art.1.228 do Código Civil

05 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico p.477.

06 WONNACOTT, Paul. WONNACOTT, Ronald. Economia. p.23

07 GNU. O que é software livre? Disponível em: http://www.gnu.org/philosophy/free-sw.pt.html

08 ROVER, Aires José. Os pa®adoxos da p®ote©ão à p®op®iedade intelec©tual. In: Internet legal: o Direito na Tecnologia da Informação. p. 177.

09 RESENDE, Pedro Antônio Dourado de. Programas de Computador: a outra face da pirataria. In: Internet legal: o Direito na Tecnologia da Informação. p. 227. Para dados atualizados da ABES, cf: http://www.abes.org.br/polonego/dadoseto/dadose1a.htm#%CDndice%20de%20Pirataria%20no%20Software

10 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. p.29.

11 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. BATISTA, Nilo. Direito penal brasileiro: primeiro volume – teoria geral do direito penal. p.206-207.

12 Neste sentido decidiu o TJMG: Violação de direitos autorais. CD pirata - O princípio constitucional da legalidade é a garantia de que todo cidadão só poderá ser condenado criminalmente se houver lei prévia que permita a ele saber - ainda que potencialmente - que a conduta é crime no ordenamento jurídico. A expressão "violar direitos autorais" é demasiadamente vaga e até mesmo especialistas em Direito Penal não poderiam precisar o seu âmbito de significação, quanto mais um vendedor ambulante sem educação jurídica. O desconhecimento da lei é escusável se esta não for suficientemente clara para permitir que qualquer um do povo possa compreender - ainda que potencialmente - o seu significado. Apelação Criminal nº 1.0172.04.910501-5/001, Relator: Erony da Silva. Disponível em: http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=172&ano=4&numeroProcesso=9105015&complemento=1&sequencial=0&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta

13 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p.455.

14 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. p. 78.

15 Neste sentido: FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial parte especial: arts. 121 a 212 do CP. p.504; PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 3: parte especial: arts.184 a 288. p.53; MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial: arts.121 a 234 do CP. p.374. DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. p.437. Em sentido semelhante, afirmando ser a "propriedade intelectual" o bem jurídico tutelado: NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. p. 609.

16 "Em relação às obras literárias, científicas ou filosóficas, denominadas de obras ou produções do pensamento, e às obras artísticas (escultura, pintura), a propriedade intelectual é geralmente conhecida pela denominação direitos autorais. E quanto às invenções, na terminologia do Direito Comercial, designam-se, especialmente, propriedades industriais, que se concretizam pelas patentes de invenções, expedidas pelo poder público em favor dos inventores" (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. p.479-480).

17 "Acerca da natureza jurídica da matéria, a melhor doutrina pátria (Antonio Chaves, Walter Moraes, Carlos Alberto Bittar, José de Oliveira Ascenção, Fabio Maria de Mattia) é unanimente dualista: direitos de autor são um conjunto de prerrogativas de ordem moral e de ordem patrimonial, que se interpenetram quando da disponibilização pública de uma obra literária, artística e/ou científica. Os direitos morais pertencem exclusivamente à pessoa física do criador, e, no caso da obra audivisual, são exercidos pelo diretor. Os patrimoniais, ao criador originário, se não os transferiu, ou ao terceiro, pesoa física ou jurídica, a quem os tenha cedido ou licenciado." (ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. p.16)

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Sobre o autor
Túlio Lima Vianna

Professor de Direito Penal dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (2006) e Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001), onde também se bacharelou (1999). Autor dos livros Fundamentos de Direito Penal Informático (Forense, 2003) e Transparência pública, opacidade privada (Revan, 2007), este último com tradução para o espanhol publicada na Argentina (Ad-hoc, 2010). Tem participado como palestrante em dezenas de congressos e seminários nacionais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANNA, Túlio Lima. A ideologia da propriedade intelectual:: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos patrimoniais de autor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1174, 18 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8932. Acesso em: 28 mar. 2024.

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