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A nulidade parcial da sentença penal como artifício para a manutenção do decreto condenatório:

"error in judicando"

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22/09/2006 às 00:00
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É ilegal a decretação de nulidade parcial da sentença condenatória, em face de vício na aplicação da pena, com vistas a evitar a liberdade dos presos custodiados cautelarmente ou mesmo para impedir a prescrição.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da ação penal pública. 3. Do pedido e da causa de pedir. 4. A prestação jurisdicional:correção entre a acusação e a sentença. 5. Da sentença. 6. Das irregularidades processuais. 7. Do sistema de nulidades processuais. 8. Nulidade parcial da sentença por ausência ou deficiência de motivação. 9. Das conseqüências processuais do decreto da nulidade parcial da sentença condenatória. 10. Breves conclusões.

Resumo: O texto trata do artifício adotado pelos tribunais de decretarem a nulidade parcial da sentença condenatória, em face de vício na aplicação da pena, com vistas a evitar a liberdade dos presos custodiados cautelarmente ou mesmo para evitar o aperfeiçoamento da prescrição, mas que caracteriza ofensa ao sistema normativo das nulidades e aos postulados da ciência do direito.

Palavras-chave: Sentença – aplicação da penalidade - nulidades – princípio da correlação – ato processual unitário – capítulos da sentença - ciência do direito – erros de procedimento e de julgamento.


1.Introdução

A decretação da nulidade parcial da sentença penal condenatória, ou do acórdão, por vício na fixação da pena – inobservância do sistema trifásico (art. 68 c.c. 59, do Código Penal) ou por deficiência de motivação (art. 93, IX, da Constituição Federal)- , tem sido utilizada pelos tribunais superiores [01] como artifício para a manutenção do decreto condenatório, com os objetivos de evitar, dentre outros, a repetição da parte hígida, a soltura do réu custodiado cautelarmente e o aperfeiçoamento do lapso prescricional da pretensão punitiva.

No entanto, a matéria, ainda que de alta relevância, não tem despertado maiores atenções, estudos e críticas da doutrina, mas, na jurisprudência dos tribunais, observa-se um avanço significativo de adesões à tese, após os primeiros acórdãos originários do Supremo Tribunal Federal.

Objetiva-se, portanto, examinar o tema sob o aspecto processual penal para demonstrar que o decreto de nulidade parcial está calcado em bases jurídico-processuais equivocadas, ainda que sejam relevantes os objetivos, considerando-se que a sentença é um ato processual simples, único, cujo pronunciamento se exaure em uma só conduta, pondo fim ao processo, tendo por conseqüência que o ato jurídico deve ser interpretado como um todo, ainda que possa ser dividido em capítulos, o que não induz ao equívoco de considerá-lo um ato complexo, este sim, pois se apresenta como um conglomerado de vários atos unidos pela contemporaneidade e pelo fim comum.

Para demonstrar que essa prática caracteriza o que se denomina de erro in judicando, pois, para eliminar um erro processual, comete-se outro, far-se-á incursão sobre a ação penal pública, onde o dominus litis postula a aplicação da sanctio júris; sobre a causa de pedir e o pedido, onde são expostos o fato penalmente relevante e a pretensão condenatória; sobre a prestação jurisdicional, que deve guardar correspondência com a acusação; sobre a sentença, como sendo um ato unitário; sobre a ocorrência de eventuais irregularidades processuais; sobre o sistema de nulidades processuais; sobre a nulidade parcial da sentença por ausência ou deficiência de motivação; e sobre as conseqüências processuais do decreto da nulidade parcial da sentença condenatória.


2. Da ação penal pública

A ação penal pública é exercida pelo Ministério Público, quando a lei o exige, de representação do ofendido, ou de requisição do Ministério da Justiça, nas hipóteses do artigo 102,§ 1º, do Código Penal. Inicia-se por meio da denúncia (petição acusatória), em conformidade com o artigo 24 do CPP. Uma vez oferecida a denúncia, exercido está o direito-dever de ação penal(art. 25,CPP) e instaurada a relação processual (acusação-juiz).

Assim, através da denúncia, o Ministério Público provoca a atividade jurisdicional, dando conhecimento ao órgão competente de fatos que caracterizam uma infração penal, e postula a aplicação da sanctio júris ao culpado.

De outro lado, o Estado-Juiz não pode exercitar o seu direito-dever de punir, sem que seja acionado para a aplicação da sanctio juris. Portanto, o direito de pedir a tutela jurisdicional – atuação do Direito Penal Objetivo – consagra o direito de ação, pois pede-se ao Estado o julgamento de uma pretensão, em face de um bem juridicamente protegido.

Deve, pois, a denúncia conter "a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas", de acordo com o artigo 41 do CPP.


3. Do pedido e da causa de pedir

Na denúncia, o órgão do Ministério Público pretende a condenação do réu. E, para pedi-la, obviamente, deve-lhe imputar a prática de um crime. O fato criminoso, pois, é a regra do pedido de condenação, a causa petendi, segundo Tourinho Filho. [02]

Não existe denúncia sem pretensão e sem causa de pedir. Assim, a denúncia tem como pedido imediato a condenação e mediato a pena prevista ao fato principal típico (sanção).

No dizer de Frederico Marques: "A ação penal condenatória é a que tem por objetivo o reconhecimento de uma pretensão punitiva ou de aplicação de medida de segurança, para que seja imposto ao réu o preceito sancionador da norma penal incriminadora". [03]

A acusação é o objeto da ação penal e se traduz numa inculpação concreta suscetível de aplicação de pena ou medida de segurança. [04]

É certo que, no processo penal, pouco se faz referência ao pedido, tal como é específico no processo civil. No entanto, a acusação está para processo penal condenatório, assim como o pedido está para o processo civil de conhecimento, no que se refere à pretensão a ser tutelada pelo Estado-Juiz.

Assim, a acusação tem por objeto imediato o julgamento da pretensão punitiva e objeto mediato a imposição da sanção ao acusado. Tem-se, pois, que a acusação é elemento fundamental da denúncia, pois fica delimitada, mediante a imputação, a abrangência da prestação jurisdicional (concretiza-se pela sentença condenatória), vez que o fato delituoso "em tese" narrado, em que se baseia a pretensão, fixa o objeto da decisão do órgão judiciário.

A acusação deve ficar perfeitamente caracterizada pela descrição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, bem assim a qualificação jurídica do crime, de fundamental importância, uma vez que a sanção a ser imposta depende da qualificação jurídica dada ao fato pelo julgador, que, no final, poderá ser diversa (art. 383 e 384, CPP), significando, dizer, ainda, que a acusação contém um pedido condenatório genérico, no que se refere à imposição e à aplicação da pena.

Enfim, o pedido de condenação (genérico) fica delimitado pela imputação, porquanto a pretensão é a aplicação das penas previstas para a espécie delituosa descrita na denúncia. O quantum da pena não se define por ocasião da acusação, mas ficará determinado, a posteriori, com a qualificação jurídica dos fatos e das circunstâncias.


4. A prestação jurisdicional:correlação entre a acusação e a sentença

A prestação jurisdicional almejada pelo exercício da denúncia pelo Ministério Público é sem dúvida a de obter a condenação do acusado, por ofensa às normas penais que tutelam bens da vida.

A acusação tem seus limites no fato que é imputado ao acusado, sendo o fato delituoso que traça os limites da denúncia e da res in judicium deducta.

Portanto, o pedido contido na acusação é o de que o juiz condene o réu pela prática dos fatos que lhe são atribuídos; no entanto, as conseqüências jurídicas do fato independem de pedido, sendo irrelevante se constarem na denúncia, pois o julgador não está a ele vinculado e aplicará as sanções(ou não as aplicará, no caso de perdão judicial), que sejam adequadas, de acordo com a definição jurídico-penal do tipo.

Assim, a correlação entre a acusação e a sentença, que é a correspondência entre o objeto da denúncia e o objeto da sentença, constitui garantia do réu de que não poderá ser condenado, sem que possa se defender da acusação, e também a garantia do dominus litis de que a tutela judicial será prestada, nos limites da pretensão,em face do monopólio estatal de fazer justiça (art. 345 CP), pela aplicação da norma agendi.

Portanto, da sentença condenatória segue-se automaticamente a aplicação da pena, que é sua conseqüência, em perfeita correlação com a acusação, exceto na hipótese de perdão judicial, quando não se aplica a sanção, porque autorizada pelo ordenamento jurídico.


5. Da sentença

Para Claus Roxim [05], sentença é:

"o momento culminante do processo, destino e meio da prestação jurisdicional; sendo o fim do processo, a qual deverá ser justa, observando os estritos limites da legalidade, conferindo ao cidadão a garantia de um decreto decorrente de parâmetros justos e de ilimitada subjetividade do julgador; porém, com estrita normatividade prévia e processos regulamentados pelo direito".

Por sua vez, Frederico Marques [06] conceitua sentença "como sendo o ato de composição de litígio ou causa penal, em que o preceito normativo imposto pela ordem jurídica se transforma em preceito concreto e específico".

Ney Fayet [07], por sua vez, define sentença penal como sendo "a decisão do juiz que condena ou absolve o réu".

Tourinho Filho [08] esclarece que, na doutrina, "reserva-se o nome de sentença para aquele ato jurisdicional por meio do qual se resolve a lide. A tendência, contudo, é para conceituá-la como o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, com ou sem julgamento do mérito. A sentença é o ato proeminente da relação processual".

Assim, para ser pronunciada a sentença, que é a concretização da prestação jurisdicional, após ultrapassar as fases procedimentais realizadas para instruir o juiz, para que bem possa decidir, à luz do direito aplicável, procede-se à reconstituição dos fatos, de acordo com o acervo produzido, através de um trabalho mental e de lógica, para concluir pela condenação ou absolvição, julgando procedente ou improcedente a pretensão do órgão de acusação.

A sentença é tida como um ato declaratório de vontade (condena ou absolve) e como resultado de uma atividade mental (reconstrução dos fatos da acusação).

A sentença é composta pelos elementos essenciais: o relatório, a motivação ou fundamentação, o dispositivo e a autenticação, de acordo com o artigo 381 do CPP, formando um todo único.

E para a sentença produzir efeitos, necessário se faz a sua publicação, isto é, passar o seu conteúdo para o domínio da opinião pública.

Ademais, como efeito da publicidade da sentença, o juiz nada mais pode fazer, porquanto a sua atividade jurisdicional está esgotada (art. 463 CPC [09],). A sentença torna-se irretratável e imutável, exceto nas hipóteses admitidas, nos embargos de declaração, ou de existência de erro material, quando, então, poderão ser corrigidos os vícios de atividade.

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Assim, com a prolação da sentença condenatória, o juiz julga procedente a denúncia, vale dizer, o jus puniendi, reconhecendo a responsabilidade do acusado (pedido imediato) e impõe-lhe a sanctio júris (pedido mediato), observando os artigos 387, I a IV, do Código de Processo Penal, e artigos 59 e 68 do Código Penal.

De se notar que o efeito principal automático, de natureza penal (mérito), da sentença condenatória, é o previsto no artigo 387, III, primeira parte, do CPP: aplicação das penas, as quais devem suficientes e necessárias para a reprovação e prevenção do delito, para ser justa (art.59,CP).

Pode-se afirmar, pois, que a sentença condenatória é um ato jurídico objetivo, porque os efeitos produzidos não derivam da vontade do juiz, mas da lei. Portanto, a sentença como ato processual, para ser prolatada, depende de vontade do juiz; mas, os efeitos da condenação são os previstos na lei penal.

Outro aspecto relevante a ser destacado é considerar-se a sentença como um ato processual simples, equivalendo dizer que o ato se exaure em uma só conduta, contrariamente a dos atos complexos, os quais se apresentam como um conglomerado de vários atos unidos pela contemporaneidade e pelo fim comum (vg:audiência de instrução e julgamento, onde são praticados atos instrutórios, postulatórios e decisórios).

A conseqüência de ser a sentença um ato processual simples é a de que deve ser interpretada como um todo, calcado no Princípio da Unidade da Sentença, ainda que possa ser dividida em capítulos, o que não induz ao equívoco de considerá-la um ato complexo. Interpretá-la de modo diverso implica na cisão do julgamento, caracterizando-a como um ato complexo, inconcebível pela sua própria natureza.

Corroborando que a sentença rege-se pelo Princípio da Unicidade, qual seja, que deve ser interpretada como um todo, destaca-se a lição de Jorge Vicente da Silva: [10]

"A sentença é um corpo único, onde a divisão em relatório, motivação, parte dispositiva etc. é mero indicativo de necessários itens para o exame judicial, orientando a lei por ordem lógica e de fácil abordagem e compreensão, não sendo porém essencial e absoluta, desde que as partes entendam os motivos fáticos de direito que levam o juiz a optar por aquela sistemática de abordagem".

Das lições de Cândido Rangel Dinamarco, destaca-se que:

"... a sentença é uma só e formalmente incindível como ato jurídico integrante do procedimento; também um só e formalmente incindível é o decisório que a integra. Mas, substancialmente, o decisório comporta divisão, sempre que integrado por mais de uma unidade elementar – residindo em cada uma dessas um dos preceitos imperativos ali ditados [11]". Mais adiante esclarece: "como ato formalmente único que é a sentença comporta um recurso só, não –obstante sua divisão em capítulos mais ou menos autônomos e quaisquer que sejam os variados conteúdos de cada um desses capítulos... Esse capítulo, estando integrado no corpo unitário de uma sentença, não se destaca dos demais em razão de seu conteúdo, para receber um tratamento diferente, no tocante ao recurso cabível; caberá sempre e somente o recurso de apelação, porque o conteúdo de cada capítulo não exerce influência alguma na determinação do recurso adequado ao caso [12]."

Pondere-se, ainda,com observância das lições de Pontes de Miranda, que o vício incidente no elemento essencial aniquila todo o ato jurídico, quando esse não suportar a divisão em suas partes, acrescentando-se, também, que a nulidade parcial somente é possível nos negócios jurídicos complexos.

Ademais, a sentença ao admitir cômoda divisão de seus componentes estruturais, em relatório, fundamentação e dispositivo, possibilita a realização de cortes, com vistas a identificar capítulos, quando ocorrerem duas ou mais questões solucionadas na fundamentação, tal como a existência de crimes conexos (um de estupro e outro de roubo – duas pretensões), podendo ser impugnada apenas a decisão sobre um dos crimes, ou mesmo no crime único (furto qualificado), em relação à condenação e à pena, onde a parte poderá impugnar a existência das qualificadoras, ou somente a aplicação da pena.

Na primeira hipótese – crimes conexos -, examinam-se os elementos do crime de estupro e os do roubo, individualmente, pois são crimes autônomos e independentes. Poderiam ser objeto de duas sentenças, pois originam-se de duas pretensões condenatórias. Aqui, admite-se a cisão da sentença em relação a um dos crimes, para que outra seja prolatada, com todos os seus elementos estruturais. [13]

Na segunda hipótese, a pretensão é única, examinando-se a ocorrência do tipo penal e a das qualificadoras. Pode ocorrer que a defesa impugne somente as qualificadoras, para que o delito seja desclassificado para o de furto simples. Na fundamentação, haverá toda a atividade do juiz, no sentido de motivar a existência ou não das qualificadoras. A conclusão da existência do furto qualificado estará no dispositivo, em decorrência da fundamentação.

Assim, eventual recurso da defesa poderá incidir somente sobre as qualificadoras (recurso parcial), razão pela qual se admite o corte do decisum (fracionamento do furto das qualificadoras), definindo a matéria sobre a qual versarão as razões recursais.

Diversamente, da hipótese dos crimes conexos, o crime de furto é autônomo em relação às qualificadoras, mas as qualificadoras não são autônomas em relação ao crime de furto. Aqui não se admitem duas sentenças. A pretensão é única. Eventual vício na motivação das qualificadoras não poderá ser superado pela manutenção da sentença condenatória do furto, para que outra seja prolatada, somente em relação às qualificadoras.

O fracionamento do decisum da sentença, em capítulos, somente pode ser admitido, desde que existam unidades autônomas e independentes, tal como nas duas pretensões de condenação nos crimes conexos (em concurso).


6.Das irregularidades processuais

Para o enfrentamento da temática, de se indagar quais são os atos praticados no processo penal passíveis de serem sancionados com a decretação de nulidade?

Para se alcançar uma resposta razoável para a indagação, é importante recapitular os passos do procedimento e os das atividades desenvolvidas pelas partes, na relação processual.

O juiz é o terceiro imparcial da relação processual inter partes, que se substitui aos litigantes no interpretar a norma legal e no aplicá-la. Realiza, pois, a aplicação autoritativa do direito, por haver faltado à aplicação voluntária, que se apresentava como dever ao particular, em razão da incidência dos fatos da vida ao suporte fático da norma.

No entanto, a posição do juiz, no processo, em face do seu poder-dever jurisdicional, não se limita ao julgamento de fundo (aplicação do direito material), porque, até chegar à sentença, o magistrado e as partes têm que desenvolver atividades, através da prática de atos processuais, preparativos do julgamento final, tido como o ponto final da jurisdição: certificação do direito para a sua aplicação autoritativa. Neste percurso, são seguidas regiamente as normas de procedimento para possibilitar a aplicação das normas de conduta.

A propósito, o direito material penal estabelece normas de conduta, isto é, estabelece previamente as conseqüências para determinados comportamentos. As necessidades da vida inspiram a atuação dos homens no grupo social, limitando-se o direito material a valorá-las, segundo o critério político-jurídico adotado à época.

No direito processual penal, o legislador não seleciona comportamentos humanos para lhes emprestar relevância jurídica. Determina forma única de comportamento, vedando os demais. No processo, a atividade é predeterminada, descritiva, sendo a única lícita. Equivale dizer que está descrito como se realizará um processo, no futuro. É o itinerário a ser percorrido, desde a denúncia até a sentença...

Nesse sentido, tudo o que o juiz deve fazer, ou pode fazer no processo, está predeterminado nas normas processuais. Havendo desvio de itinerário, desbordando dos limites traçados, pratica ato ilegal, passível de ser sancionado de nulidade.

Dentre os deveres do juiz, traçados no processo, destacam-se: (a) o de impulsionar o processo para que ele chegue ao fim, de acordo com o itinerário previamente traçado; (b) de sentenciar sobre o mérito (aplicação do direito material) da demanda, uma vez constituída regularmente a relação processual; (c) o dever de motivar a decisão de mérito (razões de convencimento) ou a razão de não poder julgá-la, pela falta de pressupostos processuais (aplicação do direito formal).

Qualquer omissão do juiz no dever formal de agir caracteriza a violação in omittendo da lei processual. Mas a ação do juiz deve ser na forma da lei; se no seu agir violar a norma processual, configurada está a violação in faciendo.

Como visto, a atividade do juiz é delineada pelas normas processuais, sempre traduzida em declaração, e em comunicação de vontade, revestidas de resoluções. As resoluções podem se apresentar sob forma de decisões definitivas, ou terminativas. Portanto, são espécies de pronunciamento judicial.

Dentre as atividades do juiz, a doutrina classificou a natureza do juízo emitido pelo julgador. Não há dúvida de que o juiz emite juízos da sua própria atividade, como antecedentes necessários ao seu comportamento no processo; se defeituosos, conduzem a vícios de atuação, que se traduzem em violação da lei processual, classificado como error in procedendo. O impulso processual é decorrente do agir do juiz. No decidir questões processuais, o pronunciamento contém juízo sobre o comportamento das partes. As normas processuais destinam-se às partes, enquanto partes, porque determinam as respectivas atuações, e ao juiz para fazer atuar a jurisdição. O error in procedendo, portanto, pode dizer respeito à validade do processo ou da própria sentença.

O juízo de mérito diz respeito ao comportamento do réu, ou de sua conduta, fora do processo, isto é, o juiz julga a conduta do réu descrita na denúncia, aplicando a norma específica do tipo legal violado (direito objetivo). A decisão definitiva (sentença condenatória ou absolutória) é o objetivo perseguido, não só pelas partes, como pelo Estado-juiz.

Concluída, portanto, a instrução, após coletado todo o material que se fez possível ao pronunciamento de fundo, a sentença (emissão de juízo sobre a conduta do réu descrita na denúncia) não desponta como conseqüência lógica de todos os atos processuais realizados, porque se faz necessário o exame de todo o material colacionado sobre os fatos, à luz das normas reguladoras.

O trabalho lógico desenvolvido no plano do pensamento e exposto na sentença (conclusão) constitui o juízo, que nada mais deve ser do que a vontade concreta da lei.

Pode ocorrer que não haja coincidência entre a vontade da lei com a vontade concreta expressada na sentença, cuja divergência pode ser decorrente de erro na atividade intelectual do julgador, caracterizando a sentença, dita, injusta, derivada de um erro ocorrido no raciocínio, na fase decisória. Aqui fica evidenciado o que a doutrina denomina de error in judicando.

Portanto, o error in procedendo diz respeito à validade do processo (vg:ausência de citação), ou da sentença (vg:ultra petita, extra petita, infra petita), enquanto que o error in judicando diz respeito à justiça da sentença, a qual não interfere na sua validade.

Como visto, o juízo condenatório enseja a declaração do direito, reconhecendo-se a procedência da denúncia (pedido imediato). Da condenação, provém o seu efeito principal que é aplicação da sanção penal (pedido mediato).

A sanção penal é a conseqüência da condenação como solução pleiteada pelo órgão de acusação. Assim, é razoável concluir que a prestação jurisdicional não se satisfaz somente com o decreto condenatório, mas também com a aplicação da sanção, sob pena de haver violação às regras de procedimento.

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Sobre o autor
Mário Helton Jorge

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Mestre em Direito (PUC/PR). Professor da Escola de Magistratura do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORGE, Mário Helton. A nulidade parcial da sentença penal como artifício para a manutenção do decreto condenatório:: "error in judicando". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1178, 22 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8935. Acesso em: 30 abr. 2024.

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